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Liliana Tinoco Bäckert

Jornalista e mestre em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana, apresenta coluna semanal na Rádio CBN e é autora de livro e textos sobre vida no exterior

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Quem somos nós na fila do pão fora do Brasil?

Redação de um jornal que fomenta o racismo (Foto: Divulgação)
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A incapacidade de imaginar pertencer a um grupo minoritário no exterior é talvez um dos maiores entre tantos desafios enfrentados por brasileiros que emigram. A começar pela miopia étnica em que vivemos, nos achando “brancos” de origens europeias (claro que uma parte da população) e utilizando todos os privilégios da branquitude no nosso país. O problema é que, quando em além-mar, essas vantagens se dissipam. E aquela pirâmide hierárquica, construída com bases culturais meramente brasileiras, é quebrada na casa do colonizador. 

Como já dizia o professor Silvio Almeida, autor do livro Racismo Estrutural, no Hemisfério Norte, o que conta não é somente a cor da pele, seja qual for a coloração, mas também a origem, além de outros detalhes como nível educacional, fluência em idiomas, semelhança cultural, por exemplo. Mesmo com biotipo europeu, não terá tanta vez porque é latino. 

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O que sobra para o desavisado, contudo, é um amargor inexplicável, que pega com força os que passaram a vida a divagar sobre suas origens europeias e que descobrem que são incluídos mesmo é na categoria de latinos, com todas as benesses e prejuízos que isso possa trazer. 

Como vivemos gerações na utopia de sermos um país feliz em seu caldeirão cultural, onde brancos e negros viviam felizes e sambando juntos, é cruel emigrar e descobrir a falácia lá fora. E, pior, constatar que fazemos parte do grupo no qual muitos de nós mais desprezávamos: os miscigenados, os não-brancos, os latino-americanos, os vulneráveis, os desempregados, em alguns casos até dependentes de ajuda social.

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Essa minha reflexão tem muito a ver com a polêmica que a Folha de S. Paulo se envolveu na última semana ao publicar artigos opinativos defendendo o racismo reverso. O tópico, rebatido lindamente pela jornalista especializada em comunicação pública, Ana Cristina Rosa, é simples assim - copio aqui suas palavras: “sendo o racismo um sistema estruturante de dominação com base num conceito absurdo de superioridade racial que mantém pretos e pardos em desvantagem social, econômica e cultural, não é razoável imaginar a existência de racismo reverso num país hierarquizado de maneira a manter os negros em condição de subalternidade desde os tempos em que o Brasil era uma colônia”.

Levando o raciocínio para o contexto do brasileiro no exterior: um imigrante de um país desfavorecido, ainda na categoria de emergente como o nosso, que foi colônia, com nível educacional sofrível em comparação aos mais ricos, com a população com menos de 5% em fluência em inglês, vivenciará essa realidade de desvantagem lá fora. Trata-se verdadeiramente de um abismo social, e infelizmente vai atingir muita gente oriunda da classe média alta no nosso país.

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“Somos aquela nação dos trópicos que foi colonizada e isso está no inconsciente coletivo no exterior”, me explica o professor de História da Universidade de Ponta Grossa, Luís Fernando Cerri. E demora séculos para desfazer essa ideia; isso se estivéssemos exatamente investindo em educação e em ciência, o que não é o caso. Por isso na casa deles estamos em real desvantagem social, econômica e cultural. E aí, vai dizer que há racismo reverso nesse caso?

O caso de miopia é tão sério que nem mesmo a elite pensante consegue reconhecer o racismo na nossa sociedade. E quando a situação de desfavorabilidade vira para o lado desse grupo, fica difícil se enxergar assim do outro lado. Para esse imigrante que se percebe agora desconstruído de poder, que observa ir por água abaixo seu título e diploma universitário, é traumático mudar de posição - principalmente quando ele nem pensou no assunto anteriormente. 

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Tenho entrevistado inúmeros brasileiros no exterior para um livro que estou escrevendo sobre os preconceitos trazidos na mala ao ir embora. O que posso dizer é que são gritantes os efeitos dessa borracha passada nas nossas origens de povos indígenas e escravizados, nessa ignorância em relação ao racismo e do tampão nos olhos para as inúmeras desigualdades sociais. É nesse momento que alguns, infelizmente nem todos, sentem o quanto foi prejudicial o desprezo pelo outro. Esse brasileiro desavisado vai ter que se iniciar no beabá da empatia social.

A falta de conhecimento sobre nossas origens, diferenças culturais e noção de geopolítica nos faz pensar, inocentemente, que quando chegarmos à Europa, por exemplo, teremos tapete vermelho estendido porque somos brasileiros, com muito orgulho, criativos, porque damos nó em pingo d’água como ninguém. Realmente, somos muito disso mesmo e precisamos nos orgulhar. Mas, no exterior, essas características têm importância até a página dez; depois o que conta mesmo são os estereótipos em jogo, estudo impagáveis para conterrâneos comuns e o lucro que podemos gerar se contratados. E como não temos ido exatamente bem nessa área, enfrentamos mais um obstáculo.

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Com base nesse cenário de diferentes forças sociais em ação, fica a necessidade de ponderar: quem somos nós na fila do croissant? E lição número dois, se é que posso chamar assim: antes de ir embora, reflita sobre as minorias, a meritocracia, olhe de forma diferente para política de cotas, até mesmo ajudas sociais. Pode ser que você sinta na pele os efeitos de pertencer ao grupo dos desfavorecidos.

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