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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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"Querida Amazônia": uma inculturação truncada

A Exortação Apostólica “Querida Amazônia” do Papa Francisco é um hino à magnitude e à beleza desse imenso bioma que recobre nove países da América Latina. Como poucos se deu conta da importância da Amazônia para o futuro do equilíbrio ecológico do planeta e da sobrevivência do sistema-vida

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A Exortação Apostólica “Querida Amazônia” do Papa Francisco é um hino
à magnitude e à beleza desse imenso bioma que recobre nove países da
América Latina. Como poucos se deu conta da importância da Amazônia
para o futuro do equilíbrio ecológico do planeta e da sobrevivência do
sistema-vida.

Dividiu sua exposição na qual cita nossos autores e poetas em quatro
sonhos: o social, o cultural, o ecológico e o eclesial. Comparto
totalmene com quatro sonhos e meio. A segunda metade do quarto sonho
parece, para não poucos, antes um pesadelo. E explico por que.

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O estilo antes profético, ético, ecológico e poético se extingue-se.
Parece que outra mão escreveu o texto e, seguramente sob pressão,
conseguiu agregá-lo ao quarto sonho, transformando-o num pesadelo.
Aqui não fala o pastor mas o doutor, não o profeta que denuncia o
sistema mundial anti-vida mas a autoridade doutrinária que fixa uma
lição teológica.

Qual é o propósito de toda a Exortação Apostólica? A inculturação da
fé cristã na universo dos indígenas de tal forma que surja uma Igreja
de rosto amazônico. Tal diligência implica prestigiar a sabedoria
ancestral, os valores, os costumes e o modo de ser indígena. De uma
Igreja-espelho da européia, implantada pela colonização, deveria
emergir uma Igreja-fonte, com raízes na nossa realidade, especialmente
inculturada nos povos originários da Amazônia.

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O Papa Francisco foi quem mais estimulou os participantes do Sínodo
Panamazônico para que tivessem coragem de enfrentar este desafio. Essa
inculturação para ser real comportava obviamente sacerdotes casados,
os  “viri probati”. Os indígenas nem se imaginam um indígena célibe. O
padre deveria ser alguém casado. Essa era uma petição das comunidades
amazônicas, apoiadas pela maioria de seus bispos e aprovada
majoritariamente pelo Sínodo Panamazônico. Grande foi a decepção
quando se viu que este tipo de sacerdotes casados foi rejeitado pelo
quarto sonho. A inculturação não deveria ser completa?

A argumentação para negar o sacerdócio casado se funda numa
eclesiologia tradicionalista e  superada pelo Concílio Vaticano II.
Este dava centralidade, primeiro, ao Povo de Deus e depois a
hierarquia a seu serviço. A missão do ministro ordenado não é o de
concentrar o poder sagrado, mas o de coordenar todos os serviços, dar
coesão e presidir a comunidade. Pelo fato de presidir a comunidade,
preside também a celebração eucarística.

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Agora se determina a lição doutrinária da Exortação:”O caráter exclusivo recebido pelo sacramento da Ordem, deixa só o sacerdote
habilitado a presidir a Eucaristia; esta é sua função específica,
principal e não delegável”(n.87). Cabe lembrar que aqui se pensa
unicamente no sacerdote celibatário. Esta é a doutrina tradicionalista
que faz do sacerdote uma espécie de mago solitário.

Eis que surgem dois problemas: os fiéis, segundo o mandato de Jesus
(Jn 6,35; Lc 22,19;1Cor 11,25) têm o direito divino de participar de
seu corpo e sangue eucarísticos. Não se pode negar a Eucaristia aos
indígenas por não lhes permitir um sacerdote casado. Um direito humano
não pode se sobrepor a um direito divino.

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O segundo problema: um sacerdote pode celebrar sozinho a Eucaristia
mas a comunidade não pode celebrar sozinha a mesma Eucaristia. Sem o
sacerdote celibatário não há Eucaristia.

Aqui importa resgatar a ideia antiga e moderna: não se pode imaginar
uma ordenação em absoluto, sem uma conexão com a comunidade. O canon 6 do mais importante  dos Concílios, o  de Calcedônia (451), considerou
inválida toda ordenação absoluta.

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Durante os primeiros mil anos de cristianismo valia a seguinte norma:
quem preside a comunidade, preside também a Eucaristia. Podia ser um
bispo, um presbítero,um profeta e até um leigo.

Somente no milênio seguinte, por razões políticas de disputa entre os
Papas e os Imperadores, se firmou a doutrina chamada de “cefalização”
segundo a qual todo o poder está na “cabeça”, no Papa e a quem ele o
delegar. Só o padre ordenado pode presidir a Eucaristia. O poder
sagrado ficou desligado da comunidade. Surgiu um sacerdócio absoluto e
celibatário contra o que prescrevia  o canon 6 do Concílio de
Calcedônia.

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Ora, tal doutrina, foi tida pelo maior estudioso da Igreja, J.
Y.Cngar, como danosa até os dias de hoje. Ela separa os padres
celibatários da comunidade. Mas foi, na verdade, superada atualmente,
graças à concepção do Vaticano II que religa a Igreja ao Povo de Deus
e o sacerdote à comunidade.

Mas o que propriamente está em questão para ser ordenado é a lei do
celibato, imposta historicamente  só na Igreja Católica Romana. Ela
não existe nas demais 24 Igrejas também católicas (ortodoxa, armena
etc), sem serem por isso menos católicas.

Resumo da ópera: a assim chamada total inculturação da igreja nas
culturas indígenas ficou truncada, por causa de uma lei humana,
ocidental e sexista (celibato). Assim se frustrou o sonho de uma
Igreja realmente de rosto indígena e amazônico pela imposição de uma
norma ocidental, romana e excludente.

A ordenação de indígenas casados virá, pois quando uma ideia se firmou
nas consciências, ela vai se realizar.

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