Rachaduras no Velho Mundo, vozes do Sul: nova ordem econômica surgirá no caos global?
Trump promete 'grandeza', mas entrega caos
Em 2 de abril de 2025, Donald Trump anunciou tarifas de 10% a 47% sobre importações de 37 países, com alíquotas específicas: 34% para a China, 46% para o Vietnã, 24% para o Japão e 20% para a União Europeia. A medida, justificada como "restauração da grandeza industrial americana", entrou em vigor em 3 de abril.
Horas depois, a China retaliou com 34% sobre US$ 144 bilhões em produtos dos EUA, incluindo aviões Boeing e soja. "É uma resposta proporcional ao bullying econômico", declarou Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, em entrevista coletiva.
O impacto foi imediato.
O S&P 500 caiu 4,8% em um dia, apagando US$ 2,4 trilhões em valor de mercado — o pior desempenho desde março de 2020. O Nasdaq, índice de tecnologia, despencou 5,2%, com a Apple perdendo US$ 280 bilhões em valorização após alertas sobre o aumento do preço do iPhone para US$ 1.450.
"Estamos diante de uma tempestade perfeita: custos disparam, e os consumidores pagarão a conta", resumiu Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, em comunicado aos acionistas. Depois o próprio Dimon escreveria em suas redes sociais que “existem 65% de chances de os Estados Unidos entrarem em recessão longa”.
Retaliações em cadeia: do Vietnã à Europa - A escalada não se limitou à China. O Vietnã, taxado em 46% — a alíquota mais alta —, viu sua moeda, o dong, desvalorizar 3% em 24 horas. "Essa é uma punição injusta a uma economia que emprega 2 milhões na indústria têxtil", protestou Pham Minh Chinh, primeiro-ministro vietnamita, em discurso transmitido nacionalmente.
Na Europa, a UE reagiu com planos de impor 20% sobre US$ 200 bilhões em importações dos EUA, incluindo whisky bourbon e motores Harley-Davidson. "É um ataque à ordem multilateral que construímos desde 1945", criticou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, durante sessão no Parlamento Europeu.
O Japão, por sua vez, ameaçou restringir exportações de semicondutores essenciais para a indústria de defesa americana. "Não seremos espectadores passivos", afirmou Fumio Kishida, primeiro-ministro japonês, em conferência em Tóquio.
BRICS: protagonismo em tempos de mudança - Enquanto o Ocidente se fragmenta, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) capitalizam o vácuo. A China, por exemplo, já redirecionou US$ 500 bilhões em exportações para o Sudeste Asiático, segundo o China Customs Statistics.
Já a Índia atraiu US$ 30 bilhões em investimentos de empresas como a Tesla, que transferiu parte da produção de baterias para Hyderabad. "O protecionismo americano é nossa oportunidade", declarou Nirmala Sitharaman, ministra das Finanças indiana, em fórum empresarial.
O Brasil, sob presidência do bloco em 2025, projeta ganhar US$ 80 bilhões com exportações de soja e carne bovina para a China, substituindo fornecedores americanos. "Estamos reescrevendo as regras do comércio global", disse Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante a Cúpula dos BRICS em Brasília.
A Rússia, por sua vez, ampliou vendas de petróleo para a China em US$ 250 bilhões, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
O preço humano: quando números têm rosto - As tarifas não são apenas estatísticas. Nos EUA, 8 milhões de empregos estão em risco, segundo o Economic Policy Institute. No Texas, a família Johnson, dona de uma pequena fazenda de soja, viu seu lucro anual evaporar. "Vendemos 60% da colheita para a China. Agora, o grão apodrece nos silos", desabafou Mary Johnson, em entrevista ao Washington Post.
No Vietnã, 1,2 milhão de trabalhadores têxteis enfrentam demissões em massa. Nguyen Thi Anh, costureira em Hanói, contou à AFP: "trabalho 14 horas por dia há uma década. Agora, nem isso me salvará".
Na África Subsaariana, o preço do trigo subiu 30%, ameaçando 50 milhões de pessoas com insegurança alimentar, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA).
O fantasma de 1930 volta a assombrar - As tarifas de Trump ecoam o Smoot-Hawley Act de 1930, que ampliou a Grande Depressão ao reduzir o comércio global em 66%.
Hoje, o Peterson Institute estima perdas de US$ 1,2 trilhão no comércio até 2025, e a OMC prevê queda de 2,5% no volume de mercadorias. "Estamos repetindo os erros que juramos evitar", lamentou Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC, em discurso em Genebra.
Até líderes republicanos expressam preocupação. Mitt Romney, senador por Utah, declarou ao Fox News: "Tarifas são um imposto sobre os pobres. Trump está sacrificando o futuro por um slogan".
Nos EUA, a inflação já pressiona preços de carros usados (+22%) e aluguel (+15%), segundo o Bureau of Labor Statistics.
A encruzilhada da humanidade - Trump promete 'grandeza', mas entrega caos. Enquanto o Nasdaq despenca e CEOs alertam para recessão, famílias no Iowa enterram safras não vendidas, mães no Vietnã vendem sangue para comprar arroz, e crianças no Níger morrem de fome em silêncio.
Os BRICS oferecem uma alternativa, mas não são santos. Se o bloco ignorar os excluídos — os 3 bilhões sem saneamento, os 828 milhões com fome —, será apenas mais um capítulo na saga da insensatez com altas doses de ganância.
A pergunta não é se venceremos esta guerra, mas se haverá humanidade suficiente para reconstruir depois dela. Como escreveu o poeta brasileiro Thiago de Mello: 'os estatísticos dirão que tudo está perdido. Mas os loucos saberão que tudo está por fazer'. Saberão mesmo?
A conferir nas próximas semanas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

