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Leonardo Attuch

Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.

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Relação entre Brasil e China precisa ser recalibrada

É fundamental avançar na transferência de tecnologia e no estímulo à reindustrialização do País

Lula e Xi Jinping - 13/05/2025 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A edição desta terça-feira do Brasil 247 traz duas reportagens que jogam luz sobre a centralidade da relação Brasil-China no cenário econômico global. De um lado, uma excelente notícia: a China, mesmo sob forte pressão da guerra comercial desencadeada pelo presidente Donald Trump, volta a superar suas metas de crescimento e ostenta um desempenho invejável, com 5,3% de crescimento no primeiro semestre de 2025. De outro, um alerta que merece atenção: as importações brasileiras de produtos chineses batem novo recorde e consolidam o país asiático como o maior fornecedor de bens de consumo ao Brasil.

Não há como negar o óbvio: o avanço da China sobre o mercado brasileiro é fruto da sua competitividade industrial, da escala de produção e da capacidade de inovação. Entretanto, essa tendência expõe fragilidades da estrutura produtiva brasileira e sinaliza a necessidade urgente de o Brasil reequilibrar essa relação, buscando garantias mais sólidas de transferência de tecnologia e estímulo efetivo à reindustrialização nacional, com apoio concreto das multinacionais chinesas.

Os números são eloquentes. As importações de produtos chineses já respondem por 26% das compras externas do Brasil, superando com larga vantagem os Estados Unidos, que hoje representam apenas 16%. Itens como automóveis, eletrodomésticos, celulares e até têxteis vêm inundando o mercado nacional a preços cada vez mais baixos, tornando a concorrência quase impossível para a indústria local.

É um fato econômico que deve ser analisado com maturidade. O comércio internacional nunca será uma via de mão única e o Brasil ainda é superavitário na relação com a China. Mas o governo Lula não pode ser ingênuo diante do risco de uma desindustrialização acelerada e da formação de uma dependência estrutural em setores estratégicos. Mesmo com o aumento de tarifas sobre veículos elétricos, a importação de carros chineses cresce de forma acelerada, revelando a necessidade de o Brasil adotar uma estratégia mais sofisticada para ampliar as exigências de conteúdo nacional.

Oportunidade histórica para um novo patamar de cooperação

Durante a recente cúpula do BRICS, no Rio de Janeiro, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, afirmou, com razão, que Brasil e China vivem seu melhor momento histórico. A parceria estratégica se fortalece, novos acordos são assinados e há avanços em áreas promissoras como economia verde, economia digital, ciência, tecnologia e setor aeroespacial. Contudo, a excelência política e diplomática desta relação precisa se traduzir em avanços concretos no setor produtivo brasileiro.

O conceito de nearshoring — o redesenho das cadeias produtivas com produção próxima ao mercado consumidor — deve estar no centro do diálogo bilateral. O Brasil, com seu vasto mercado interno e capacidade industrial adormecida, tem todas as condições de se tornar um polo de produção industrial para a América do Sul, contando com o apoio tecnológico da China.

Mais do que importar bens de consumo, o Brasil precisa importar fábricas, know-how e capacidade tecnológica. A parceria estratégica deve caminhar para projetos de transferência de tecnologia, investimentos diretos, parques industriais e centros de pesquisa em solo brasileiro. O comércio deve se transformar em vetor de desenvolvimento e não em fator de dependência.

O interesse nacional em primeiro lugar

A relação Brasil-China, ancorada na forte amizade entre os presidentes Lula e Xi Jinping, é essencial e deve ser preservada como um dos pilares da política externa brasileira, especialmente no contexto do BRICS e do Sul Global. Mas ela deve ser capaz de atender aos interesses nacionais do Brasil. Reindustrializar o País é uma questão de soberania, de geração de empregos de qualidade e de sustentabilidade econômica.

O Brasil precisa defender com firmeza sua capacidade produtiva, negociar contrapartidas claras e fazer valer sua força como mercado consumidor relevante. O momento é oportuno, o diálogo está aberto e a parceria política é sólida. Falta apenas transformar essa oportunidade em um novo ciclo de desenvolvimento econômico que reposicione o Brasil na vanguarda da produção industrial.

A China é uma potência global e uma parceira importante, mas o projeto nacional precisa estar sempre em primeiro lugar. E esse projeto passa, obrigatoriamente, por uma nova industrialização brasileira.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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