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Alexandre Aragão de Albuquerque

Escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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Religio

(Foto: Reuters/Jason Cohn)
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 “A religião gira em torno de uma função social de criar solidariedade”. (Émile Durkheim)

 Nos últimos tempos, em função do arranjo que o bolsofascismo foi capaz de compor, colocando como apoio ao seu projeto autoritário de poder, num mesmo balaio político, categorias que aparentemente não teriam nada comum, como Mercado Financeiro, Agronegócio, Força Militar e Religião, temos recebido algumas denúncias, pelas redes digitais, de pessoas amigas ligadas à tradição cristã católica, acusando outros fiéis ligados a outros credos (como cristãos evangélicos, judeus, maçons etc.) pelo apoio dado à extrema-direita brasileira. Estas pessoas, contraditoriamente, descuidam-se de assumir uma atitude reflexiva e autocrítica em relação aos apoios públicos e escancarados de seus irmãos católicos, leigos e clérigos, em seus movimentos e associações, ao bolsofascismo, amenizando ou olvidando tais acontecimentos ocorridos na bolha de sua própria tribo confessional, em vez de promoverem, com o mesmo rigor, queixas idênticas.

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Tais comportamentos fazem-nos lembrar uma admoestação evangélica na qual Jesus de Nazaré adverte seus seguidores: “Por que reparas tu no cisco que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho para somente depois cuidares de retirar o cisco no olho do teu irmão”. (Mt 7, 3-5). 

Em seu vigoroso ensaio O conceito de religião”, publicado pela Revista REVER (v.22, n.2, 2022), Kevin Schilbrack, professor do Departamento de Filosofia e Religião da APPState (EUA), atesta que na antiguidade ocidental havia o reconhecimento de que algumas pessoas adoravam deuses distintos, com compromissos incompatíveis entre si, constituindo grupos sociais diferentes que poderiam ser rivais. Além disso, como religio se aproxima de uma devoção ou obrigação sentida, resultado de tabus, promessas, maldições ou transgressões, o termo continha em si uma variedade de sentidos. Por exemplo, o termo latino foi usado para a observância dos deveres tanto nos relacionamentos divinos quanto nos humanos (“culto” e “serviço”). À medida que cristãos desenvolveram na Idade Média ordens monásticas, nelas se faziam votos para se viver sob uma determinada regra (lei) específica, diferenciando-se dos outros. Tudo isto estava englobado no termo religio.

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Para o filósofo Bruce Lincoln (Thinking about Religion after September 11. The University of Chicago Press, 2006), a religião é um discurso cujas preocupações transcendem o humano, com práticas ligadas a esse discurso, envolvendo pessoas que constroem sua identidade com referência a esse discurso e a essas práticas, necessitando de estruturas institucionais para gerir essas pessoas. Compreende pelo menos quatro características básicas: Fides, relativo ao compromisso intelectual no qual uma pessoa toma como verdade as proposições de uma determinada crença; Fiducia, trata-se do compromisso emocional por meio do qual uma pessoa desenvolve a confiança mediante uma ligação do receptor à sua Fonte; Fidelitas, contempla o compromisso da lealdade em colocar em prática os códigos estabelecidos a serem seguidos pelos fiéis; Comunitas, trata-se da dimensão comunitária e material da vivência do discurso, porque não há religião de uma única pessoa e nem no abstrato existencial.

O grande filósofo austríaco, naturalizado britânico, grande pensador da filosofia da linguagem, Ludwig Wittgenstein (1889-1951), pergunta: “Por que chamamos algo de religião?”. Talvez porque tenha relação direta com várias coisas que até agora foram chamadas de religião, podendo criar uma relação indireta com outras coisas que chamamos de mesmo nome. No uso comum, por exemplo, o budismo pode ser considerado uma religião, mas o capitalismo normalmente não é, por quê? Segundo Wittgenstein, quando se olha para a história de um conceito, o que se vê é algo em constante flutuação. Assim, o fato de o que conta como religião mudar de acordo com a definição de alguém, reflete uma arbitrariedade no uso do termo.

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Para os pensadores Jonathan Z. Smith e Talal Asad, o fato de o termo religião não ser um conceito encontrado em todas as culturas, indica que foi uma ferramenta inventada em um determinado tempo e lugar por certas pessoas para impor seus propósitos a outras, revelando o seu caráter político: uma invenção conceitual politicamente motivada, como se comprovou com a colonização das Américas, por exemplo. Reflete o preconceito para classificar o mundo entre aqueles que “são” e os que “não-são” (como nós). 

Segundo Talal Asad, embora as pessoas possam ter todos os tipos de crença ou motivações religiosas, o mecanismo que as inculca serão técnicas disciplinadoras de algum poder autoritário, e assim por esta razão não se pode tratar a religião como “estados internos”. Deve-se estabelecer, portanto, a categoria religião como objeto a ser analisado, e não a ferramenta de análise. Ou seja, a religião não é um estado interior independente do poder social, desenraizada do seu contexto social e histórico. A classificação de algo como religião não é neutra, mas representa uma atividade política. É preciso deixar de naturalizar o termo para historicizá-lo, buscando identificar a cada momento os interesses a que serve. Por isso é fundamental indagar quem são e por que alguns ditos cristãos católicos continuam apoiando o bolsofascismo.

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