Renda do petróleo no Brasil: entre o desenvolvimento sustentável e a restrição fiscal
Diante da emergência climática, é urgente que a renda gerada por esse recurso finito seja utilizada de forma estratégica
Do final de junho ao início de julho, no intervalo de cerca de duas semanas entre a votação na Câmara dos Deputados e no Senado e a posterior sanção presidencial, foi aprovada a Medida Provisória 1291/2025, que incorpora o Projeto de Lei 2632/2025. Esta segunda proposta autoriza a venda da participação da União em petróleo nos contratos de partilha do pré-sal e evidencia a consolidação de uma estratégia de utilização da renda petroleira voltada para objetivos fiscais de curto prazo. Em vez de destinar esses recursos a investimentos sociais estruturantes e de longo prazo, o governo tem priorizado seu uso para o cumprimento das metas fiscais estabelecidas pelo Novo Arcabouço Fiscal, com foco na geração imediata de receitas para o pagamento da dívida pública e de seus encargos financeiros.
Originalmente, as mudanças propostas pela MP tinham como objetivo ampliar as áreas passíveis de destinação dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal, incluindo o enfrentamento das consequências sociais e econômicas de calamidades públicas, infraestrutura social e políticas de habitação de interesse social – ponto que demanda análise à parte. Contudo, a incorporação do novo PL, também de autoria do executivo federal, diz respeito a outro assunto e significa, na prática, a flexibilização do modelo de partilha.
Com a nova legislação, a União passa a ter autorização para vender seus direitos e obrigações relacionados a acordos de individualização da produção em áreas não concedidas ou não partilhadas, atualmente sob responsabilidade da PPSA – estatal criada para gerir contratos de partilha no pré-sal e em regiões estratégicas. As mudanças permitem a antecipação de receitas por meio da transferência dessa participação para outras petroleiras, abrindo espaço para uma forma de privatização. A expectativa é arrecadar entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões, sobretudo com a venda de ativos nos campos de Tupi, Mero e Atapu, contribuindo para o cumprimento da meta fiscal de curto prazo.
Além dessa medida, outras iniciativas demonstram a continuidade de uma inflexão na estratégia de uso das receitas do petróleo que remete ao ano 2016, priorizando a arrecadação fiscal de curto prazo. Um exemplo disso foi o 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP, que resultou na concessão de 34 blocos de exploração, incluindo áreas sensíveis como a Bacia da Foz do Amazonas. Nesse leilão, a Petrobras arrematou apenas oito blocos como operadora (cinco em consórcio com a ExxonMobil e três com a Petrogal), além de integrar consórcios em outros 5 blocos. Os demais foram arrematados por empresas estrangeiras. A rodada arrecadou R$ 989,2 milhões em bônus de assinatura, o maior montante registrado neste modelo desde 2019.
Os blocos de exploração localizados na Margem Equatorial foram contratados sob o regime de concessão em razão dessa região não ter sido enquadrada como área estratégica, como tem reivindicado entidades como a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Ineep. Tal decisão compete exclusivamente ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), portanto ao Governo Federal. A opção pela concessão, no entanto, compromete a possibilidade de fortalecer a soberania energética nacional, assegurar um uso mais estratégico e de longo prazo do petróleo extraído e da renda gerada, além de dificultar a garantia de maior compromisso ambiental (dada a maior dificuldade de supervisão de empresas privadas estrangeiras). Além disso, leiloar essas áreas em um contexto geopolítico que indica queda do preço do barril de petróleo pode acabar levando à aquisição por preços abaixo do esperado.
As privatizações e o desmonte da infraestrutura da Petrobras durante os governos Temer e Bolsonaro ainda exercem efeitos negativos consideráveis sobre a capacidade de a empresa perseguir objetivos de autossuficiência energética e ampliar investimentos com a renda do petróleo. Por meio dessas regulações, o governo mantém os caminhos abertos para os avanços neoliberais em um setor estratégico para a segurança energética e a soberania nacional, optando por uma lógica imediatista voltada a atender os limites e as metas do Novo Arcabouço Fiscal, ou seja, à geração rápida de receitas para garantir o pagamento da dívida pública e seus elevados encargos financeiros.
O Brasil se estabeleceu como potência global na produção de petróleo, com a exportação do produto liderando a pauta comercial nacional em 2024. No entanto, diante da emergência climática, é urgente que a renda gerada por esse recurso finito seja utilizada de forma estratégica, priorizando investimentos estruturais e de longo prazo que promovam a transição ecológica. Para isso, será necessário reduzir gradualmente a dependência econômica do petróleo e ampliar a destinação de seus investimentos e receitas – incluindo participações especiais, royalties, tributos e os lucros da Petrobras – para o desenvolvimento social e ações de mitigação e adaptação climática. Subordinar essas receitas a uma política fiscal restritiva compromete esse caminho e pode gerar prejuízos graves no futuro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

