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César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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Requião lança Vargas, Jango e Brizola contra doutrina Monroe-Trump que ameaça América Latina

Requião considera ter o Brasil as armas políticas, econômicas e sociais capazes de enfrentar soberanamente as ameaças feitas pela nova Doutrina Monro

Roberto Requião (Foto: Reprodução)

Em auditório lotado na sede do PDT, no Rio de Janeiro, no sábado (6.12), o ex-governador e ex-senador nacionalista do Paraná, Roberto Requião, ex-MDB, que se filiou ao partido criado por Leonel Brizola, guardando suas raízes trabalhistas varguistas, como produto da Revolução de 1930, lançou Manifesto à Nação (*) para propor debate político nacional; essencialmente, o programa, composto por um decálogo, vai direto ao ponto: o Estado nacional precisa se libertar do mercado financeiro para traçar as linhas básicas do desenvolvimento nacional com justa distribuição da renda; o Estado tem que organizar a economia, não o mercado, que a desorganiza e a joga na anarquia. Eis o decálogo:

1 – Fim do tripé neoliberal (metas inflacionárias restritivas, câmbio flutuante, superávit primário), que aprisiona o Estado ao mercado;
2 – Restauração do Estado sobre o Banco Central “independente”;
3 – Reforma agrária;
4 – Ensino público modelo CIEPs;
5 – Saúde pública modelo SUS estatal;
6 – Salário mínimo calculado pelo Dieese;
7 – Reestatização da Petrobras e Eletrobras;
8 – Brasil ferroviário intercontinental;
9 – Reforma administrativa, urbana e trabalhista;
10 – Auditoria da dívida pública constitucional.

Com esse programa, semelhante ao do ex-presidente Jango Goulart, derrubado pela ditadura de 1964, apoiada por Washington, Requião considera ter o Brasil as armas políticas, econômicas e sociais capazes de enfrentar soberanamente as ameaças feitas pela nova Doutrina Monroe, lançada semana passada pelo presidente Donald Trump, que visa à recolonização total da América Latina; é por meio do nacional-desenvolvimentismo, proposto pelo PDT à discussão nacional, que o país retomará o desenvolvimento e contribuirá para a união econômica latino-americana, conforme determina a Constituição de 1988.

Eis a íntegra da proposta do PDT-2026, lançada por Roberto Requião:

PROGRAMA NACIONAL DESENVOLVIMENTISTA ANTI-IMPERIALISTA

(*) “Há uma frase de Celso Furtado que resume dolorosamente toda a tragédia do subdesenvolvimento brasileiro. Dizia ele: ‘Nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ter sido’.

É justamente aqui que se impõe a nossa tarefa. Deve ser missão do PDT criar condições para encurtar e mesmo eliminar esse fosso entre as nossas potencialidades e a crua realidade de nosso país hoje.

Somos herdeiros de Vargas, que fincou as estruturas para a construção de uma Nação Brasileira desenvolvida, justa e soberana. Somos herdeiros de João Goulart, cujas Reformas de Base devem ser lembradas e celebradas como as mais revolucionárias propostas para alforriar o Brasil do atraso, da dependência, da servidão, da exploração e da ignorância.

Portanto, temos pedigree e, à conta dessa genealogia, somos compelidos e obrigados a também oferecer ao país um Programa que, definitivamente, nos desamarre dos pressupostos neoliberais que orientam as ações governamentais há décadas. Um Programa corajoso, que tenha como guia os interesses nacionais e populares e não os interesses do mercado, como é hoje, foi ontem e haverá de ser amanhã, se não agirmos para romper esse ciclo de dependência e de covardia.

Um Programa, enfim, que dê ao mercado, à banca, à globalização financeira e à rapinagem imperial uma soleníssima banana.

É impressionante e deprimente como todas as elaborações da esquerda, dos chamados progressistas, nas últimas décadas, sempre fazem reverências ao mercado, aos fundamentos econômicos neoliberais. Enchem-se de dedos e de pudores para não desagradar aos donos do dinheiro, aos grandes grupos econômicos nacionais e transnacionais e à mídia que os embala.

Não! Um Programa pedetista, que honre nossas tradições trabalhistas e nacionalistas, deve ter a coragem do sacrifício de Vargas, e não a pusilanimidade dos tíbios e dos medrosos.

Alinho aqui algumas ideias para o debate. Proponho que o PDT discuta, elabore e apresente aos brasileiros um Programa que guie o país para o desenvolvimento, o bem-estar, a paz e a segurança. Não me refiro a uma proposta para eleição, para um governo. O nosso Programa deve transcender as circunstâncias políticas e eleitorais e, ao mesmo tempo, atrair para a discussão outros partidos e correntes de opinião.

Vamos, então, a algumas ideias para a construção de nosso Programa.

O primeiro movimento para a reconquista do Brasil para o seu povo é a eliminação do tripé macroeconômico sobre o qual se assentam as decisões governamentais. Tão pura e simplesmente isto: dinamitar o tripé, fazer pó desse pressuposto.

O câmbio flutuante, as metas de inflação e o superávit primário engessam e condicionam toda a vida do país. Sob o pretexto da estabilidade econômica, da atração de investimentos, para afagar e acalmar o mercado, a banca e os rentistas, o tripé macroeconômico limita a ação governamental e impede que se execute no país um programa que, minimamente, contribua para a promoção das condições de vida dos brasileiros.

Quem é que dá as cartas, o Lula, o Haddad ou as imposições do mercado através do tripé macroeconômico?

Dinheiro para a educação, para a saúde, para o saneamento, para a segurança pública, para obras de infraestrutura? Apenas se isso não sacudir uma das pernas do tripé, o equilíbrio das contas públicas. Não interessa do que os brasileiros precisam, fala mais alto e se impõe o que ditam as classes dominantes e seus agentes.

Sob a ditadura do tripé, não se distinguem governos ditos progressistas ou de direita: o corte de gastos sociais e a redução de investimentos públicos igualam-nos.

Enfim, como é possível pensar uma política governamental de investimentos pesados em industrialização, inovação e tecnologia, por exemplo, se as finanças públicas, se as ações públicas estão sob camisa de força, manietadas?

Demolido o tripé, devemos igualmente acabar com essa excrescência de Banco Central independente. Aliás, independente e incompetente, quando não promíscuo e omisso, basta ver o caso recente do Banco Master. E que não se culpe a diretoria anterior; a presente também vacilou.

O Banco Central deve se responsabilizar basicamente pelo desenvolvimento econômico, pela industrialização e pela criação de empregos. E pela definição da política de juros, regulamentada por lei, que privilegie a produção e não o rentismo. Não há como se praticar uma taxa de juros razoável se a raposa continuar cuidando do galinheiro.

Abro aqui um parêntese para relembrar que, durante o governo João Goulart, a SUMOC — Superintendência da Moeda e do Crédito, criada por Getúlio Vargas, precedendo a implantação do Banco Central — foi uma das responsáveis pela elaboração do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, junto com o Ministério do Planejamento, então comandado por Celso Furtado. Quer dizer, na gênese do Banco Central, o trabalhismo via na instituição um instrumento essencial para apoiar e acelerar o desenvolvimento brasileiro. Pois é, sessenta anos depois, estamos falando a mesma coisa, propondo a mesma coisa. Que tragédia!

Removido o tripé macroeconômico, redefinidas as funções do Banco Central, quebradas as pernas do rentismo, desatam-se as mãos do governo para investir em seu próprio povo.

Assim, na educação, vamos seguir a tradição do trabalhismo que, na Era Vargas, criou a Escola Nova, pública, laica, universal e gratuita, que em poucos anos triplicou as matrículas. Devemos também tomar por base os CIEPs de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.

Emergencialmente, urgentemente, considerando o registro de violência generalizada contra a infância brasileira e seu recrutamento precoce por organizações criminosas, propomos a instalação de cem mil CIEPs, em especial nas áreas mais pobres das cidades brasileiras, onde se concentram as favelas e as sub-habitações.

É uma forma concreta de enfrentar a violência infantil, de formar uma nova geração de brasileiros e de realizar uma reparação histórica no que se refere à herança dolorosa da escravidão e do racismo.

Na contramão do ensino libertador de Darcy Ribeiro, de Anísio Teixeira e de Paulo Freire, vemos hoje avançar pelo país a militarização das escolas públicas, levando para os bancos escolares a cultura da violência, da discriminação e do fascismo. É nosso compromisso erradicar também esse embuste.

Aos moldes da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, lançada por João Goulart em 1963, que, apesar da curta existência, já que foi extinta pelos golpistas de 64, obteve resultados fantásticos, devemos fixar como meta a extinção definitiva do analfabetismo no Brasil. Países muito mais pobres que o nosso eliminaram essa chaga vergonhosa. E, como a iniciativa de Goulart, a nossa campanha deve buscar desenvolver a educação popular, integrar as pessoas na cidadania e fortalecer as bases de um projeto nacional de desenvolvimento social. Quer dizer, não basta ensinar a ler, escrever e contar, é preciso formar o cidadão.

Outra tragédia brasileira é a falta de saneamento básico. Não há dinheiro também para o saneamento porque a “economia de papel”, através da usurpação dos juros, abocanha boa parte do orçamento. Assim, quase a metade dos brasileiros não é servida por água e esgoto tratados. É um escândalo que pouco comove o Congresso, o Planalto ou a nossa mídia corporativa.

Como consequência, temos que a maior demanda do SUS é de pacientes com doenças gastrointestinais, resultantes de contaminação por falta de saneamento básico.

Já tão pressionado pela política de cortes de gastos, para equilibrar contas públicas e fazer superávit primário, o SUS consome boa parte de seu orçamento tratando de diarreias e vômitos dos brasileiros que não têm banheiro, não bebem água tratada e não são atendidos por serviços de esgoto. Isso sim é uma vergonha!

A extensão do saneamento básico a todos os brasileiros, no prazo máximo de dois anos, é o compromisso do nosso Programa. Para isso, há recursos de sobra; basta recuperar para os brasileiros uma pequena fração que o rentismo suga do país.

A Reforma Urbana proposta por João Goulart atacava em duas frentes: medidas para solucionar o transtorno do déficit de habitações nas cidades e a criação de políticas para democratizar o acesso dos brasileiros à moradia.

Mais de 60 anos depois, seis décadas de tempo desperdiçado, devemos retomar, modernizar e ampliar essas duas tarefas. O nosso Programa, além de enfrentar problemas habitacionais tão antigos, deve lidar também com o crescimento assustador das favelas e das sub-habitações nos últimos anos Brasil afora, a par do aumento irrefreável dos moradores de rua.

Nosso Programa prevê a criação da Campanha Nacional da Habitação Popular — Casa da Família, com meta de construir dois milhões de moradias por ano, em parceria com as prefeituras, governos estaduais, organizações não governamentais e iniciativa privada.

A regularização das ocupações e a remoção de ocupações em áreas de risco e de preservação ambiental terão o prazo de dois anos, no máximo, para ser executadas. Experiências de governos estaduais e municipais comprometidos com as causas populares provam que isso é viável.

Já em relação à saúde pública, o nosso Programa deve prever que o percentual do orçamento da União destinado ao setor seja elevado a 20% da receita corrente líquida, pelo prazo de dois anos, para que as demandas reprimidas do SUS sejam reduzidas ao mínimo.

Registre-se que, com a universalização do saneamento básico e a redução das habitações precárias, com construção massiva de casas populares, haverá uma queda da procura do SUS pelas campeãs das filas, as doenças infectocontagiosas.

Discutamos agora a segurança pública. É inevitável que as condições sociais, as circunstâncias em que vivem os brasileiros gerem fatos sociais. Assim, o aumento da violência, a expansão do crime organizado e o envolvimento de parcelas cada vez maiores de pessoas pela criminalidade, especialmente adolescentes e jovens, não são fatos fortuitos, que acontecem ao acaso.

Antigamente, quando a sociedade brasileira, as nossas elites, exibiam rudimentos, vestígios de civilização, aceitava-se isso como verdadeiro. Hoje, no entanto, com o predomínio da cultura neoliberal, dos pressupostos e valores culturais neoliberais, que quase sempre tocam e se aproximam do fascismo e da barbárie, a ordem é a da Rainha de Copas: cortem-lhes a cabeça!

Há pontos de contato, mais do que se possa imaginar, entre a falta de escrúpulos do mercado, dos rentistas, da banca, com a criminalidade, com corrupção congressual, suas rachadinhas e emendas imorais. A cultura do neoliberalismo, seu afã de ganhos a qualquer preço, não é diferente da cultura do banditismo, do crime organizado. São negócios. A crueldade dos especuladores, eliminando empresas e empregos, falindo nações, destruindo vidas e sonhos, não me parece diferente das ações das quadrilhas, das máfias.

Enfim, a bandidagem, em essência, reproduz o neoliberalismo: a mesma crueldade, a mesma insensibilidade, a mesma busca irrefreável por vantagens e lucros, o mesmo desrespeito à vida, aos valores humanos e democráticos.

Então, combater o crime organizado é combater também a cultura que o gera, o estimula e o faz expandir.

Por outro lado, parece óbvio que o aparato policial de hoje, suas estruturas, modo de agir, formação e atribuições não se afinam mais com a realidade da segurança pública do país. O descompasso é imenso. Logo, é também urgente uma ampla e radical reforma das nossas polícias. Trata-se de mexer em um vespeiro, sabemos; no entanto, é preciso enfrentá-lo. Medidas tíbias, cosméticas ou corporativas vão deixar o que é ruim ainda pior.

Vamos agora falar em economia e nos pressupostos para um desenvolvimento econômico-industrial soberano, acelerado e competitivo.

Antes anotemos algumas informações. Nos anos 80, o Brasil tinha um PIB superior ao da China, da Índia, da Coreia do Sul, da Turquia, do México e de mais países ditos em desenvolvimento.

Até o início da década de 90, Brasil e China tinham participação semelhante na produção econômica mundial. E, até a metade daquela década, o PIB brasileiro era superior ao PIB chinês. Mas, nos últimos 30 anos, a China cresceu 2.485%; e o Brasil só 283%.

Enquanto o Brasil aderia ao Consenso de Washington, entregava-se perdidamente aos pressupostos neoliberais, adotava o tripé macroeconômico, desfazia-se de suas estatais, a China reforçava e expandia suas empresas públicas, investia pesadamente na industrialização, na educação de seu povo, em inovação e tecnologia, fixava e buscava cumprir rigidamente metas de crescimento.

O resultado de uma e outra política está aí à mostra.

Portanto, o nosso Programa deve acelerar medidas para recuperar o tempo perdido, as décadas desperdiçadas pela submissão do país aos preceitos neoliberais, fossem governos conservadores, fossem governos ditos de esquerda. A diferença entre os dois é que um tirava do brasileiro até o couro e outro cobria a nossa miséria com alguns panos e fornecia refeições a mais. Sem tocar no sacratíssimo tripé et alia.

O nosso Programa deve contemplar a retomada das empresas estatais estratégicas, como a Petrobras e a Eletrobras, assim como a retomada da malha ferroviária, dos portos, dos estaleiros e demais itens de nossa infraestrutura essenciais ao desenvolvimento nacional.

As nossas fantásticas reservas de petróleo na camada pré-sal devem ser estatizadas; as terras raras, o nióbio, as reservas de metais preciosos e de minerais de nosso solo e subsolo devem ser nacionalizadas.

O nosso Programa deve propor o endurecimento das punições para o contrabando, a exploração ilegal e o comércio desses minerais.

Replicando a bem-sucedida política chinesa de ensino de ciência e tecnologia, o nosso Programa deve propor a criação de uma esfera estatal que se responsabilize por essa área, cuidando da expansão dos institutos, fixando metas a serem cumpridas, fiscalizando o cumprimento dessas metas, disponibilizando recursos humanos e equipamentos adequados à formação dos alunos. A esfera estatal responsável pelo ensino de ciência e tecnologia, tal qual os chineses fizeram, deve planejar, com base em nossa realidade e demanda, que áreas produtivas priorizar e a quantidade de alunos a serem formados anualmente.

Não vamos nos iludir com as lorotas liberais: cabe ao Estado a responsabilidade pelo incentivo às inovações, às pesquisas científicas e tecnológicas voltadas às atividades produtivas, em especial à indústria, para torná-la mundialmente competitiva.

Companheiras e companheiros, são algumas ideias à elaboração de nosso Programa para o Brasil. Evidentemente, os nossos conservadores, os liberais, a nossa mídia corporativa, os rapazes e as moças da GloboNews ficariam horrorizados no confronto com esses ideais. Não só eles. Certa esquerda que entortou a boca e o cérebro fumando o cachimbo neoliberal também ficaria arrepiada.

Mas não é para eles que vamos fazer um programa. É para os brasileiros. Um Programa com a cara dos brasileiros, diria Darcy Ribeiro. Já, para o mercado, recomendo novamente uma solene banana.

Vamos ao debate, vamos terçar ideias, vamos concordar ou discordar das propostas, mas vamos em frente, vamos à construção do Programa do PDT para o povo brasileiro.”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.