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Raimundo Bonfim

Coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP)

54 artigos

blog

Resistimos em 2021. Em 2022, retomemos as conquistas!

Construir a base político-social de sustentação de um projeto democrático popular para o país é o nosso maior desafio

(Foto: Reprodução)
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Encerramos 2021 com muitos desafios que pretendo elencar neste artigo de balanço e perspectivas. É difícil sintetizar um diagnóstico em poucas palavras acerca de uma realidade multifacetada, com tantas variáveis relacionadas às dinâmicas política, econômica e social do país. Por um lado, avançamos na luta popular, com a Campanha Nacional Fora Bolsonaro e a realização de grandes manifestações por todo o Brasil; o recuo, ao menos momentâneo, do projeto de ditadura fascista de Jair Bolsonaro; e a recuperação, por Lula, de seus direitos políticos, desmontando a farsa que o retirou da disputa eleitoral de 2018. Em apenas alguns meses, Lula já alcançou projeções de vitória no primeiro turno nas pesquisas sobre o pleito de 2022. Por outro lado, a destruição bolsonarista avança, com aumento da fome, do desemprego, do custo de vida, uma piora de todos os indicadores econômicos, que já apontam nova recessão e tornam ainda mais complexos e profundos os problemas enfrentados pelo povo brasileiro no cotidiano.

Inicio então pela dinâmica econômico-social. Como prevíamos, Bolsonaro chega ao final de seu terceiro ano de governo produzindo uma realidade de morte. É um verdadeiro projeto de morte, que nos atinge em todas as esferas. Na saúde, insiste com o negacionismo que tornou a pandemia um fenômeno ainda mais desastroso. No mês de junho, quando atingíamos mais de 518 mil mortes por Covid-19, descobrimos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que 53 e-mails da farmacêutica Pfizer sobre a negociação de vacinas contra a doença ficaram sem resposta do governo Bolsonaro em 2020. A empresa queria fazer do Brasil uma vitrine de vacinação para o mundo, mas a política de morte prevaleceu. Os efeitos concretos da vacinação na diminuição do número de casos e mortes pela doença mostram a pior face do bolsonarismo: temos um governo genocida, que atenta diariamente contra a vida de sua população.

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Pior: não foi suficiente o relatório final da CPI da Covid ter pedido o indiciamento de Bolsonaro por crime contra a humanidade na condução da pandemia. A postura segue exatamente a mesma, com recorrentes discursos negacionistas que promovem a desinformação acerca da vacina e continua a levar à morte pessoas que deveriam já estar imunizadas.

Infelizmente esse cenário se reproduz em todas as áreas, sobretudo a econômica. Em 2021, Bolsonaro deu sequência à agenda golpista que, desde 2016, tem retirado direitos das classes trabalhadoras, em favor dos interesses empresariais e financistas. É essa plataforma neoliberal ortodoxa que sustenta o governo. Os grandes meios de comunicação, a base parlamentar (o chamado Centrão), os industriais, o agronegócio, os banqueiros, os grandes varejistas e a verdadeira lumpenburgesia brasileira que nada produz e vive às custas de benefícios governamentais estão unificados em torno do antidesenvolvimentismo de Bolsonaro. E os resultados são catastróficos. Com a retirada de direitos nas contrarreformas trabalhista, previdenciária e o teto dos gastos, as classes dominantes do Brasil e transnacionais embolsam muito mais da nossa riqueza, e o país anda para trás. O povo não aguenta mais ver aumentar a quantidade de bilionários, em plena pandemia, enquanto passa fome.

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Os dados são alarmantes. Depois de cinco anos de neoliberalismo ortodoxo, da agenda Joaquim Levy, Henrique Meireles e Paulo Guedes, o Brasil afunda na recessão, com fome, desemprego e inflação galopante. E o debate econômico segue interditado. Ligamos a TV ou o rádio e não ouvimos uma voz dissonante sequer. É um verdadeiro totalitarismo neoliberal que impede qualquer dissidência, qualquer debate ou construção de alternativa.

De acordo com dados do IBGE, o desemprego seguiu durante o ano todo em torno da faixa de 14%, atingindo mais de 14 milhões de pessoas. Além disso, o nível de ocupação está abaixo de 50%, ou seja, menos da metade da população brasileira em idade para trabalhar está ocupada. E pior: o trabalho por conta própria atingiu no segundo trimestre o número recorde de 24,8 milhões de pessoas, 28,3% de toda a população ocupada.

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Isso se reflete diretamente na realidade social. Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan) mostram que cerca de 20 milhões de brasileiros passam períodos de 24 horas sem ter o que comer, o que caracteriza a fome. E cerca de metade da população, 116,8 milhões de pessoas, está em situação considerada de insegurança alimentar, ou seja, não tem acesso pleno e permanente a alimentos. Em apenas dois anos, a fome praticamente dobrou. Indignados, assistimos pessoas revirando lixo em busca de sobra de alimentos, nas filas de açougue à procura de ossos, e no sertão do Nordeste, disputando carniça com urubus.

Estamos falando de fome naquele que é considerado, pela Organização Mundial do Comércio, o segundo maior exportador de alimentos do mundo. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta que o Brasil produziu, em 2020, cerca de 239 milhões de toneladas de grãos, das quais 123 milhões de toneladas foram exportadas. O Brasil é o 4º maior produtor de grãos de soja, milho, arroz, trigo e cevada do mundo, cerca de 7,8% da safra mundial. E sua população passa fome.

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Além do modelo do agronegócio brasileiro - que é parte de uma cadeia transnacional de valor e, portanto, está orientado para o acúmulo de capital e não para a produção de alimentos para a população do país -, a alta da inflação também contribui para essa realidade. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada de alimentos atingiu 11,71%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O índice como um todo também está em alta: 0,95% em novembro e 10,74% em 12 meses. É a maior inflação acumulada em 12 meses desde novembro de 2003.

Isso está também associado ao aumento constante dos preços do petróleo e do gás. Desde o golpe, os governos que se sucederam promovem uma política de preços que atenta contra a vida do povo brasileiro. Essa é mais uma face da política de morte da qual Bolsonaro faz parte. Logo após a saída da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), Pedro Parente assumiu a condução da Petrobras e implantou a nova política de preços na companhia. A partir de 14 de outubro de 2016, as refinarias passaram a definir os valores pelo preço de paridade de importação (PPI), ou seja, com base no valor internacional do petróleo, não na capacidade de produção da Petrobras.

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A nova política gerou aumentos de mais de 50% dos preços de diesel, gasolina e gás de cozinha (GLP) desde então, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O objetivo, atingido, era aumentar a remuneração dos acionistas da empresa, que comercializa papéis em Nova York e prefere prestar contas ao mercado financeiro, não ao povo brasileiro. Ao mesmo tempo em que pagamos preços recordes nesses produtos, a Petrobras distribui dividendos também recordes: cerca de R$ 40,1 bilhões entre os acionistas em 2021. Todo esse contexto leva ao aumento do custo de vida. A carestia tem piorado as condições de vida da população brasileira, especialmente das camadas mais pobres.

Relatório divulgado neste ano pelo banco Credit Suisse mostra ainda que a desigualdade social só está aumentando. Em 2020, quase a metade da riqueza esteve concentrada nas mãos da faixa 1% mais rica. É o pior nível de concentração de renda no Brasil desde pelo menos 2000, quando o 1% mais rico era dono de 44,2% das riquezas. Em 2010, último ano do governo Lula, o número havia caído para 40,5%, a menor proporção registrada. Nos últimos anos, não para de subir.

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Dados do desmonte promovido pelo projeto de morte bolsonarista não faltam, e poderíamos também abordar os crimes ambientais, o aumento da violência, o desmonte das políticas de educação e de moradia, dentre outros.

No entanto, dedico esta segunda parte do texto para outra dimensão igualmente importante, para apontar os desafios para 2022: em meio a tanto retrocesso, resistimos, sobrevivemos, e estamos em condições de pôr um fim nesse governo e retomar um caminho de conquistas democrático-populares.

No início de 2021, no âmbito da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, nós da Central de Movimentos Populares (CMP) nos envolvemos ativamente na proposta de pensar em como enfrentar nas ruas o bolsonarismo. Em contexto de pandemia, debatemos de que maneira alternativa poderíamos protestar. Entre janeiro e março, fizemos carreatas e ações simbólicas que culminaram na realização de um ato descentralizado em 7 de abril – Dia Mundial de Saúde – para denunciar a falta de vacinas e de políticas de combate à pandemia. Nesse dia, conseguimos fazer 123 ações simbólicas, em todo o país.

Na sequência, no primeiro de maio, combinamos ações pelas redes sociais com uma primeira tentativa de realizar atos de rua. Defendemos que não havia mais condições para ficar em casa nessa situação de desemprego, fome, miséria, falta de auxílio governamental e violência, com o Bolsonaro aumentando o tom nos ataques à democracia. Disso surgiu a proposta de fazermos um grande ato, em 29 de maio, que resultou em uma nova fase da luta por vacina no braço, comida no prato e fora, Bolsonaro. Tivemos atos em 214 cidades no Brasil, além de mais de 20 no exterior, que recolocaram as classes populares e trabalhadoras nas ruas.

Demonstramos ainda mais força nos atos seguintes, como em 3 de julho e em 24 de julho, dia em que milhares de brasileiros saíram às ruas em 488 manifestações em todo o país para protestar contra o governo de Jair Bolsonaro, sua política econômica e a ausência de medidas efetivas de combate à pandemia. Dando continuidade às mobilizações, promovemos ainda o 2 de outubro. Além disso, em 7 de setembro, não cedemos às ameaças de violência por parte dos bolsonaristas. Com coragem, fomos às ruas nos contrapor à tentativa de golpe fascista. A resistência continuou no 20 de novembro com o “Fora Bolsonaro Racista” e no 4 de dezembro, data em que as mulheres saíram às ruas com o mote: Bolsonaro nunca mais. Cresce no País a resistência ao fascismo e ao neoliberalismo.

A realização dos atos e o papel da Campanha Nacional Fora Bolsonaro mostraram a importância dos movimentos populares hoje no Brasil. Com a precarização do trabalho, as organizações de base territorial têm ganhado importância na luta das classes trabalhadoras.

Precisamos avançar nessa organização, para que não somente superemos o Bolsonaro, mas de fato consigamos democratizar as relações sociais, econômicas e políticas. Precisamos de um trabalho de base permanente, com educação popular e que extrapole o calendário eleitoral. Muitos dos nossos territórios estão dominados por outros valores, que não os democráticos e de defesa da vida. Pelo contrário, estão dominados pelo conservadorismo, pelo racismo, o racismo, e a LGBTIfobia. Esse é o grande desafio: como retomar um trabalho de base nas periferias discutindo com o povo um projeto de país democrático e popular.

Já está mais do que demonstrado que somente a via eleitoral, apesar de importante, não resolve nossos problemas. Lutamos pela realização de eleições em 2022, contra o golpe e, mais do que isso, por Lula lá novamente. Mas não basta ganharmos eleição, temos de alterar a correlação de forças para fazer as mudanças estruturais no país. As políticas de emergência são fundamentais para sobrevivermos ao desmonte, mas é preciso ir além: mudar a estrutura de poder, dividir a riqueza que, apesar de produzida por nós, está concentrada nas mãos de tão poucas pessoas.

A eleição de Lula, certamente, será parte desse processo. Em 2021, o maior presidente da história do país retomou seus direitos políticos, que lhe foram usurpados por uma aliança que congrega bolsonarismo, lava-jatismo, meios de comunicação e empresários unidos para derrotar o povo brasileiro em nome dos interesses do capital. Em 2022, daremos a resposta nas urnas em um grande movimento que deve combinar mobilização nas ruas com uma disputa eleitoral que alterem as correlações de forças sociais e institucional. Mas nossa tarefa não termina aqui.

Para fazer reforma urbana, reforma agrária, reverter as privatizações, derrubar o teto para investimentos públicos, garantir direitos trabalhistas, com redução da jornada de trabalho e política de pleno emprego e taxar as grandes fortunas, em suma, para garantir o conjunto de reformas democrático-populares que estabeleça um novo patamar civilizatório no Brasil, temos de ir além. Precisamos organizar a classe trabalhadora, que hoje é muito complexa, muito diversa e está atomizada por uma complexidade heterogênea de espaços e redes. Esse desafio está colocado para os movimentos populares. Com este propósito, a CMP, que iniciou o ano participando das carretas, encerra promovendo na periferia de São Paulo várias marchas por emprego, contra a carestia e a fome.

Na CMP, temos nos debruçado na discussão e compreensão desse atual estágio da luta, como ele se expressa nos territórios em que atuamos e como podemos melhor incidir na conjuntura política por uma transformação profunda da realidade, numa perspectiva socialista. Sabemos que, para derrotar o capitalismo, não basta apenas mobilização e eleição. Construir a base político-social de sustentação de um projeto democrático popular para o país é o nosso maior desafio, afinal de contas, precisamos mudar de governo e de modelo econômico. E para tanto é imperioso retomar a disputa de hegemonia, com organização, formação e lutas de massas para alterar a correção de forças em favor do trabalho ante o capital. Que possamos dar passos nesse sentido e construir um feliz 2022.

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