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Ramon Brandão

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

23 artigos

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Resistir em nome do mundo

Numa mesma semana, a morte de uma das maiores personalidades do século XX, Fidel Castro, a iminente aprovação da PEC 55 e, agora, o acidente que, de uma só vez, é o maior da história do esporte e do jornalismo brasileiro. Como não se impactar brutalmente?

Acidente com avião da Chapecoense (Foto: Ramon Brandão)
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Pessoas morrem todos os dias. A todo momento. Muitas delas. Algumas queridas, outras nem tanto. A morte, se assim for pensada, possui uma dimensão trágica. Por vezes é explicada através do viés religioso. Em outros casos, porém, é justificada pela razão do acaso. No entanto, independentemente do significado que tenha, é sempre trágica, sempre forte, sempre impactante. Todos nós, ou quase, sentimos alguma dor na sensação de perda causada pela morte – mesmo que não seja uma perda próxima. Vejamos a comoção causada pelo trágico acidente com a equipe de futebol da Chapecoense. Não somos de Chapecó, não torcemos pelo time e não conhecemos absolutamente nenhum dos seus jogadores. Ainda assim, sofremos essa perda. Sofremos, é bem verdade, pela dor alheia. Dor daqueles que poderiam, efetivamente, ser nós.

Numa mesma semana, a morte de uma das maiores personalidades do século XX, Fidel Castro, a iminente aprovação da PEC 55 e, agora, o acidente que, de uma só vez, é o maior da história do esporte e do jornalismo brasileiro. Como não se impactar brutalmente? A sensação de perda se mistura à raiva que, por sua vez, se mistura à inquietação pela indigesta sensação de impotência.

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Todo esse balaio de sensações é ainda mais profundo quando nos recordamos de um passado recente. A brutalidade em Orlando contra a comunidade homossexual. A brutalidade de dois acontecimentos que me tiraram o sono e a fome por semanas: de um lado, uma criança amanhece morta na areia. Refugiada da Síria. De outro lado, uma criança completamente ensanguentada sentada no banco de uma ambulância, impactada a ponto se sequer conseguir chorar. Sua casa na cidade de Aleppo, na Síria, havia acabado de ser bombardeada. A morte é cotidiana ali. Morrem os que ficam. Morrem os que fogem.

Muros serão levantados. Palavras de ordem esbravejam pela expulsão dos milhares de refugiados que não estão em busca de vidas melhores, mas de sobrevivência. Desejam apenas sobreviver. Mesmo assim, muitos milhões anseiam pelas deportações em massa. Não querem compartilhar do sofrimento alheio. Simplesmente não querem. É infinitamente mais fácil deportar os inconvenientes e depois se comover – de longe – com as atrocidades cometidas em território alheio, afinal, "that's not my business", eles dizem.

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A verdade é que não nos importamos com a morte das pessoas. Elas, as pessoas, "não são da minha conta". Nos importamos, mesmo, é com a morte em si mesma. É a própria morte que nos aterroriza, e não uma pessoa que morre. É a morte, essa entidade que, cedo ou tarde, nos arrebatará com um sopro.

No entanto, há aqueles – uma minoria numerosa – que, como eu, sofrem com as mazelas do mundo. Que adoecem seus corpos com as injustiças e com as violências cometidas contra aqueles que, sim, poderiam ser eu. Somos pessoas que, anonimamente, trocaríamos nossa própria vida – sem hesitar – por um mundo mais harmonioso.

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Como não se impactar, lhes pergunto? Como não sentir profundamente essa dor que, alheia, é também minha?

Nietzsche, grande filósofo, um dos maiores, foi categórico: a felicidade pertence ao ignorante. Eu, porém, somaria ao ignorante o inocente.

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A melancolia, para nós, sofredores, é quase permanente e a única certeza é a de que habitamos o campo de um inimigo que não cessa de vencer. A política, o tempo e o acaso são três dos mais implacáveis inimigos. Vivemos num lugar onde o inimigo é quase sempre o vencedor, mas isso não deve significar – e não significa – a nossa derrota definitiva. Afinal é preciso, mais do que nunca, resistir. São os resistentes que sobrevivem em nome e para o mundo. São os revoltados, os transgressores, são os indivíduos que não se adequam à norma. Eles são essa minoria numerosa que está por toda parte. Eles ocupam diferentes espaços. E são eles que fazem o mundo, efetivamente, girar. Para os conhecer, basta se voltar à história. São os inconformados e, por isso mesmo, revolucionários. São os insurgentes, os anarquistas. São os promotores do motim, do alvoroço e da desordem. O sofrimento os faz transbordar o mundo. São eles tão sensíveis quanto os artistas ou os filósofos – quando não são eles os artistas e os filósofos. Sem isso, sem essa inquietação permanente, eles não sobrevivem. Assim, são eles sobreviventes, tal como os refugiados. A morte está sempre em seu horizonte e a escuridão é uma velha amiga. É preciso resistir – pela ação, pela palavra, pelo pensamento, pela arte. É preciso resistir para podermos sobreviver. É preciso, como diria Nietzsche, já nascer póstumo.

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