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Carlos Henrique Abrão

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

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Responsabilidade Civil e Mercado de Ações

Tema instigante e que ainda não desperta muito o interesse da doutrina sendo embrionário na jurisprudência nacional

Operadores trabalham no pregão da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), na cidade de Nova York, EUA, em 12 de maio de 2022. (Foto: REUTERS/Brendan McDermid)

Tema instigante e que ainda não desperta muito o interesse da doutrina, sendo embrionário na jurisprudência nacional. Diz respeito à responsabilidade civil dos operadores e agentes do mercado de capitais, porquanto é extremamente importante descortinar se o ilícito contratual pode ser alvo de indenização, compreendendo perdas e danos causados ao consumidor/cliente.

A bolsa brasileira tem seu perfil enquadrado nos agentes responsáveis em termos operacionais, de tal sorte que as corretoras de valores mobiliários são catalisadoras das negociações no mercado primário e secundário, com a possibilidade de delegar ou terceirizar para assessores autônomos.

O ponto nodal da matéria se refere ao tipo de operação e às respectivas consequências. Cada investidor, ao ingressar no mercado de ações, preenche documentação e transmite o seu perfil: moderado, agressivo, conservador; mas não é tudo, pois que isso é exigência da própria corretora para realizar operações, inclusive um termo de risco, para que no futuro não se responsabilize por eventuais prejuízos causados.

Comumente, as operações de rotina do mercado de compra, venda ou até comodato não apresentam maiores complicações. Daí é essencial apreciarmos opções e a famigerada operação estruturada com derivativos. Um problema grave que se torna, em algumas corretoras, um predicado de aumento de ganho fácil do lucro, em detrimento do prejuízo experimentado pelo cliente.

Não é somente o fato de ter assinado o termo de risco e ser agressivo que justificam as operações levadas a efeito, muitas delas sequer aprovadas formalmente pelo cliente, donde a relação de consumo incidente exige completa informação e transparência no binômio risco e grau de perda.

Notadamente, as corretoras que operam junto ao mercado têm mecanismo de travar as perdas e até fazer “hedge”, uma espécie de seguro. Porém, de forma distinta, dizem que não haverá prejuízo sobre o capital aplicado e a rentabilidade poderá ultrapassar aquela da inflação. Mas o fator confiança deve ser traduzido em desconfiança, principalmente quando o suado dinheiro do cliente vai ter as mãos de inescrupulosas operadoras e seus assessores, os quais fazem uma verdadeira manipulação de dados sem que os órgãos reguladores — no caso, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e a própria BSM (Supervisão de Mercados) — apliquem sanções ou remunerem os investidores lesados.

Hospedados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, em tese, cabe a reparação do ilícito contratual, já que extrapolados os limites do mandato conferido, quando a corretora ou o agente terceirizado não operam mediante risco, mas sim total prejuízo do cliente e sequer informam qual foi a contraparte favorecida.

E o pior diz respeito à trava de garantia com derivativos nas estruturas para cobertura do dano. Assim, o cliente fica impedido de negociar o papel ou de transferir a custódia por um bom tempo. Não é sem razão que recentemente o MPF instaurou inquérito para melhor disciplinar o assunto em torno de operações estruturadas.

O que chega aos olhos do julgador, muitas vezes sem discernimento sobre o tema, é um contrato assinado, um termo de risco e de investidor agressivo. Mas tais requisitos, por si só, não elidem a responsabilidade da corretora, que operou na contramão do mercado e sinalizou exclusivo prejuízo muito fora da normalidade e com dolo ou ao menos culpa consciente de apostar em operações que não indicavam apenas risco, mas perda comprovada.

O quadro nebuloso exposto é apenas um vetor para que o mercado possa obter do agente regulador a necessária cautela e apuração das responsabilidades, pois, se a corretora realiza dezenas de operações em proveito próprio, poucos serão os lesados que acionarão a máquina judiciária para recompor seus respectivos prejuízos.

Remanesce claro que, agindo por omissão, imprudência e extrapolando o contrato de mandato, é obrigação da corretora indenizar o prejuízo causado ao cliente. Mas, na esfera administrativa, são raras as vezes que BSM e CVM analisam, e, quando o fazem, sempre oferecem motivos injustificados para não descer a detalhes. A liberdade de contratar do cliente não vai ao ponto de realizar operações malsucedidas e com opacidade, gerando lucro para a contraparte, no caso corretora e agente autônomo, seu próprio assessor longa manus, que capta o cliente e celebra operações totalmente descabidas e causa notório prejuízo.

A jurisprudência, tímida e ainda não inteirada sobre os fatos, prefere apenas se balizar pelos documentos formais, sem ingressar no mérito da matéria propriamente dita. Se opero é para manter o capital aplicado e jamais experimentar perdas vultosas ou ter risco sem trava de limite. Tudo isso não é explicado ao longo do comportamento da corretora, muito menos que a garantia ficará sem chance alguma de negociação ao longo de todo o período da estruturada.

Bem, por tudo isso, é fundamental que o órgão regulador tenha noção do perigo e do risco para além da própria vontade ou ciência do investidor, e aplique as sanções necessárias ao mesmo tempo à construção de uma jurisprudência sólida com embasamento na realidade e conhecimento do microssistema do mercado de ações.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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