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Chico Cavalcante

Estrategista-chefe da Agência Vanguarda, primeira a trabalhar com enfoque diferenciado de marketing para sindicatos, movimentos sociais, partidos de esquerda e pequenas empresas

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Ressureição de Elis Regina e os dilemas éticos da publicidade na era da IA

Vivos ou mortos, pessoas precisam ser respeitadas em sua condição de pessoa, de indivíduo, e não comercializadas como imagem sem alma

Maria Rita (à esq.), Elis Regina e a marca da Volkswagen (Foto: Divulgação)
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“Emoções são os movimentos da alma, sempre acompanhados por graus variados de sofrimento ou prazer, que afetam os homens, alterando seus julgamentos”, assinalou Aristóteles em sua Retórica.

Poucas atividades se preocupam mais em provocar emoções através da retórica do que a publicidade. A emoção desempenha um papel fundamental nessa artesania, sendo um fator essencial na forma como os diferentes públicos se conectam e respondem a uma mensagem comercial.

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A emoção é justamente o que nos arrebata na primeira audiência do comercial criado para comemorar os 70 anos da Volkswagen no Brasil. A belíssima peça, primorosa do ponto de vista técnico, proporciona um reencontro entre Elis Regina, uma das maiores cantoras brasileiras, e sua filha, Maria Rita, herdeira desse talento. Ao som de “Como nossos pais”, composição de Belchior eternizada por Elis, as duas estrelas protagonizam um dueto inédito e emocionante, por meio da tecnologia. A peça, criada pela AlmapBBDO, usou avançada tecnologia de inteligência artificial (IA). Impecável como publicidade, o comercial deixa em aberto, no entanto, um dilema ético que só se apresenta quando a razão entra em cena.

A peça lembra, por vias transversais, a produção francesa Les Revenants, série na qual mortos e vivos convivem entre si, com foco no dilema dos que ressurgem, que se veem perdidos diante da inadequação àquele tempo, circunstância e lugar.

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Inadequação semelhante àquela da rebelde Elis, ressuscitada como mansa garota propaganda da Volkswagen, montadora que se aliou aos “gorilas” - como ela denominava os governantes de então – permitindo que prisões, e mesmo tortura, fossem realizadas por órgãos de repressão dentro da montadora.

O comercial pode gerar alienação ou reflexão. A técnica, endeusada como existência autônoma, distancia-se da humanidade e de seus dilemas, inclusive éticos e políticos. Para onde a IA levará a recriação de vozes e imagens de pessoas que já morreram? Quem está autorizado a fazer isso? Fãs, gravadoras, agências de publicidade? O lugar de fala desses artistas e personagens deve ser preservado? Ou o que pensavam pode ser alterado pelo interesse lavrado por herdeiros? Essa discussão está apenas no início e ela é, sobretudo, ética.

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Ao buscar os princípios que orientam as ações humanas, a ética ensina a enxergar o semelhante, a não ser indiferente a ele. O apelo que o outro nos lança é de ser tratado como pessoa e não como coisa. Garantir a segurança, a dignidade e a privacidade das pessoas no ambiente virtual, levando em consideração os valores morais e as legislações vigentes, são critérios básicos de uso da Inteligência Artificial que não devem ser violados, mesmo em nome de uma ideia criativa sedutora.

É preciso determinar, em um marco legal, os impactos de cada sistema de simulação da realidade, de modo a avaliar os riscos da ferramenta, por exemplo, afetar prioritariamente grupos vulneráveis, como crianças, idosos ou pessoas com deficiência.

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A ética que se rebela diante da Elis que ressuscita dócil e acomodada dirigindo um fusca, é a mesma que denuncia a coisificação humana. Vivos ou mortos, pessoas precisam ser respeitadas em sua condição de pessoa, de indivíduo, e não comercializadas como imagem sem alma, coisa servida ao gosto do freguês.

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