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Cristiano Addario de Abreu

Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

15 artigos

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Reunião da APEC 2023, em São Francisco: encontros e desencontros entre Joe Biden e Xi Jinping

Nada impede que alguns pontos de equilíbrio possam ser alcançados

O presidente dos EUA, Joe Biden, aperta a mão do presidente chinês, Xi Jinping, na casa Filoli, à margem da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em Woodside, Califórnia, EUA, 15 de novembro de 2023 (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)
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Neste mês de novembro de 2023, entre os dias 11 e 17, ocorre em São Francisco a cúpula do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (da sigla em inglês APEC https://www.apec2023sf.org/ ). Durante o qual ocorrerá, nesta quarta-feira, 15 de novembro, um encontro oficial entre o presidente chinês, Xi Jinping, e seu homólogo estadunidense, o anfitrião Joe Biden.

Muita expectativa tem sido levantada sobre este encontro, numa esperança de que tal reunião, face a face, entre os líderes das duas maiores potências econômicas do planeta, reverta o crescente clima de tensão no mundo, e fortaleça algumas pontes dialógicas para melhorar a governança global, tão descarrilhada nos últimos anos. 

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Será o segundo encontro presencial entre os dois presidentes, e a primeira vez, desde 2017, que o chefe de estado chinês vai aos EUA. E a esperança de gestos colaborativos sempre crescem em tais vésperas de encontros, sobretudo num mundo ferido pelo avançar das guerras, e que ainda se ressente de uma pandemia traumática. Contudo, o presente artigo já avisa não antever grandes acordos colaborativos, não tanto pelos EUA, que em seu unilateralismo temperamental, sempre pode dar um cavalo-de-pau e oferecer vantagens temporárias diversas. Mas não parece haver muito o que eles possam, ou pretendam, oferecer à China. Assim como não há muita confiança do lado chinês sobre os possíveis gestos dos EUA, e isso é o mais paralisante.

Assim mesmo, isso não impede que alguns pontos de equilíbrio possam ser alcançados, pois é muito comum os residentes da Casa Branca darem concessões amplas quando estão para sair (e este parece ser o destino de Biden), e o próximo inquilino reverterá o previamente acordado. Como foi o caso de Obama com relação à Cuba e ao Irã, cedendo acordos amplamente celebrados na hora, mas revertidos na sequência por Trump.

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Realmente, não há clima de confiança mútua, sobretudo pelo escalar das guerras, como pelos gestos dos EUA em direção à Taiwan (que está elencado entre os países presentes, no site oficial do encontro, com o discreto nome de Chinese Taipei: uma forma estratégica de o reconhecer como país, mas como chinês), como quando da visita da presidente do poder legislativo federal dos EUA, Nancy Pelosi, feita à ilha rebelde em agosto de 2022. 

Ainda com relação aos países elencados no encontro, destaca-se a presença da federação russa na página da APEC. Muitos conflitos estão se desenhando num cenário mundial de crise sistêmica, típica dos períodos de transição sistêmica entre as lideranças da governança global, quando muito conflito, muita guerra, são usadas para regularem os “mercados”. Veremos como essa crise evolui, entre encontros políticos, escaramuças e... guerras comerciais e guerras diretas. 

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Ascensão industrial chinesa, financeirização americana

Giovanni Arrighi foi o principal teórico a descrever as transições dos ciclos sistêmicos, no capitalismo histórico, como um processo de longa duração, mas com alguns padrões repetitivos. Um deles é que a força em ascensão cresce pelo avanço industrial, enquanto a potência outonal vive uma finaceirização de seu eixo econômico. Teria sido assim na virada do séc. XIX para o XX, com os EUA como potência industrial em ascensão, e a Inglaterra como potência outonal se financeirizando. E, novamente, desde os anos 1980 para cá: agora com os EUA se finaceirizando desde Regan, e a China dando seu salto industrial desde Deng Xiaoping (1978-1989). 

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A letárgica percepção das elites norte-americanas do bem-sucedido catching up industrial completo feito pela China, bem como dos riscos para o supremacismo econômico/industrial/tecnológico dos EUA, em presenciarem as bases das cadeias industriais do planeta sendo centralizado na China, demorou para ocorrer, mas já tomou contornos de questão de segurança nacional nos EUA, desde Obama, e seguiu assim com Trump e Biden.

Vale destacar aqui o momento Obama, de descoberta de um desafio chinês no horizonte, quando o então presidente saúda este desavio como um novo sputnik moment: fazendo referência ao momento no qual as elites estadunidenses se depararam com o primeiro satélite artificial lançado ao espaço pelos soviéticos (1957), e depois o primeiro cosmonauta, também lançados pelos soviéticos. Sob o governo republicano de Eisenhower (1952-1960), que reagiu ampliando massivamente bolsas e vagas nas universidades, bem como o financiamento público das pesquisas, e criando estatais científicas como a NASA. 

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Obama fez este instigante discurso sobre um sputnik moment, para os estadunidenses em janeiro de 2011( https://www.wsj.com/video/obama-this-is-our-sputnik-moment/40322C92-08B5-41E8-80A5-C83510885105), conclamando um plano de novas tecnologias, amplos investimentos educacionais e em pesquisa, com busca por matrizes energéticas “limpas”, visando uma nova Era de geração de empregos de qualidade. Mas o belo discurso ficou no papel, e os esforços públicos para tirar tal plano das planilhas, o que exigiria um verdadeiro novo New Deal, não ocorreram. Na sequência a presidência Trump voltou muito ao tema, numa reclamação preguiçosa sobre o estado lixo da infraestrutura urbana e industrial dos EUA (país que ele governava!!!), mas o presidente/empresário seguiu querendo que as forças de mercado resolvessem os problemas que ele, presidente, não achava meios públicos de encarar e resolver. Trump reclamou muito, e esperou que os mercados resolvessem o sucateamento industrial dos EUA.

Enquanto isso a China seguiu avançando, com destaque nas áreas de vanguarda tecnológica. As elites do Atlântico Norte demoraram a acreditar que os chineses não eram apenas copiadores, mas iriam inovar também. Resultado: uma reação belicosa, e regada a sanções dos EUA, que busca criar uma nova “cortina de ferro”, tecnológica/econômica. E caso se vejam perdendo a corrida tecnológica, partem para o ataque, como já estão fazendo: boicotes contra a Huawei, contra a tecnologia 5G e 6G chinesa, com proibição do gov. Biden de investimentos norte-americanos em toda a área de alta tecnologia na China, com uma operação quase militar contra os semicondutores chineses... Os EUA buscam a “contenção” da China. 

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A guerra tecnológica está em marcha. Com o risco de os EUA atirarem a China numa corrida armamentista também (assim como fizeram com a URSS no séc. XX), o que atrasará os ganhos sociais do avanço econômico e tecnológico vivido pelo país asiático. Causando assim o que declaram fazer: contendo o avanço chinês em todas as frentes, e causando atrasos na melhoria de vida da população chinesa. A armadilha da corrida armamentista espreita a China, e ameaça fazer com ela o que foi feito contra a URSS: até agora o caminho produtivista, industrialista, de um progressismo desenvolvimentista (expresso no lema win-win da política internacional chinesa) segue forte em Pequim. Mas a armadilha da concorrência militarista pode azedar a marcha para o progresso do dragão asiático. 

Um ponto a destacar também é o avanço da China em energias renováveis, com os maiores investimentos do mundo nessa direção, em busca da diminuição relativa de emissão de gás de efeito estufa. Sendo a China um produtor estratégico de vários produtos essenciais para a transição energética que tanto se anuncia (https://www.ft.com/content/6d2ed4d3-c6d3-4dbd-8566-3b0df9e9c5c6).

Assim a China segue sendo a oficina do mundo no século XXI, e o comércio EUA-China segue firme, e mesmo com tendência de crescimento (https://asiatimes.com/2023/06/why-so-much-manufacturing-still-gets-done-in-china/) . O que indica esperanças de que a força gravitacional econômica do produtivismo chinês neutralize o crescente militarismo emanado dos centros da OTAN. 

Seria muito salutar se as forças contrárias ao avanço do militarismo na agenda política dos EUA, recuperassem forças agora nos movimentos de resistência contracultural e anti guerra, como nos anos 1960. E nas tradições econômicas e políticas progressistas do próprio Estados Unidos: nas tradições industrialistas dos autores do American System, nos seus autores do Institucionalismo. E até num discurso histórico, dado como um grito de alerta contra o avanço do complexo industrial militar estadunidense sobre suas instituições, feito pelo presidente republicano Eisenhower, ex comandante em chefe dos EUA na II Guerra na frente europeia, em sua despedida da Casa Branca em 1960 (https://www.youtube.com/watch?v=mHDgsh6WPyc). 

Como já ensinava o economista norte-americano Daniel Raymond no início do séc. XIX: as forças produtivistas e industriosas confrontam as forças do militarismo e da pilhagem no mundo econômico a muito tempo: isso não é exclusivo de nenhum país na história, se manifestando ciclicamente nas forças econômicas estabelecidas a mais tempo. 

APEC/SF 2023

Com esse clima de confronto aberto entre EUA e China, os dois presidentes se encontrarão neste 15 de novembro. Veremos se alguma ponte mais sólida se estabelece, pois sempre a política pode surpreender o mundo. Mas aqui se defende que há na dinâmica deste encontro estas duas forças antagônicas, já aqui explicadas: o produtivismo e industrialismo, com apoios nos dois países, e o crescente militarismo Otantista, vinculado ao complexo industrial militar estadunidense.

Este é o quadro estrutural. Ver-se-á se a conjuntura do encontro abre algumas janelas dialógicas entre as potencias. Novamente: a Política pode surpreender. 

Resiliência, inovação e inclusão são os temas centrais no texto de apresentação da APEC 2023, num texto que apresenta a bela e cinematográfica cidade do norte da Califórnia como sede perfeita para tal encontro, pela riqueza concentrada no entorno da baia de São Francisco. Área que concentra enorme quantidade empresas das áreas de: Inteligência Artificial, biotecnologia, software, tecnologias limpas e renováveis, bem como mídias sociais. E a página oficial do encontro cita algumas empresas, como: Tesla, Uber, Salesforce, Pixar, Netflix, Lucasfilm Ltd., Levi Strauss... 

Outro argumento apresentado é a diversidade étnica da cidade, com uma população de 33% de asiáticos. Defender o encontro dos povos é sempre positivo, mas importa também defender em quais condições, e este é um tema de fundo não explicitado na pág. do encontro. Curiosamente, faz lembrar do filme Blade Runner (1982), passado em uma distópica Los Angeles do futuro em... 2019, na qual metade da cidade era chinesa, e se falava inglês, espanhol e mandarim...

Voltando ao encontro da APEC, o argumento da riqueza é forte, mas pode disfarçar atrás dos encantos da bela cidade dos bondinhos, a força da grana e da tecnologia concentradas, projetando argumentos de força. São Francisco é um belíssimo cenário, imortalizado no cinema, em grandes filmes, como A Dama de Vermelho, Fuga de Alcatraz, e o meu preferido: Os Pássaros, de Hitchcock (que começa em São Francisco, mas ocorre numa aldeia próxima). Todos esses filmes tratam com poesia problemas humanos, porém o do Hitchcock é o que contrasta a beleza incrível da baia de São Francisco, com o crescer de uma desconfiança que, quando ultrapassa um ponto, passa a funcionar de forma emocional perigosa. Os Pássaros é um filme que trata da força da desconfiança como uma peste medieval, invocando medos, superstições e polarizações. 

Esperemos que o belo cenário do encontro da APEC 2023 potencialize o diálogo político, a troca cultural e o reencontro com a escuta, em direção à confiança entre China e EUA, e não caia numa trilha hitchcockiana de desconfianças mútuas crescentes, como no filme Os Pássaros. 

Veremos...

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