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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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Revelação de reunião golpista: e agora, Maia?

Professor Roberto Bueno aponta que Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, não tem mais como evitar o impeachment de Jair Bolsonaro, agora que se sabe que ele pretendia fechar o Supremo Tribunal Federal

Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia (Foto: Marcos Corrêa/PR)
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Este artigo centra a sua atenção sobre dois temas que devem ser analisados conjuntamente, a saber, a entrevista concedida por Rodrigo Maia ao Roda Viva no último dia 03.08.2020, bastante ilustrativa dos tempos em que vivemos, e que veio acomodar-se ao segundo tema deste artigo, a publicação de reportagem de grave teor da Revista Piauí, apresentando a articulação de propósitos golpistas realizada pelas mais altas autoridades da República em data recente. 

A entrevista de Maia transcorreu como sói com os políticos do espectro da direita nacional comprometidos com o mundo financeiro, sendo tratado amistosamente pelos entrevistadores. Questionamentos contextualizados oferecendo tempo ao entrevistado e perguntas acompanhadas por respeito a velocidade de resposta, e sem interrupções que o colocassem em dificuldades para articular raciocínio, afinal, todos estavam cientes de que Maia não é Haddad nem tem o perfil de Manuela. A mídia não imprime regras para os seus jornalistas que já estão impressas na inteligência emocional dos entrevistadores. No caso da entrevista de Maia foram propostas as questões políticas centrais, mas quando inconsistentes as respostas, quando muito, foi extremamente tímida e pontual a reação por parte da bancada de entrevistadores inapetentes para insistir nas indagações. 

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Neste artigo focaremos a dupla pergunta realizada pela jornalista Basília Rodrigues sobre o sentido do voto de Maia no “impeachment” de Dilma Rousseff e a conexão daquele cenário com a sua atual resistência em deferir alguma das cinco dezenas de pedidos de impeachment em desfavor do Presidente Bolsonaro. Sobre Dilma, Maia não hesitou, foi franco, direto e taxativo: reafirmou seu voto pelo “impeachment” em face de todas as irregularidades que via naquele momento ou, em suas palavras, que “Claro que não me arrependi. Acho que a questão do impeachment da Presidente Dilma estava dado. Votei a favor com muita convicção e tenho até hoje esta convicção”. É momento em que foi tomada decisão, uma vez mais, baseada em mera “convicção”, ainda que inexistam provas ou sequer indícios, o que não é menos grave do que ao dispor de provas cabais, a opção seja pela omissão. 

Maia deixou claro que avalia que o cenário sob o Governo Dilma era extremamente mais grave em contraposição ao atual, em suma, que as pedaladas fiscais são mais graves que a contabilização de 100.000 mortes e da ameaça contínua de golpes de Estado, incluindo ameaças de explícitas de fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaças físicas aos seus magistrados, por não falar na deterioração completa da economia e do ocaso da soberania nacional encarnada na conduta e declarações públicas da Presidência da República e do Ministério das Relações Exteriores. 

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Quando indagado sobre a abertura de processo de impeachment em desfavor do atual ocupante da Presidência, Maia não foi menos claro ao dizer que não observa qualquer irregularidade ou, em seus termos enfáticos: “Eu não tenho os elementos para tomar uma decisão agora sobre este assunto. Eu acho que impeachment é uma coisa que a gente tem que tomar muito cuidado e não pode ser instrumento para solução de crises, você tem que ter um embasamento legal para esta decisão, e eu não encontro ainda nenhum embasamento legal para tomar uma decisão sobre esta [sic!], e não é esta a marca que eu quero deixar na minha carreira política, estas questões de impeachment elas marcam muito, marcam muito a relação entre as pessoas, marcam muito a história do Brasil, então, eu prefiro passar por isto sem uma decisão destas, não que em algum momento se algum crime aparecer que a gente não tenha que tomar a decisão, mas não é uma coisa que eu faria a gosto de fazer, deferir o impeachment contra qualquer Presidente”. Portanto, para Maia, nada, nenhuma irregularidade, nenhum crime, nada. Maia não viu nem vê objetivamente nada, nenhum problema, prova ou indício algum, que justifique acatar qualquer dos 50 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados, nem sequer sob o argumento do “conjunto da obra” que encontra indefectível amparo no tétrico resultado de sua política sanitária que implica em 100.000 mortos até o momento, turbinados com propaganda de cloroquina, invasões de hospitais e anticientificismos. Afinal, se 100.000 cadáveres não pesam para Maia tomar a decisão de deferir o pedido de impeachment, então, o que justificaria? 

Apenas um par de dias após a entrevista de Rodrigo Maia ao Roda Viva em que negava peremptoriamente a possibilidade de acatar qualquer dos pedidos de impeachment contra o Presidente da República, eis que, dando sequência à sucessão de sobressaltos, a sociedade brasileira é apresentada à detalhada matéria da jornalista Mônica Gugliano intitulada “Vou intervir!” O título da matéria é tomado por empréstimo da afirmação peremptória do propósito do Presidente da República relativamente ao STF em reunião com altos cargos de sua administração realizada no dia 22.05.2020. 

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O motivo mobilizador da profunda ira presidencial foi a indignação com o encaminhamento ordinário realizado pelo Ministro Celso Mello, do STF, para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para que esta se manifestasse sobre a possibilidade da entrega do telefone celular da Presidência e de seu filho Carlos Bolsonaro para a realização de investigações em face de denúncia apresentada por partidos políticos. Para o Presidente da República tal decisão judicial era “inaceitável”, e prometeu publicamente não cumprir sob hipótese alguma, desprezando totalmente o princípio da separação e independência dos poderes que submete todos às decisões judiciais. 

Gugliano reconstituiu o teor desta reunião a partir de quatro fontes próximas à Presidência (duas testemunharam a reunião) com três dos militares componentes do alto escalão do Governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Nela, à partida, o Presidente Bolsonaro teria afirmado em altíssimo som, entremeado a palavrões, o “Vou intervir!”, referindo-se ao STF. Logo a seguir, no curso da reunião estruturante do golpe de Estado participaram o Ministro da Justiça André Mendonça e o titular da Advocacia-Geral da União, José Levi, aos quais a reportagem não atribui papel de denúncia da atividade flagrantemente inconstitucional, ferindo, em tese, o disposto no art. 85, II, C.F./88, que prevê como crime de responsabilidade do Presidente da República atos seus atentatórios ao livre exercício dos poderes da República, no caso específico representado pelo propósito de substituir os Ministros do STF sem qualquer amparo legal.

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A matéria de Gugliano desce a detalhes da reunião e informa o plano de intervenção no STF, já colocado em curso na reunião após a afirmação pelo Presidente, à partida, de sua decisão de implementar a intervenção. O Presidente foi demovido da ideia de afastamento dos Ministros do STF e consequente ruptura constitucional sob dois argumentos: (a) que inexistia ordem para apreensão de seu celular, mas tão somente consulta à PGR; (b) acordo com o General Heleno de que eventual apreensão do celular da Presidência seria compreendido como forma de atentado contra a autoridade e, portanto, inaceitável, e assim firmou e trouxe à público nota afirmando “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” em caso de apreensão do celular da Presidência. Sob estas condições Bolsonaro retrocedeu. 

O passo atrás do Presidente deixa sem resposta, por exemplo, qual seja o gravíssimo teor das conversas que o telefone celular da Presidência abriga a ponto de estimular o seu titular a perpetrar um golpe de Estado para não o entregar? Acaso contém conversas de teor tão comprometedor? E o que dizer da resistencia a apreensao do telefone de Carlos Bolsonaro, que em sua condição de vereador carioca não tem vinculação formal com a Presidência? Quando não possamos afirmar o conteúdo destas conversas, objetivamente é perceptível o esforço por obstaculizar as investigações ao máximo. 

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Segundo a reportagem a decisão tomada na reunião de 22.05.2020 foi de abortar o “Vou intervir!”, devida a iniciativa de um dos presentes, o General Heleno. Mas se o propósito golpista foi arrefecido naquele momento por apenas um dos presentes sob o argumento de que não era o momento adequado para tal opção, isto significa que o Brasil está sendo conduzido por autoridades que encontram no recurso ao golpe de Estado uma alternativa política factível, possível e, portanto, não afasta do horizonte do país as sombras dos regimes de força que destituem a soberania de sua residência popular. 

A alma autoritária arrefecida no dia 22.05.2020 que ansia por realizar-se foi novamente expressa pelo Presidente no dia 12.06.2020, quando publicamente afirmou que as Forças Armadas ocupam posição de superioridade ao poder civil, por suposto, em flagrante desrespeito ao princípio constitucional da soberania popular, posto que o poder emana do povo e em seu nome deve sempre ser exercido, não cabendo às Forças Armadas nada mais do que submeter-se aos desígnios do poder civil. A conjunção de eventos dos dias 22.05.2020 e 12.06.2020 é bastante ilustrativo de que a indecisão quanto a subversão da ordem constitucional sugere ser apenas questão de tempo. A gravidade dos fatos indica que o Brasil não foi afastado do risco de subversão da ordem constitucional, senão que o futuro está povoado pela possibilidade de golpe de Estado, contra o qual a única solução é o definitivo encaminhamento dos processos em curso em seu desfavor conforme os termos do devido processo legal.

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A perpetração da violência decidida pelo Presidente da República com a anuência de seus auxiliares diretos seria acompanhada de iniciativa para revestir de legalidade a intervenção que feriria de morte a Constituição, estratégia comum às ditaduras latino-americanas que foi repetida em 1964 após a perpetração do golpe de Estado civil-militar brasileiro. O afastamento à força dos Ministros do STF deveria vir acompanhado de algum véu de ocultamento jurídico. Para tanto estava a postos a tortuosa interpretação terraplanista constitucional de Ives Gandra da Silva Martins sobre o art. 142, C.F./88 de que as Forças Armadas tem a competência de agir como “poder moderador” sob o horizonte e objetivo de restabelecimento da lei e da ordem. Publicado seis dias depois da fatídica reunião golpista do dia 22.05.2020, o texto ancoraria a iniciativa abortada de subversão da ordem constitucional. 

Esta construção de Ives Gandra é contraditória com o conteúdo de qualquer previsão constitucional expressa ou sequer de interpretação constitucional acorde com o texto, que as Forças Armadas detêm competência para declarar e conduzir o Estado de exceção. Retomando o conceito de Carl Schmitt sobre o soberano, a quem assim reconhece a partir do poder de decidir sobre o Estado de exceção, descobrimos através da aplicação de lógica elementar à hermenêutica constitucional tortuosa de Martins, que a Constituição brasileira suposta atribuiria competência de soberano às Forças Armadas. Nada mais daninho, nada mais antidemocrático, nada mais falso, além de inconstitucional.

Em face destas revelações sobre os propósitos golpistas que atentam contra a ordem constitucional e os deveres da Presidência da República, emerge novamente à cena o Presidente da Câmara dos Deputados que vem seguindo de mãos dadas com os atores políticos que sustentam o regime conduzido pelas autoridades dispostas a assestar golpe de Estado contra a Constituição e o povo brasileiro em prol dos interesses econômicos da elite financeira transnacional. As ameaças contra a ordem constitucional que abriga as competências do Congresso Nacional e da Câmara dos Deputados presidida por Rodrigo Maia, impõem a tomada de providências para a sua proteção contra todos e quaisquer, autoridades ou não, que atentem contra as instituições. 

Rodrigo Maia não precisará contrariar por completo os termos de sua entrevista ao Roda Viva em que negou a ocorrência de crimes, pois agora tem a opção de fazer valer o trecho de sua entrevista em que respondendo à jornalista Basília Rodrigues, afirmava que “preferiria” passar pela Presidência da Câmara dos Deputados “sem uma decisão destas [deferir impeachment], não que em algum momento se algum crime aparecer que a gente não tenha que tomar a decisão”. Agora, devidamente informado pelos termos da reportagem calçada em fatos documentados, uma vez acionado legalmente com base nas denúncias de tentativa de articulação de golpe de Estado pela Presidência nesta citada reunião de 22.05.2020, já não terá Maia encontrado “algum crime”?  

O horizonte de golpe de Estado está desenhado com clareza em várias declarações públicas de altas autoridades do regime incluindo o período pré-eleitoral de 2018, devidamente minimizadas tantos interessados em garantir que ascendesse ao poder alguém comprometido com a agenda de liquidação das riquezas, da economia e dos direitos. Este cenário de golpe de Estado não poderá ser travado senão com o enfrentamento do Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do que revelou ser a sua “preferência” por evitar a abertura de processo de impeachment, ao que parece, nem mesmo ao preço de cem mil vidas. Quando tomará a decisão que “gostaria” de evitar?  

Rigorosamente, o Brasil já vive tempos em que tudo já está claro demais, e assim conhecemos juiz parcial, autoridades subversivas da democracia, tribunais que aplicam as leis conforme as suas preferências com dois pesos e duas medidas, tudo isto enquanto as mortes se acumulam, dia após dia, indiferentes ao empilhamento de corpos na casa das dezenas de milhares que encheriam o Maracanã, que já superam em dobro o número total de mortos dos EUA durante 17 anos de guerra cruenta no Vietnã, que deixa para trás os mortos pela bomba atômica despejada pelos mesmos EUA sobre o Japão, e enquanto isto, sob a ameaça configurada de golpe de Estado, Rodrigo Maia segue orientando os seus esforços para garantir o seu programa econômico afinado com Paulo Guedes.  

Inexistem espaços cinzentos, já não há jogos de luzes que imponham dúvidas sobre a realidade. Tudo é tão claro que a luminosidade já ofusca. Afinal, senhores(as), entre golpistas e oportunistas, enquanto são realizadas negociatas abjetas com as empresas públicas e as riquezas do povo brasileiro (petróleo à frente), enquanto mercadores de todo o tipo agem à sorrelfa em terreno pantanoso, resta inquirir quanto sangue mais precisará correr do corpo de brasileiros(as) para que o Presidente da Câmara dos Deputados tome a única decisão cabível neste momento quando já não restam dúvidas sobre o horizonte desenhado para o Brasil? Acaso estará a omissão do Sr. Maia contando com a benevolência da oração das dezenas de milhares de cadáveres para absolvê-lo juntamente com a dos titulares do poder que a cada dia contrata novas mortes?

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