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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Robert Kennedy Jr. mantém o hospital da loucura em funcionamento

Entre cloroquina, bisturis de araque e doutores de ficção, charlatães que cursaram medicina divina, gente antivacina, terraplanistas… resta rir para não sufocar

Secretário de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, Robert F. Kennedy Jr. 07/04/2025 REUTERS/Jim Urquhart (Foto: Jim Urquhart)

Se o mundo fosse sério, Robert Kennedy Jr. estaria cuidando de coelhos em um sítio bucólico do interior, organizando palestras motivacionais sobre o poder curativo do silêncio e vendendo sucos detox numa feira orgânica de bairro. Mas não: o destino o colocou no comando do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, onde ele age como se o cargo fosse palco para validar antigas obsessões conspiratórias. Desde que assumiu, Kennedy destituiu especialistas em vacinas, demitiu a diretora do CDC por resistir a suas manobras e suspendeu contratos que garantiam imunização básica para milhões. Defende a chamada “teoria do terreno” — segundo a qual o ambiente interno do corpo é mais importante que os germes — e sustenta, sem provas, a velha e já desmentida fábula de que vacinas causam autismo. Soma-se a isso sua cruzada contra o flúor na água e a defesa de “tratamentos naturais”, como óleo de fígado de bacalhau, como substituto de vacinas que erradicaram doenças. Resultado: o Departamento de Saúde virou palco de um show de pseudociência com efeitos colaterais reais.

E aqui entra o humor. Porque seguir conselhos de Robert Kennedy Jr. é quase tão arriscado quanto entregar seu fígado a um crustáceo alienígena ou pedir ao Dr. Abobrinha, do Castelo Rá-Tim-Bum, que administre um hospital. Antes de se arriscar com Kennedy, convém perguntar: será que a turma da ficção, dos charlatães televisivos e dos doutores de araque não seria, afinal, mais segura? Essa lista improvável é um aviso: rir é vacina, e comparações absurdas podem ser mais sérias do que parecem.

A Ala dos Famosos e Irônicos

Dr. House abre a fila. Sarcástico, viciado em analgésicos e mestre em humilhar pacientes, ele é a caricatura perfeita do médico-gênio com alma de tirano. O paciente que sobrevive ao tratamento de House não sai curado apenas da doença: sai também com um curso intensivo de masoquismo psicológico. E, no entanto, ainda inspira mais confiança que Kennedy Jr., porque, ao menos, resolve os casos.

Na cadeira ao lado está Dr. Jekyll, que oscila entre a doçura de um clínico humanista e a fúria sanguinária de Mr. Hyde. Consultá-lo é viver a roleta-russa do bisturi: quem sabe você encontra o doutor sorridente? Quem sabe encontra o monstro de jaleco? A metáfora cai como luva para tempos de políticas de saúde que variam ao sabor do Twitter.

Logo depois, surge o sempre risonho Dr. Hibbert, dos Simpsons. Diagnosticar câncer enquanto solta gargalhadas é seu talento sombrio. Parece piada de mau gosto, mas quantos gestores de saúde já não sorriram diante de estatísticas de mortes, tratando o drama coletivo como detalhe administrativo?

Eis que aparece Dr. Zoidberg, de Futurama. Médico crustáceo, incapaz de distinguir fígado de pulmão, mas dono de uma ingenuidade quase terna. Paradoxalmente, menos perigoso que autoridades humanas que confundem ciência com ideologia e transformam pandemia em palanque.

Completa a ala o místico Dr. Strange, cirurgião que costura dimensões paralelas. Sua medicina é mágica, mas pelo menos reconhece a diferença entre fantasia e realidade — mérito raro em tempos de negacionismo com diploma.

O Bloco Brasileiro

Do lado de cá, o espetáculo se transforma em tragicomédia tropical. Dr. Rey, o “Dr. Hollywood”, transformou cirurgia em coreografia e bisturi em espetáculo televisivo. É médico ou apresentador? Talvez ambos, mas certamente mais showman que referência.

Atrás dele, a sombra pesada de João de Deus, curandeiro convertido em criminoso, que prometia milagres e entregava abusos. Sua “medicina espiritual” virou símbolo de charlatanismo e violência. E na mesma sala, com bisturi clandestino, está Dr. Bumbum, que fez do corpo feminino seu campo de experimentação até transformar a estética em manchete policial.

No canto, a figura folclórica de Dr. Fritz, espírito de um médico alemão que incorporava médiuns no Brasil para “operar” com facas de cozinha. Chamava mais atenção pelo teatro do que pela cura, mas ainda é lembrado como mito de fé e desespero.

As Figuras Literárias e Pop

Aqui, o tom se torna mais lúdico, mas não menos irônico. Dra. Meredith Grey, de Grey’s Anatomy, atravessa crises pessoais e dramas hospitalares, mas sua resiliência virou metáfora de um sistema de saúde que sobrevive a tudo — até a si mesmo.

Dr. Seuss, que nunca exerceu a medicina, curava pela fantasia. Seus versos infantis, repletos de cores e ritmo, fazem mais pelo bem-estar das crianças do que qualquer discurso negacionista sobre vacinas.

Dr. Doolittle, com sua habilidade de conversar com animais, teria mais sucesso em dialogar com vírus e bactérias do que certos governantes tiveram em dialogar com a ciência.

Dr. Emmett Brown, o cientista excêntrico de De Volta para o Futuro, pelo menos reconhecia que suas experiências eram perigosas — ao contrário de certos gestores que jogaram milhões em tratamentos ineficazes sem jamais admitir o risco.

E, para fechar, Dr. Zaius, o orangotango autoritário de O Planeta dos Macacos, que censurava descobertas para manter seu poder político e religioso. É quase uma caricatura de governantes que, em plena pandemia, escondiam dados ou distorciam estatísticas para sustentar narrativas convenientes.

A Ala da Pandemia

É aqui que o riso dá lugar ao desconforto. Dra. Nise Yamaguchi, oncologista e imunologista, tornou-se rosto visível do chamado “gabinete paralelo”. Defensora da cloroquina, foi ouvida na CPI da Pandemia e insistiu em teses desmentidas pela ciência. Dr. Luciano Azevedo, ligado à Marinha, também participou de discussões sobre “tratamento precoce”, ajudando a dar ares de seriedade a uma farsa sanitária. Ambos mostram como títulos respeitáveis podem ser usados para dar verniz de ciência a políticas de improviso.

E o “médico honorário” da República? Jair Bolsonaro, que distribuiu cloroquina como quem oferece cafezinho. Em suas lives, apresentava a caixinha do remédio como antídoto milagroso, transformando a maior crise sanitária do país em espetáculo grotesco. Nunca estudou medicina, mas se autoproclamou consultor universal: médicos de verdade viraram figurantes diante de sua cloroquinomania.

A Ala Cômica

Aqui entram os inofensivos. Dr. Pacheco, o especialista invisível de Chaves, sempre citado, nunca visto. Dr. Abobrinha, de Castelo Rá-Tim-Bum, que prometia hospitais imaginários e nunca entregava nada. Ambos nunca curaram, mas também nunca mataram — o que, nesta lista, já é mérito.

Diagnóstico Final

Entre House, Zoidberg e Bolsonaro, ao menos os dois primeiros existiram só na ficção. Entre Strange, Meredith e Kennedy Jr., ao menos os fictícios sabiam separar magia de ciência. A Santa Casa da Insensatez é um hospital que lota não de pacientes, mas de metáforas: cada nome é um lembrete de como o ridículo pode ser mais perigoso que a doença.

Rir deles é vacina. Gargalhar é tratamento intensivo. A ironia, aqui, não cura, mas alerta: quando a medicina se rende ao palanque, a morte vira estatística e a saúde, espetáculo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.