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Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da Fundação Getúlio Vargas onde pesquisa e ensina teoria econômica e teoria política desde 1959. Foi Ministro da Fazenda (1987) e Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-98). É doutor honoris causae pela Universidade de Buenos Aires

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Rupturas do pensamento

Leia trechos do recém-lançado "Bresser-Pereira: rupturas do pensamento (uma autobiografia em entrevistas)", de João Villaverde e José Marcio Rego

Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o professor João Cláudio Pitillo, que prepara o lançamento do livro A Grande Revolução, explica como o Império Russo com um histórico de séculos deu lugar a uma república socialista soviética, criada logo após a Revolução de 1917, além de comentar a influência do movimento no Brasil e na América Latina; "Apesar de estarmos falando de uma época em que não havia internet e o telégrafo funcionava muito mal, a Revolução chegou aqui como uma onda. Não foi à toa que o Governo brasileiro, adiante, rompeu relações com a União Soviética", afirmou;    (Foto: Aquiles Lins)
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Por Luiz Carlos Bresser-Pereira 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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As primeiras teorias

Nos anos 1970, enquanto eu trabalhava duramente no Pão de Açúcar e dava minhas aulas na FGV, eu mergulhei no desenvolvimento de novas teorias. Primeiro, foi a definição do novo modelo de desenvolvimento do Brasil, que eu chamei de modelo de subdesenvolvimento industrializado. Depois foi meu aprofundamento nos estudos de Marx e a construção de duas teorias críticas do marxismo com o uso de conceitos marxistas: a teoria da emergência da tecnoburocracia e da organização como a relação de produção própria do modo estatal de produção, e a teoria da distribuição em que a taxa de lucro é constante no longo prazo e a taxa de salários, o resíduo. Nesta década eu ainda fiz a análise que muitos julgam pioneira da transição democrática brasileira, que teve como base a teoria da consolidação democrática que estava então já delineada na minha mente, mas que eu apenas formulei bem mais tarde.

No Brasil os anos 1970 são ainda os anos do milagre, e, quando ele se esgota, do Segundo Projeto Nacional de Desenvolvimento – da forte associação entre as empresas nacionais produtoras de bens de capital, as empresas estatais, e o governo militar. É a década na qual o regime militar começa a enfrentar problemas políticos, primeiro, nas eleições de 1974 e depois com o Pacote de Abril de 1977. No mundo, é a década da derrota humilhante dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam. É uma década de crise econômica nos Estados Unidos e no Reino Unido, de queda da taxa de lucro e de estagflação. É o momento no qual o keynesianismo entra em crise.

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No final dos anos 1970 ocorre a virada neoliberal. A teoria neoclássica volta a ser dominante nas universidades, enquanto o fundamentalismo de mercado nas reformas econômicas neoliberais passa a transferir todo o custo do ajuste aos assalariados, enquanto poupa a nova coalizão de classes dominante – a coalizão financeiro-rentista.

No plano das ideias, em 1969 aconteceu uma coisa importante para mim. O Antônio Barros de Castro vem a São Paulo fazer uma conferência na PUC. 54 Ele tinha voltado do Chile, para onde haviam confluído os intelectuais de esquerda com os golpes militares de 1964 no Brasil, 1967 na Argentina, e 1968 no Uruguai. O Brasil estava então vivendo o “milagre” – taxas de crescimento acima de 10 por cento. Castro havia passado um tempo lá e diz “está surgindo uma nova discussão no Chile sobre a ideia de que o Brasil tenderia à estagnação econômica”, algo que o Celso Furtado havia defendido no livro que escreveu em 1966, Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Ao invés de estagnação estava havendo crescimento e um aumento da desigualdade, que, porém, inclui a classe média. Ora, essa classe média servia de demanda para a indústria automobilista ou para os bens de luxo e, portanto, isso explicava o desenvolvimento econômico que estava ocorrendo no Brasil a partir de 1968.

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O Antônio nunca escreveu esse ensaio. Em 1970, eu escrevi o ensaio “Dividir ou Multiplicar: Distribuição de Renda e a Recuperação da Economia” no qual defendi essa ideia. O censo de 1970 ainda não estava disponível, e eu usei uma pesquisa de 1968 sobre a concentração de renda nas principais cidades brasileiras. Cito, naturalmente, a conferência do Castro. Não cito o famoso ensaio da Maria Conceição Tavares e do José Serra, “Além da estagnação”. Esse artigo, publicado em 1971, apresentava as mesmas ideias e teve grande repercussão. Meu artigo foi publicado em dezembro de 1970 na revista Visão. Esse ensaio correu pela América Latina. O Plinio de Arruda Sampaio, que estava no Chile, o leu e me falou sobre isto quando voltou para cá.

Os militares haviam implantado um novo modelo de desenvolvimento econômico no Brasil. Um modelo que provocava o aumento da desigualdade da classe média para cima – classe essa que serviu de mercado para a indústria automobilista. Depois do artigo de 1970 sobre o tema, escrevo o ensaio chamado “O novo modelo do desenvolvimento”. E durante quatro anos escrevo um livro, Estado e Subdesenvolvimento Industrializado, cuja ideia central é essa. É um livro, que foi publicado em 1977, no qual adoto um nível médio de abstração. Você pode fazer uma teoria bastante geral ou ficar em um nível médio. Neste caso a teoria se ajusta muito à própria realidade, mas não é a análise direta da própria realidade, nem chega a ser uma teoria. É um bom livro, mas teve esse defeito. Teria sido melhor se eu tivesse me limitado a fazer a análise do que estava acontecendo na economia e na sociedade brasileira.

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Minhas preocupações intelectuais nos anos 1970 eram com o novo modelo de subdesenvolvimento industrializado que o Brasil e os demais países da América Latina haviam adotado, com a nova classe gerencial ou tecnoburocrática, e com a discussão da tendência à queda da taxa de lucro de Marx. A discussão do novo modelo era a crítica dos regimes militares do ponto de vista econômico e político. Eu discutia a aliança tripartite que existia no Brasil entre burguesia, governo e multinacionais.

Ignácio Rangel

Eu conheci o Rangel nos tempos de ISEB, nos anos 1950, mas conheci mal, não era amigo dele. Fiquei amigo do Hélio Jaguaribe, do Guerreiro Ramos e do Cândido Mendes de Almeida. Eu li A Inflação Brasileira quando foi publicado em 1962 e o discuti com o Delfim e a sua equipe na FEA. Nesse livro, o Ignácio defendia a ideia da inflação de custos ou administrativa e eu adotei essa tese, sempre a relacionando com ele. Mostrou também que a inflação era um mecanismo de defesa da economia diante do problema keynesiano de insuficiência de demanda que ele chamava de capacidade ociosa.

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Depois, passaram-se os tempos e eu o tinha perdido de vista. Só vou reencontrá-lo em 1972, quando, de repente, ele aparece numa reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que naquele ano se realizou na USP. Essa não era uma daquelas imensas reuniões que se realizariam adiante, quando a SBPC ajudava a derrubar o regime militar. Mas tinha uma sessão de Economia, estava lá o Antônio Barros de Castro, e de repente aparece o Rangel. Ele havia tido um enfarte depois de todo o sofrimento que representou para ele o golpe militar de 1964. O fim do ISEB foi profundamente traumático para seus grandes intelectuais. Eles passaram a ser perseguidos pela direita e pela esquerda – essa com o argumento da teoria da dependência, com a tese que aqueles que haviam defendido uma coalizão de classes desenvolvimentista apoiada em uma burguesia nacional haviam cometido um grande erro senão uma traição. Um absurdo. Eis que na reunião da SBPC chegou o Rangel, chegou um “velhinho” (risos). Que velhinho qual nada! Ele apresentou um pequeno paper sobre os ciclos de Kondratieff e a provável crise que se desencadearia em seguida no capitalismo.

Isso era 1972, vejam bem. E o que acontece em 1973? O primeiro choque do petróleo e com ele uma grande crise econômica. A crise veio exatamente como o Rangel disse que viria. Eu fiquei encantado com isso, gostei de revê-lo. Fiquei amigo do Rangel a partir daí. Eu sempre procurei ser amigo de meus mestres brasileiros – Celso Furtado, Rangel e Jaguaribe. E os homenageei ainda em vida com um artigo bem cuidado sobre sua obra. Fui ao Rio para conversar e jantar com o Rangel algumas vezes.

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Em um desses jantares disse que seu livro precisava uma nova edição. E dei a ideia ao Caio Graco Prado, que era o editor da Brasiliense, que a aceitou com prazer. A nova edição saiu em 1978. O prefácio que fiz para a nova edição não tinha maior interesse; em compensação, o posfácio escrito com Rangel foi ótimo. Ele estava com a ideia de financiar as grandes obras de infraestrutura que o Brasil precisava com os recebíveis das empresas estatais. Foi uma grande solução.

Centro-esquerda

Eu sempre me defini como uma pessoa de centro-esquerda, sempre fui um progressista: de um lado, um socialdemocrata preocupado com a justiça social, de outro, um republicano comprometido com o bem comum; assim, fui sempre um crítico do liberalismo individualista que não compreende que a liberdade só é possível se houver na sociedade cidadãos republicanos que estão dispostos a sacrificar seus interesses particulares em nome do interesse público.

Com 12, 13, 14 anos eu discutia no Colégio São Luís com o Manoel Goncalves Ferreira Filho: eu lia o Diário de S. Paulo e ele, o Estadão – o jornal conservador de São Paulo. E nós discordávamos porque o Diário era mais progressista – pouca coisa mais progressista; era um jornal do Assis Chateaubriand. Depois eu entrei na Ação Católica, que então reunia católicos progressistas. Em seguida descobri o ISEB e virei desenvolvimentista de centro-esquerda. Nunca fui de esquerda radical; houve um momento, no final dos anos 1970, que eu pensei: “será que a revolução socialista resolve o problema?”, mas nunca acreditei. Eu via o que acontecia na União Soviética – como a tecnoburocracia havia assumido o comando e transformado o socialismo em estatismo.

Marxismo

Eu nunca entrei de cabeça no marxismo, mas o marxismo foi sempre uma referência básica para mim. Naquele momento eu estava então interessado em dois temas, ambos envolvendo uma crítica a Marx, mas uma crítica que eu considero interna, porque eu usei seus conceitos e seu método histórico-dialético. Um tema era sociológico, o tema da terceira classe social ou da tecnoburocracia, o outro, econômico, a questão da tendência à queda da taxa de lucro.

Nos anos 1970 eu defendi a tese que estava emergindo no capitalismo uma terceira classe – a classe tecnoburocrática ou gerencial. Uma classe não prevista por Marx, mas cujo aparecimento era coerente com o materialismo histórico. Uma terceira classe que implicava um distúrbio para a teoria política. Não se podia mais entender o capitalismo como simplesmente uma luta entre a burguesia e o proletariado. Era impossível entender a sociedade moderna e o capitalismo sem entender que o capitalismo agora era um capitalismo tecnoburocrático ou gerencial no qual uma classe média gerencia surgira entre os trabalhadores e os capitalistas.

Referência

João Villaverde e José Márcio Rego. Bresser-Pereira: rupturas do pensamento (uma autobiografia em entrevistas). São Paulo, editora 34, 2021, 400 págs.

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