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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Rússia e Coreia do Norte montam 'golpe estratégico' contra a hegemonia ocidental

Levará anos até que seja desembalado todo o silo de informações trazidas pelo Fórum Econômico Oriental de Vladivostok ocorrido na semana passada

Kim Jong Un e Vladimir Putin se reúnem na Rússia (Foto: KCNA via REUTERS)
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Os principais temas refletem os quatro grandes vetores do Novo Grande Jogo sendo jogado por todo o Sul Global: energia e recursos energéticos, manufaturas e trabalho, mercado e regras de comércio e logística. Mas eles vão muito além - explorando as nuances sutis da atual guerra civilizacional. Vladivostok, portanto, apresentou...

- Um debate sério sobre o surto de anticolonialismo apresentado, por exemplo, pela delegação de Mianmar. Em termos geoestratégicos, Burma/Mianmar, como portal privilegiado para o Leste Asiático e o Oceano Índico, sempre foi objeto de jogos de Dividir para Dominar nos quais o Império Britânico só se importava com a extração de recursos naturais. É disso que trata o "colonialismo científico". - Um debate sério sobre o conceito de estado-civilização, já desenvolvido por teóricos chineses e russos, aplicado à China, Rússia, Índia e Irã. - A interconexão dos corredores de transportes/conectividade. O que inclui o aperfeiçoamento da Transiberiana em um futuro próximo; um impulso à Trans-Baikal – a ferrovia mais movimentada de todo o mundo que liga os Urais ao Extremo Oriente; um ímpeto renovado à Rota Marítima do Norte (no mês passado, dois petroleiros russos, saindo de Murmansk, cruzaram o Ártico em direção à China pela primeira vez, em um percurso dez dias mais curto que a Rota do Canal de Suez; e a chegada do Canal Chenai-Vladivostok, que será conectado ao Corredor Internacional de Transporte Norte Sul (CITNS). - O sistema de pagamentos comum à Eurásia, discutido em detalhes em um dos principais painéis: A Grande Eurásia: Motores para a Formação de um Sistema Monetário e Financeiro Internacional Alternativo. O imenso desafio de montar uma nova moeda de liquidação e pagamentos que se contraponha às "moedas tóxicas" instrumentalizadas em meio à implacável Guerra Híbrida. Em um outro painel, a possibilidade de uma oportuna cúpula conjunta BRICS-UEEA no próximo verão foi mencionada.

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Todos a bordo do Trem Kim - A gênese da viagem de trem de Kim Jong Um ao Extremo Oriente Russo – coincidindo, nada menos que com o Fórum – é um golpe estratégico de mestre que vinha sendo planejado desde 2014, à época de Maidan.

Xi Jinping ainda estava no início de seu primeiro mandato e havia anunciado a Nova Rota da Seda há exatos dez anos, primeiro em Astana e em seguida em Jacarta. A RDPC não era para ser integrada nesse vasto projeto pan-eurasiano, que logo se tornaria o grande conceito da política externa da China.

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A RDPC, então, estava à toda contra o Hegêmona de Obama, e Pequim não era mais que um espectador preocupado. Moscou, é claro, focava sempre a paz na Península Coreana, especialmente porque suas prioridades geopolíticas em 2014 eram o Donbass e Síria-Irã. A última coisa que Moscou queria era uma guerra no Pacífico Asiático.

A estratégia de Putin foi enviar o Ministro da Defesa Shoigu a Pequim e Islamabad para acalmar as coisas. O Paquistão, àquela época estava ajudando Pyongyang a tornar utilizável seu arsenal nuclear. Ao mesmo tempo, Putin, pessoalmente, se aproximou de Kim, oferecendo a ele sérias garantias: nós o defenderemos caso venha um dia a acontecer um ataque do Hegêmona com o apoio de Seul. E, melhor ainda, Putin fez com que o próprio Xi reforçasse essas garantias.

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O imperativo categórico era simples: contanto que Pyongyang não criasse problemas, Moscou e Pequim estariam a seu lado. Uma espécie de calma antes de alguma possível tempestade então se instalou – embora Pyongyang continuasse a testar seus mísseis. Assim, ao longo dos anos, a atitude de Kim mudou: ele se convenceu de que a Rússia e a China eram aliados seus.

A integração geoeconômica da RDPC na Eurásia foi seriamente discutida em edições anteriores à era pré-covid do Fórum Econômico Oriental, em Vladivostok. Isso incluía a tentadora possibilidade de uma Ferrovia Transcoreana ligando tanto o Norte quanto o Sul ao Extremo Oriente Russo, à Sibéria e à Eurásia em geral.

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Kim, então, começou a perceber o Quadro da Grande Eurásia, e como Pyongyang, finalmente, poderia começar a se beneficiar economicamente de uma associação mais próxima com a UEEA, a OCX e a ICR. É assim que a diplomacia estratégica funciona: investe-se durante uma década, e então todas as peças se encaixam quando um trem blindado cruza o Primorsky Krai.

Da perspectiva de um triângulo Rússia-China-RDPC, não é de admirar que o Coletivo Ocidental tenha sido reduzido à condição de criancinhas chorando no parquinho. O insignificante eixo Estados Unidos-Japão-Coreia do Sul montado pelo Hegêmona para fazer frente, simultaneamente, à China e à RDPC é uma piada se comparado ao papel novo em folha da RDPC como uma espécie de Distrito Militar do Ásia-Pacífico, adjacente a seu vizinho imediato, o Extremo Oriente Russo.

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Haverá integração militar, é claro, em defesa antimísseis, radares, portos e aeroportos. Mas o principal vetor, ao longo do caminho, será a integração geoeconômica. As sanções, de agora em diante, não fazem mais qualquer sentido.

Ninguém, em 2014 conseguiria prever todos esses desdobramentos, exceto o analista muito sagaz que cunhou o precioso conceito de Dupla Hélice para definir a então ainda incipiente parceria estratégica ampla Rússia-China.

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A Dupla Hélice explica perfeitamente a simbiose estratégica de espectro total entre os dois estados-civilização, que são também antigos impérios, mas que desde o início da década passada decidiram de livre e espontânea vontade acelerar sua intenção mútua de liderar a Maioria Global no caminho para a multipolaridade.

O caminho para o policentrismo - Tudo o que foi dito acima amalgamou-se meticulosamente, por fim, no último painel de Vladivostok – informalmente conhecida, mesmo entre japoneses e coreanos, a "capital europeia da Ásia", no coração do Ásia-Pacífico. O debate foi sobre uma "alternativa global para o domínio ocidental". O Ocidente, por sinal, esteve absolutamente invisível no Fórum.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, resumiu toda a questão: as recentes cúpulas dos BRICS e do G-20 prepararam o terreno para a notável fala do Presidente Putin à assembleia plenária em Vladivostok.

Zakharova aludiu a uma "fantástica paciência estratégica". O que se aplica à totalidade da política do "pivotar para a Ásia" e de reforçar o desenvolvimento do Extremo Oriente, iniciada em 2012, e que hoje implica um giro de 180 graus da economia russa e direção à geoeconomia do Ásia-Pacífico. Mas, ao mesmo tempo, aplica-se também à integração da RDPC no trem de alta-velocidade da geoeconomia eurasiana.

Zakharova ressaltou que a Rússia "jamais apoiou o isolamento", sempre "defendeu as parcerias" – o que foi explicitamente demonstrado no Fórum para dezenas de delegações do Sul Global. E agora, nas condições de uma "luta suja, ilegal e sem regras", de um grave impasse, a posição russa continua facilmente reconhecível para a Maioria Global: "Não aceitar ditadura".

Andrey Denisov, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário, fez questão de mencionar o craque da análise política Sergey Karaganov como sendo um dos principais artífices do conceito de Grande Eurásia. Mais que a "multipolaridade", argumentava Denisov, o que vem sendo construído é o "policentrismo": uma série de círculos concêntricos, envolvendo muitos parceiros de diálogo.

A antiga chanceler austríaca Karin Kneissl hoje preside um think-tank em São Petersburgo, o G.O.R.K.I. Como uma europeia que acabou sendo ostracizada por seus próprios pares sob a ostensivamente tóxica cultura do cancelamento, ela ressaltou que a liberdade e o estado de direito desapareceram da Europa.

Kneissl se referiu à Batalha de Actium como sendo o episódio crucial na transferência do poder do Mediterrâneo Oriental para o Mediterrâneo Ocidental: "Foi aí que começou o domínio do Ocidente", que trouxe consigo toda a mitologia criada em torno do Império Romano, pela qual toda a anglosfera é até hoje obcecada.

Com a demência das sanções e a russofobia irracional instaladas no topo da União Europeia e da Comissão Europeia, ressaltou Kneissl, a ideia de que "tratados devem ser preservados" desapareceu, e o "estado de direito foi destruído. Essa é a pior coisa que poderia ter acontecido à Europa".

Alexander Dugin, falando por videoconferência, conclamou a uma maior compreensão "da profundidade do domínio europeu" expresso pelo hiperliberalismo. E ele propôs um divisor de águas fundamental: o modus operandi ocidental deve se tornar objeto de pesquisa, em uma espécie de tentativa gramsciana de definir aquilo que distingue a ideologia ocidental, atuando assim rumo a uma "profunda descolonização".

Tradução de Patricia Zimbres

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