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Ricardo Kotscho

Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia. Recebeu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de vários livros.

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Safatle: "chega de diálogo. A partir de certo ponto é apenas inútil"

"Safatle me fez pensar, diante da trágica realidade em que vivemos hoje no país, e da completa inação da população, se não é hora de mudar nosso comportamento conformista e condescendente", avalia Ricardo Kotscho, do Jornalistas pela Democracia

(Foto: Alan Santos (PR) / Dir.: Reuters)
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Por Ricardo Kotscho, para o Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia - Nada acontece por acaso. Só nesta terça-feira, graças à minha amiga jornalista Dina Amendola, que me enviou o texto por e-mail, pude ler o artigo de Vladimir Safatle publicado na página de opinião do jornal espanhol El País, no último dia 14 de setembro.

Entre o balaio de mensagens que recebo todos os dias, esta me chamou a atenção pelo título “Chega de diálogo”.

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No momento em que o mundo está virado de pernas para o ar, com rebeliões populares pipocando por toda parte contra a ordem constituída, este artigo vai na contra-mão dos que pregam o diálogo para encontrar soluções pacíficas às crises políticas, sociais e econômicas deflagradas pelo modelo neoliberal vigente que só aumenta a desigualdade social.

Quem me conhece sabe que, por formação familiar e profissional, sempre fui um defensor do diálogo entre opostos e das saídas pacíficas para as tantas crises que vivemos no Brasil nestes últimos 50 anos.

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Sobreviventes da Segunda Grande Guerra, meus pais vieram para o Brasil em busca de paz e não gostavam nem de lembrar os horrores que viveram para escapar das bombas e da fome, o que talvez explique minha aversão a conflitos.

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Pacato professor de filosofia da USP, Safatle me fez pensar, diante da trágica realidade em que vivemos hoje no país, e da completa inação da população, se não é hora de mudar nosso comportamento conformista e condescendente.

Tenho pavor de violência, nunca peguei numa arma nem de brinquedo, não posso ver sangue e gente ferida nem em filmes de guerra, passo ao largo de acidentes na rua ou na estrada, abomino esses programas policiais da TV.

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Sou, enfim, já passado dos 70, um cidadão absolutamente pacífico e inofensivo, que sempre lutei como repórter apenas com as palavras por democracia, liberdade e justiça social, denunciando o que está errado e louvando o que bem merece. Em uma palavra, me qualificaria como um humanista, como se dizia antigamente.

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Pois bem, mexeu muito comigo esta outra visão da realidade que me foi apresentada pelo professor Safatle.

Na abertura da matéria, ele resumiu assim seu pensamento bastante original sobre o Brasil:

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“Se há algo que marcou o Brasil nos últimos trinta anos foi a profusão de diálogo, quando muitas vezes é necessário dar forma à recusa clara em dialogar. Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura”.

Como se daria esta ruptura?  Esta é a dúvida que me ficou na cabeça ao terminar de ler o artigo reproduzido abaixo para a reflexão dos leitores.

Em vários países aqui ao lado, nos últimos dias, o povo está dando a resposta nas ruas, em grandes manifestações, como há tempos não se via, enfrentando uma repressão brutal dos governos de plantão.

Sempre é bom confrontar as nossas certezas com quem pensa diferente.

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***

Chega de diálogo. A partir de certo ponto é apenas inútil

VLADIMIR SAFATLE

“De todas as ilusões que se desfazem atualmente no Brasil, uma das mais urgentes a se livrar é aquela que leva alguns a acreditar que nosso momento histórico pede mais diálogo. Ao contrário, é possível que chegou enfim a hora de dizer claramente: chega de diálogo. A partir de um certo ponto, dialogar é não apenas inútil. É espúrio. Se há algo que marcou o Brasil nos últimos trinta anos foi a profusão de diálogo. Nosso fim da ditadura foi “dialogado”. Antigos oposicionistas, militares torturadores, empresários que apoiaram o golpe e financiaram crimes contra a humanidade: todos eles “dialogaram”, fizeram uma transição “sem revanchismo” (como se dizia a época), sem nenhum terrorista de estado na cadeia. Depois, os governos da Nova República eram todos marcados pelo “diálogo” entre esquerda e direita, mesmo o PP que abrigou o sr. Jair Bolsonaro por 27 anos estava em todas as coalizões de governo. Todos “dialogaram” com Bolsonaro, mesmo quando ele expunha claramente seu desprezo a princípios elementares de direitos humanos. Em uma situação minimamente normal, seus impropérios como deputado teriam lhe valido a cassação de mandato. Como se não bastasse, até mesmo com as igrejas evangélicas o que não faltou foi “diálogo”. Edir Macedo estava lá “dialogando” com Lula e Dilma. O PSC do sr. Marco Feliciano fazia parte da coalizão de Dilma Rousseff. Mais um com quem não faltou “diálogo”.

Neste sentido, a experiência brasileira é pedagógica em mostrar quão pouco se consegue com diálogo. Na verdade, o diálogo é nossa pior maldição. Muitas vezes, é necessário dar forma à recusa clara em dialogar. Quem dialoga com pessoas que louvam torturadores e assassinos como “heróis nacionais” não sabe qual o valor das palavras. Quem procura dialogar com aqueles que sustentam ações ambientais criminosas e tentam por todos os meios esconder a catástrofe que produz até o momento em que o céu de São Paulo se torna escuro por confluência com nuvens de queimadas, perde seu tempo. Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura.

Vejam o caso da destruição da Floresta Amazônica. Nunca o Brasil foi tão claramente colocado na posição de estado-pária pela opinião pública mundial, nunca estivemos tão isolados e dependentes do bem querer dos norte-americanos para evitar uma reação brutal do resto do mundo. Não é só o governo francês que está em rota de colisão conosco. Noruega e Alemanha já suspenderam ajuda econômica à Amazônia. Ou seja, as consequências econômicas só estão a começar. Multinacionais começam a boicotar o couro brasileiro, em breve grupos ecologistas começarão a fazer campanha contra o Brasil. Nunca na história desse país alguém viu algo parecido. Agora pergunte se isso levou o governo brasileiro a modificar sua política ambiental? A resposta é: em nem um milímetro. Infelizmente, o único “diálogo” que latifundiários com mentalidade colonial e assassinos de índios compreendem é o boicote econômico.

Agora, também fica claro o caráter da elite econômica que sustenta este governo. Há algumas semanas, o presidente do banco Itaú Unibanco, o sr. Candido Bracher, o mesmo banco que bate recordes de lucro líquido enquanto a economia nacional estaria pretensamente em “crise”, mostrou quais são seus verdadeiros interesses. O representante-mor do partido do Dinheiro deu a entender que as declarações de Bolsonaro, fator fundamental para a explicitação da democracia degradada em que vivemos, não afetavam o que realmente importa, a saber, as reformas que privilegiam a elite rentista brasileira. E ainda de quebra afirmou que 12 milhões de desempregados não é algo que realmente deveria nos preocupar, pois isto ajudaria a quebrar a pressão inflacionária.

Os milhões de brasileiros que voltaram à pobreza, os milhares que voltaram à miséria nas ruas da cidade na qual este senhor habita não parecem realmente perturbá-lo. Da mesma forma, ninguém no Partido do Dinheiro está preocupado com o crescimento pífio da economia nacional e com o horizonte de retração que avizinha. Eles se preocupam apenas com a próxima leva de privatizações que aproveitarão como abutres que crescem em volta do poder. Achar que é possível dialogar com esta classe foi uma das mais crassas ilusões que marcou este país. Que ao menos tudo isto sirva para ficar claro contra quem combatemos.”

***

Gostaria de saber a opinião dos caros leitores sobre o texto de Vladimir Safatle. Logo aqui abaixo está aberta a área para comentários.

Este artigo, é preciso registrar, foi escrito antes da eclosão das revoltas populares na nossa vizinhança.

Vida que segue.

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