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Márcio Bueno

Jornalista, autor, entre outros, do livro “A origem curiosa das palavras”, Ed. José Olympio

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Sair da "zona de conforto"? Por quê, afinal?

Conseguiram transformar essa zona, que é ótima, deixa a pessoa confiante, feliz e saudável, numa coisa negativa, nociva. É difícil acreditar, mas estão mandando todo mundo pra zona de desconforto

Conseguiram transformar essa zona, que é ótima, deixa a pessoa confiante, feliz e saudável, numa coisa negativa, nociva. É difícil acreditar, mas estão mandando todo mundo pra zona de desconforto (Foto: Márcio Bueno)
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Não importa o assunto – o artigo, crônica ou reportagem pode tratar de aterro sanitário, ataque ao Charlie Hebdo, show da Valesca Popozuda, o sucesso do cinema argentino, tiroteio no Alemão ou o excesso de cesarianas. Em qualquer uma dessas situações, corremos sempre o risco de ver alguém defendendo a ideia de que é preciso sair da "zona de conforto".

Os palestrantes motivacionais, então, são praticamente unânimes em se esgoelar para defender essa estranha teoria, que ainda não se sabe bem de onde surgiu. Seus propósitos parecem claros, como se verá mais adiante. Segundo esses "conselheiros", só evitando a rotina, só aceitando novos desafios constantemente, a pessoa pode crescer e se realizar. Conclusão: o cidadão domina uma atividade, sente-se confortável, seguro no que faz, mas aí tem que largar tudo e se aventurar num campo sobre o qual não tem o menor domínio. Assim que – e se – conseguir dominar, tem que largar tudo de novo, pra não se render à zona de conforto, e partir pra uma nova praia que não é a dele. Tranquilidade? Esqueça!

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Um desses orientadores saiu-se com essa: "a vida começa onde termina a zona de conforto". Como se vê, ninguém questiona essa estultice, só procura aperfeiçoá-la. Levando em conta apenas a questão da produtividade, que parece ser a única preocupação desses "conselheiros", é óbvio que a pessoa rende muito mais se estiver segura, feliz, tendo seu trabalho reconhecido, ou seja, vivendo numa bela zona de conforto. Nada impede que, a partir deste porto seguro, dedique um tempinho procurando adquirir novos conhecimentos, desenvolver novas habilidades, dominar outros idiomas, e vai por aí.

No entanto, a cantilena de que é preciso sair da zona de conforto segue firme e forte. Conseguiram transformar essa zona, que é ótima, deixa a pessoa confiante, feliz e saudável, numa coisa negativa, nociva. É difícil acreditar, mas estão mandando todo mundo pra zona de desconforto. A troco de quê? É provável que essa onda avassaladora tenha começado como uma coisa planejada. Nasceu em algum centro e, a partir daí, passou a ser repetida por um monte de papagaios. Será que não se trata de um upgrade no taylorismo? Taylorismo é a metodologia – desenvolvida no início do século passado pelo engenheiro Frederick Taylor – voltada para a eficiência produtiva, para a adaptação do homem ao ritmo da máquina, como se fosse apenas mais uma de suas peças.

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O esquema foi ridicularizado magistralmente por Chaplin, já em 1936, no filme Tempos Modernos (vale a pena assistir). Hoje. querem que o trabalhador dê uma incrementada extra em sua disposição, que saia da zona de conforto para acompanhar o ritmo agora alucinante da produção, proporcionado pela nova revolução tecnológica que estamos vivendo, a revolução da era digital. Se for de fato essa a finalidade da campanha, não é difícil imaginar que esses orientadores abominem as fases de descanso e de férias, que são a zona de conforto por excelência. Afinal, esse tempo ocioso poderia ser utilizado para coisas mais produtivas. Será que, assim como diversas espécies animais e vegetais, os períodos reservados ao dolce far niente também estão sob o risco de extinção?

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