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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Sandro Fantinel e o subconsciente racista e colonizador da branquitude brasileira

Sem nenhum pudor ou receio, Sandro Fantinel usou a tribuna da câmara dos vereadores para promover xenofobia e ódio racial contra pobres, pretos e nordestinos

Sandro Fantinel (Foto: Reprodução (TV Caxias))
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Após assistir ao vídeo onde o vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, que era filiado ao Patriotas, mas foi expulso da sigla, escancara a sordidez do seu racismo contra os baianos, me veio à mente uma declaração dada pela ex consulesa da França em São Paulo, Alexandra Loras, em entrevista a este que vos escreve no programa “Um Tom de resistência”, na TV 247. Quando ela diz que “todo branco é racista”, pode até parecer extremismo, porém, é preciso compreender a problemática, não apenas da sua fala, como a do próprio racismo. 

Sem nenhum pudor ou receio, Sandro Fantinel usou a tribuna da câmara dos vereadores de sua cidade para promover xenofobia e ódio racial contra pobres, pretos e nordestinos. Como de praxe, gravou um vídeo pedindo desculpas após o episódio ter lhe custado prejuízos à imagem e à segurança de sua família. Não há um centavo de arrependimento com relação ao seu discurso, porque ele veio do âmago escravocrata que está implícito na personalidade da branquitude brasileira. E isso não é privilégio apenas da elite branca. Há brancos pobres que também se sentem superiores a pretos, em função desse estereótipo de escravizado que ainda paira sobre nossa cor de pele. O racismo estrutural explica.

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O vereador em questão chamou os baianos de “sujos”, disse que os agricultores gaúchos deveriam parar de contratar “aquela gente lá de cima” e se propôs a criar um novo mercado de escravos, trazendo os argentinos para trabalhar nas vinícolas do estado. Afinal, segundo a visão do parlamentar de engenho, os “hermanos” são “limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam” Uma fala que remete ao início do tráfico de seres humanos para a escravização, quando as “peças”, como eram chamados os africanos escravizados, eram avaliadas em todo o seu “contexto” pessoal.

É sempre importante lembrar que a abolição da escravatura no Brasil não foi espontânea. Dom João VI, um dos maiores criminosos do setor escravista em todos os tempos, não queria, de forma alguma, se desfazer daquela mão de obra que era a base da sua economia. Quando a Inglaterra, outro império construído sob a escravização dos africanos, propôs abolir a escravidão em todo o mundo e impor sanções econômicas aos países que não adotassem a ideia, o famoso jeitinho brasileiro, que, na verdade, é português, entrou em ação. Para enganar os ingleses, o Império brasileiro colocou navios no litoral com a suposta finalidade de reprimir o tráfico de escravos. Uma encenação que deu a origem a expressão “para inglês ver”, que é atribuída a Dom João VI.

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Quando em 2023 ainda temos que combater o trabalho análogo à escravidão, evidenciamos que o desejo nutrido pelos herdeiros dos escravocratas é o mesmo de seus antepassados. Que a escravização não tivesse fim. É nesse desejo contido que se manifesta o “lapso mental” que o vereador de Caxias do Sul atribuiu à sua fala, no pedido de desculpas esfarrapadas feito por ele. O subconsciente racista e colonizador da branquitude brasileira a trai em diversos momentos. De volta à tribuna e na mesma sessão plenária, o vereador tentou colocar uma emenda ao seu soneto. Como Bocage já nos advertiu que tal emenda sempre fica pior do que a ideia original, o parlamentar deixou escapar que não tem nada contra “aquela gente” e “aquele povo”, em mais um lapso mental onde o racismo se apresenta em forma de desdém e indiferença ao povo baiano. Em sua grande maioria, composto por pretos.

São várias as formas onde o preconceito é externado por um lapso mental. O atravessar a calçada ou segurar a bolsa com mais firmeza quando alguém “suspeito” se aproxima, sobretudo, quando esse alguém é preto, é uma delas. Questionar a higiene de um pobre, principalmente quando este é preto, é outra forma de lapso mental que a branquitude manifesta. Quando sabemos que ainda são as mãos pretas que limpam o que os brancos sujam. Como Gilberto Gil escreveu em sua reflexiva e libertadora “A mão da limpeza”:

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“O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê
Iô, iô, iô
Iê, iê, iê
Iô, iô, iô

Na verdade, a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o negro penava, ê
Iô, iô, iô”

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Já perdi a conta de quantos lapsos mentais da branquitude colonizadora me atingiram. Perguntar se fui eu mesmo quem escreveu os meus textos ainda é muito comum. Como não gosto de perder uma piada, agora vou dizer que são psicografados pelo espírito de um escritor argentino. E sei que muito racista inconsciente irá acreditar. O que não me causará espanto, vindo de alguém que me julga incapaz de saber escrever apenas por ser preto. Preconceito e inteligência não harmonizam. De lapso em lapso, os racistas enchem o saco. E, no caso envolvendo o vereador de Caxias do Sul, eles precisam ser punidos por isso. Ainda é vigente no subconsciente colonizador da branquitude, a ideia do preto festeiro, tocador de tambor, irresponsável, pouco inteligente, preguiçoso, imundo e violento. Características que eram impostas pelos senhores de engenho aos escravizados que se rebelaram contra a indignidade humana que lhes eram oferecidas sob escravização.

A branquitude brasileira exige ser reverenciada por seu histórico escravocrata. Há quase que um orgulho em não ser preto e poder manifestar lapsos mentais de preconceito, sob a égide do privilégio histórico que os beneficia e os acomete de maneira tão patológica, que muitos não conseguem perceber que são ou estão sendo racistas e preconceituosos.

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Dentro de uma estrutura onde eles não sofrem preconceitos por serem brancos, é natural esse comportamento. É como se eles tivessem o direito de serem racistas, xenófobos e preconceituosos, por terem que aprender a lidar com “essa gente” não igual a eles. Ainda no seu vídeo de pedido de desculpas, o vereador pede perdão “a quem se sentiu ofendido” com suas falas e diz que não é justo que sua família esteja sendo atacada por conta de um erro que ele cometeu. Em especial, os seus pais que já são idosos, onde ele pergunta: “O que eles fizeram para merecer isso? ” E eu respondo: fizeram um racista. O racismo é um crime hereditário cometido através de gerações. Ninguém aprende a ser racista na rua, na escola, no emprego ou na balada. Mas, pode deixar de ser, ou, pelo menos, aprender a controlar os seus lapsos mentais, se forem responsabilizados criminalmente por seus atos. De preferência, na cadeia. 

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