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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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Sejamos imprescindíveis!

Vivemos sob a égide do imponderável, do absurdo, do emprego naturalizado de aniquilamento de reputações

Manifestação em Brasília (Foto: Reprodução/Twitter/George Marques)

No último domingo fomos surpreendidos com várias gravações de conversas que aconteciam entre os envolvidos no plano de golpe contra o Estado de Direito. Os áudios são estarrecedores e demonstram a aguerrida determinação que nutria o ímpeto dos golpistas militares e civis em levar a cabo o fim da democracia. O respeito às quatros linhas da Constituição, reiteradamente referido pelo ex -presidente, constituía apenas uma retórica para encobrir a sanha de permanecer no poder custe o que custasse.

Nesta sombria perspectiva ditatorial, temos convivido com a normalização do absurdo, frase síntese, referida pelo professor João Cezar de Castro Rocha para explicar os últimos movimentos políticos que ameaçam as democracias pelo avanço de forças extremistas de direita e as consequentes manifestações de ódio dos adeptos dessas correntes com relação aos que se opõem a elas.

Acrescento à análise perspicaz do professor a frase que, ao meu juízo, se encaixa perfeitamente nas atuais relações sócio políticas em nível mundial e nacional no campo da extrema direita: o que não toleramos, exterminamos.

Portanto, todo aquele que for contrário ao que o extremista de direita pensa deve ser sumariamente exterminado. Assim se manifestaram nas redes sociais ao desejar a morte do Papa Francisco, atualmente enfermo. Para a extrema direita o Papa seria um comunista por defender os excluídos, por não compactuar com a ideia de livre mercado, ou por suas críticas à desigualdade social e acumulação capitalista nas mãos de uma minoria privilegiada.

Na mesma direção o extremista Trump ataca os que se opõem aos seus interesses nazifascistas de dominação. Assim se comporta o caricato mais rico do mundo, Elon Musk, que em sua prepotência sem limites tenta retaliar a soberania das decisões judiciais de outros países por não concordar com elas, ou pessoalizar sua ira aos autores das decisões, como o faz em relação ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.

Nessa linha, as disseminações de mentiras pela extrema direita brasileira junto a parlamentares e ideólogos extremistas norte-americanos contra o Ministro Alexandre de Moraes, veiculadas principalmente pelo filho do ex presidente, Eduardo Bolsonaro, tem estimulado fortes reações destes segmentos às decisões do Ministro sobre empresas norte-americanas que operam redes sociais sem a devida adequação às leis brasileiras.

Nesta semana, essas articulações entre a extrema direita brasileira e a norte americana resultaram numa nota do Departamento de Estado dos EUA, que em sua conta oficial na plataforma X, acusou o Ministro Alexandre de Moraes de proferir decisões "incompatíveis com valores democráticos" ao excluir postagens de usuários de determinadas redes, com aplicação de multa e bloqueios, caso descumprissem as decisões.

Em nota publicada no dia 26/02/25, o Itamaraty respondeu: “O governo brasileiro recebe, com surpresa, a manifestação veiculada hoje pelo Departamento de Estado norte-americano a respeito de ação judicial movida por empresas privadas daquele país para eximirem-se do cumprimento de decisões da Suprema Corte brasileira. O governo brasileiro rejeita, com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais [...]. A manifestação do Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil” (Disponível na íntegra em https://agenciagov.ebc.com.br/). Por sua vez, o Ministro Alexandre, em sessão no STF em 27/02/25, referiu em parte de sua fala: “Deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822. Com coragem estamos construindo uma República Independente e Democrática” (Disponível na íntegra no site Brasil 247).

Vivemos sob a égide do imponderável, do absurdo, do emprego naturalizado de aniquilamento de reputações de quem contraria os interesses dos grupos extremistas de direita. Estes conspiram diuturnamente contra a própria soberania do seu país em defesa de interesses pessoais, como agiu o filho de Bolsonaro em reprimenda a um ministro que será relator no julgamento do ex presidente, denunciado pela Procuradoria Geral do Estado por suspeita de cometimento de vários crimes no decorrer de seu desgoverno. Para bolsonaristas, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a denúncia de seu mentor não faz sentido. Como extremista de direita disfarçado moderado, Tarcísio nega a verdade dos fatos, distorce a realidade a favor de seus interesses políticos.

Nessa materialidade kafikiana, ao analisarmos o processo político brasileiro, desde o golpe contra a presidenta Dilma, a forte polarização política e o avanço da extrema direita constatamos que o clima para governança do país, mediado por uma ampla coalizão movida por disputas de poder, tem sido desfavorável para entregas mais sustentáveis pelo atual governo.

A queda de popularidade do presidente Lula apontada nas últimas pesquisas, justificada especialmente pelo custo dos alimentos, acaba por obscurecer os êxitos das políticas públicas de melhoria de vida do povo e da consequente minimização da profunda desigualdade social. Outro fator não menos importante é o desconhecimento pela média da população dos avanços do setor econômico do país. É notória a recuperação do pleno emprego e o aumento do consumo pelos brasileiros. A aprovação da reforma tributária ainda que tímida, representará a longo prazo melhor poder de compra, sobretudo dos mais pobres, entretanto, o que realmente conta é o dia a dia nos supermercados e a inflação sentida no bolso, agravada não só pelas oscilações extremas do clima, como também pelas especulações oportunistas na comercialização dos produtos de consumo.

Por outro lado, as emendas parlamentares cada vez mais polpudas e, em boa medida, com destinos nem sempre legais têm contribuído no encolhimento da fatia do orçamento público a ser utilizada pelo executivo. O montante do orçamento que poderia estar na alçada do executivo, é destinado cada vez mais em favor de um parlamentarismo de característica orçamentária.

A propósito do julgamento sobre as irregularidades na distribuição das emendas parlamentares, o ministro Flavio Dino, do STF, em decisão referendada pelo Plenário do Supremo, referiu que não há impedimentos para liberação dos recursos públicos, desde que sejam cumpridas as regras de transparência e rastreabilidade. Esperamos que a sangria nos cofres públicos seja pelo menos atenuada, uma vez que a fome dos políticos inescrupulosos em alimentar seus currais eleitorais é cada vez maior. Enquanto isto, alunos e professores da rede pública de ensino sofrem as agruras do calor insuportável nas salas de aula pela falta absoluta de recursos públicos desviados para fins espúrios.

Em razão de tantas ofensivas e conspirações grotescas da extrema direita contra tudo e contra todos que ousam cruzar seus caminhos em sentidos contrários, encerro esse texto movida pela mesma indignação de outras mulheres e de homens que não se conformam com a onda de “naturalização dos absurdos” ou da consequente frase desses tempos sombrios: “o que não toleramos, exterminamos”, com uma frase memorável de Bertold Brecht sobre a força da luta por um mundo melhor.

“Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis”.

Sejamos imprescindíveis!!!!!!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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