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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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Sem saber, os pobres sustentam um sistema de parasitagem no País

Os banqueiros até aceitam que o governo combata a fome e a pobreza, desde que isso não diminua em um centavo os ganhos que extraem sistematicamente do Brasil

(Foto: Rovena Rosa/ABr)
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O Brasil segue com o maior juro real do planeta, em torno de 7,4%, descontando a taxa de inflação projetada para os próximos 12 meses. É quase o dobro do praticado nos EUA, que tem taxa em um intervalo entre 4,50% a 4,75% (a maior desde 1994), e quase quatro vezes superior à taxa praticada na Zona do Euro, onde a taxa real de juros está em 2%. O presidente Lula vem criticando as metas de inflação, as quais diagnostica, com inteira razão, como prejudiciais ao crescimento, e pressiona a equipe econômica para rever os dados e redefinir as metas. O presidente, que corre literalmente contra o tempo, percebeu que, com taxas de juros reais próximas de 8%, não tem como fazer o transatlântico da economia brasileira se colocar em movimento, ou seja, a economia não irá crescer neste ano. 

É possível que Lula esteja contando o seu tempo de mandato em número de horas, não em anos. Dependendo do conjunto da política macroeconômica -na qual a política de juros é central- o Brasil não crescerá também em 2024, o que significaria o comprometimento de metade do seu mandato, em termos de crescimento econômico. A retomada do crescimento com geração de empregos foi um eixo nuclear de sua campanha eleitoral em 2022. Ademais, no final de 2024 haverá eleições municipais, que normalmente são, em boa parte, um veredicto da população sobre a gestão federal, como qualquer político tarimbado bem sabe. 

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O Brasil vem de seis anos seguidos de estagnação, ou de baixo crescimento, possivelmente o pior desempenho do produto que se tem registro nas contas nacionais, fruto da crise mundial e das políticas recessivas adotadas a partir do golpe de 2016. Isso levou a um círculo vicioso: baixos níveis de crescimento do PIB conduzem a uma queda na arrecadação de impostos com aumento proporcional da dívida pública. 

O fato da taxa básica de juros do Brasil estar muito acima da média mundial, seguindo uma receita que nunca funcionou – tentar controlar com juros altos uma inflação que não decorre de excesso de demanda – não tem nada de “opção técnica”.  Antes de tudo essa é uma decisão política do Banco Central, embelezada por argumentos técnicos bastante refutáveis. 

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O orçamento federal destinou R$ 139,9 bilhões para saúde no ano passado e R$ 62,8 bilhões para a educação, que são uma fração dos quase dois trilhões destinados aos juros e amortizações da dívida, em 2021.  Mas quase ninguém fala disso, é como se esses pagamentos fossem uma determinação vinda dos céus. Ao longo dos anos vários mecanismos foram montados para garantir aos banqueiros o recebimento fácil dos juros, o que praticamente ninguém questiona. Por outro lado, as vozes que denunciam esse assalto sistemático ao país (não são muitas) não têm espaço na grande imprensa. 

Os mecanismos de favorecimento dos credores vêm sendo construídos há décadas. O teto de gastos, vindo com a Emenda Constitucional 95, de 2016, uma das primeiras medidas do golpe, garante que o orçamento destinado a todas as despesas do governo com infraestrutura, salários, aposentadorias, saúde, educação, transportes etc. não ultrapasse um valor determinado, garantindo que a parcela destinada ao pagamento de juros da dívida não seja afetada. 

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Os banqueiros até aceitam que o governo Lula combata a fome e a pobreza, desde que isso não diminua em um centavo os ganhos que extraem sistematicamente do Brasil, através do sistema de pagamento da dívida pública. Não existe país no mundo que transfira tanto recurso para os banqueiros quanto o Brasil. O país sofre um processo de desindustrialização há décadas, mas não há recurso para reerguer a indústria porque não sobra dinheiro (dentre outras razões). No Brasil os especuladores levam todo ano mais da metade do Orçamento Federal. Nos EUA, que têm um orçamento federal de 6 trilhões de dólares (cerca de 8,2 vezes superior ao brasileiro) a dívida pública custa 12% do Orçamento. 

A dívida pública é uma síntese de um sistema de parasitagem que os pobres do país suportam sem ao menos saber. Manter a maior taxa de juros do planeta e transferir fortunas para os banqueiros todo ano, não tem nada a ver com decisões técnicas. A dívida é um sistema extraordinário de transferência de riqueza para pessoas jurídicas e físicas muito ricas, residentes no país, ou não. Como é um sistema complexo, afeito aos especialistas, a população não entende. Como quem controla tudo é gente ligada aos próprios banqueiros, é um sistema fora do controle das estreitas instâncias democráticas da sociedade.

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Se a população entendesse que o país que não consegue crescer, que deixa 33 milhões de brasileiros passar fome, tem ruas esburacadas e gente morrendo na fila do SUS, transfere diariamente bilhões para super ricos, talvez não tivesse uma postura tão passiva. Isso em nome de uma dívida, inclusive, que no fundo, já foi paga várias vezes. Por isso mesmo o tratamento da dívida pública e o debate sobre os juros não podem ser transparentes, tem que ser assunto complexo, dominado exclusivamente por especialistas.

 A situação do Estado brasileiro é dramaticamente complexa, requerendo neste momento ações muito incisivas e determinadas. Os capitalistas não investem na economia real, seja porque não têm dinheiro (no caso dos pequenos e médios), seja porque podem ter muito mais retorno especulando com papéis da dívida pública (no caso dos grandes capitalistas). Por outro lado, a sucção de recursos provocada pela dívida pública, faz com que o Estado fique trabalhando o tempo todo somente para engordar os especuladores. Não sobra dinheiro para mais nada. Quando acontece uma enchente, como recentemente no Norte de São Paulo, o povo pobre fica debaixo de água e da sujeira, porque o Estado não tem dinheiro para fazer obras fundamentais para um mínimo de bem-estar da população. Isso em um país onde a estrutura de arrecadação é regressiva, ou seja, feita através de impostos indiretos, pagos pelo povo.

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O governo Lula, se quiser permanecer em pé, terá que realizar uma espécie de reconstrução econômica do Brasil, cuja economia foi quase totalmente destruída pelos golpistas, a partir de Michel Temer. No processo de reconstrução, algumas medidas não poderão faltar, como um programa vigoroso de combate à fome, investimentos em infraestrutura urbana, recuperação do mercado consumidor interno e assim por diante. Uma política fundamental e urgente é a retomada do crescimento, porque se bem-sucedida, ela pode recuperar a indústria, diminuir a pobreza e a fome e gerar empregos de carteira assinada. Mas, crescimento no Brasil (e em qualquer parte do mundo), não é um problema meramente técnico, depende de decisões políticas e correlação de forças. 

Como dizia o economista Celso Furtado, países que se sujeitam a atual divisão internacional do trabalho, dominada pelos países imperialistas, aceitam-na tal como está colocada, estarão condenados ao subdesenvolvimento. Ou seja, não há crescimento econômico e desenvolvimento social sem postura soberana. Política pública, em qualquer área, que leva mais da metade da população à condição de insegurança alimentar, no país de maior produção de proteína animal do mundo, é um embuste econômico por definição. Os argumentos “técnicos” dos banqueiros e seus representantes significam, na prática, uma rebuscada trapaça. 

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