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Marcellus Clay

Guia de turismo categoria Local, Nacional e Internacional desde 1999. História e Turismo incompletos

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Será mesmo que o show da Lady Gaga é bom para o turismo no Rio?

Entre movimento econômico e impacto negativo, qual é o saldo?

Lady Gaga faz show histórico na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (Foto: REUTERS/Tita Barros)

A praia de Copacabana já foi palco de muitos shows que reuniram um milhão de pessoas. Rolling Stones, Madonna, Alok, Réveillon, Fan Fest, entre muitos outros. Mesmo Copacabana não sendo o único local para espetáculos dessas proporções, este parece o único local para este tipo de evento. Em frente ao Hotel Copacabana Palace, onde seus salões são convertidos em camarins e de onde parte uma passarela que leva diretamente ao palco. Nos meios de comunicação e mídias sociais, somos hiper informados acerca do caráter positivo deste tipo de evento sobre a economia do Rio e a cidade, por sinal considerando também seus impactos negativos até que se sai muito bem.

Porém, entre movimento econômico e impacto negativo, qual é o saldo?

Movimento turístico: a imprensa declara que os hotéis estão com 97% de ocupação. Qual a fonte dessa pesquisa e como foi feita é informação que não se encontra. Se fosse eu hoteleiro, sempre declararia minha ocupação a 90% para poder multiplicar o valor da minha real disponibilidade. Aplicativos de temporada ainda não compartilham seus dados quanto à ocupação dos apartamentos na zona sul.

Movimento aéreo e rodoviário: não vemos tampouco uma pesquisa séria feita entre as companhias aéreas e rodoviárias e de carros entrando no município, para se ter uma melhor ideia de quantas pessoas realmente vieram à cidade por causa do show. Tampouco existe alguma infraestrutura para o turismo rodoviário, capaz realizar um transbordo organizado dos milhares de visitantes que vêm de ônibus fretados de todo Brasil, consumindo muito pouco, mas que, para muitos, gostariam de consumir um produto adequado à sua necessidade. A cidade já criou passes de transportes para Rock in Rio e Olimpíadas, mas não o faz em bases regulares, um ‘Jaé’ para turistas, vendidos nas rodoviárias e hostels. A cidade poderia ter um conjunto de estacionamentos integrados em rede para atender veículos visitante de vários tipos, como existe em Londres, Madrid, entre outros, estimulando o transporte público, sustentável, de qualidade e acessível a vários segmentos sociais.

Movimento de permanência: quanto se gasta por dia na cidade, desconsiderando o transporte até ela? Também não há uma pesquisa por amostragem que pergunte aos que chegam: quantas noites pretende permanecer no Rio? Essa pergunta permitiria deduzir a média de gastos diários na cidade, entre hospedagem, alimentação, transportes locais, atividades. Portanto, mais do que ter um milhão de turistas na cidade por uma ou duas noites, não é melhor ter um número menor por mais dias? Gerando mais impacto econômico, por mais tempo e melhor distribuído entre os bairros?

Movimento de outros turistas: nem todo visitante vem à cidade para ver os shows gratuitos da prefeitura. Logo, esses eventos, incluindo Réveillon e Carnaval, inflacionam o valor das hospedagens e serviços de tal maneira que não se consegue hospedar um grupo de pessoas um pouco antes e um pouco depois do evento, afastando temporariamente outros tipos de eventos, menores, mas importantes, como congressos. Esses efeitos também poderiam ser medidos através da análise do fluxo de passageiros aéreos. Logo, o saldo do impacto econômico fica diminuído.

Tem que ser bom para o cidadão para ser bom para o turista: já ouvimos essa frase quase como um axioma proferida pelo prefeito, ou por vereador, etc. Certamente que esse axioma não foi observado ao se trazer esses shows para Copacabana, na frequência, no tamanho e na duração. A quantidade de lixo produzida é imensa, gerando uma competente mobilização da Comlurb. A genuína preocupação com a segurança gera bloqueios por todo o bairro. Câmeras de segurança e drones são recursos importantes, mas o foco é na segurança ou em se buscar criminosos? Pois esse recurso poderia ser usado de outra maneira. Carros das forças públicas ocupam calçadas e ruas, a produção requisita dezenas de metros da praia para áreas VIP, camarins e festas, tirando a vista, tirando o espaço da calçada, causando uma sensação permanente de se estar saindo de um estádio e de que as torcidas vão começar a brigar. Moradores de uma vida no bairro, a maioria idosa, se retiram temporariamente, alugam seus imóveis para grupos que dormem em colchonetes para economizar. O elevador para, não tem como consertar, a caixa d 'água não suporta tanta gente. Nos mercados, padarias, farmácias, coisas básicas começam a faltar, e filas se formam. Mas distribuidores de bebidas estão sempre muito bem abastecidos. No último ano, dezenas de distribuidores de cerveja a uma quadra da praia surgiram, e que vendem no varejo. Falo de uma fantasia não muito distante da realidade. E tem ainda o transporte.

Movimento no transporte: se ao se convocar um show dessas proporções se justifica como positivo pelo aumento de turistas na cidade. Turistas que não se deslocam ao atrativo, não gastam felizes no restaurante, no atrativo, no presente. Logo a cidade PERDE o impacto econômico gerado pelo show. Cheia de turistas, eles não se deslocam. Os estrangeiros que gostariam de estar na cidade mas não conseguiram hospedagem não vão deixar suas divisas aqui, por que o turismo corresponde a uma EXPORTAÇÃO, precisa gastar para os dólares entrarem na nossa balança comercial. Não é por acaso que turistas brasileiros gastam 10 vezes mais no exterior do que o contrário. Turistas no Réveillon são recomendados a não deixarem o Bairro de Copacabana, pois não sabem se conseguem retornar. Táxis evitam o bairro ou cobram por tiro, que é ilegal, mas o que não é ilegal é um valor dinâmico nos aplicativos, mas que não podem entrar no bairro. Bairros do entorno viram estacionamentos, estações tem saídas fechadas, grandes currais, ou são só para embarcar nos horários tais, ou desembarcar nos horários, isso sem falar nos meios de pagamentos para esses transportes, Jaé, Riocard, dinheiro, NFC, Giro, vale num e não vale noutro, que são tudo, menos simples, preparados para usuários constantes, e não para turistas eventuais.

Falta de movimentação: se pode simular que a cidade está repleta de turistas, sem necessariamente corresponder a um benefício tangível, basta que os visitantes fiquem retidos num só lugar. As redes sociais parecem concentrar as pessoas, e não dispersar. A hotelaria e atrativos parecem agir em conjunto para reter o visitante em seu estabelecimento, consumindo muito. Esses tipos de espetáculo favorecem esse tipo de turismo. A Prefeitura e um segmento econômico pequeno transformam um espetáculo numa vitrine positiva para si mesma.

Movimento do público: o público da cidade ou de fora não parece se importar com o impacto bom ou ruim que causa. Somente os que estão nas áreas VIPs (onde e para quem o show foi realmente produzido, e onde se realiza política) realmente verão o show e isso não importa muito, desde que se possa fazer parte do espetáculo. Carnaval, Réveillon, a arte musical e teatral brasileira sempre foi muito inclusiva. Lady Gaga deve ter cuidado pois na plateia havia divas capazes de cantar todas as músicas em performances melhores e mais engraçadas que a dela. As imagens de milhões de pessoas é o que importa, para a Prefeitura e para a artista, mesmo que o benefício almejado esteja aquém do esperado – mas ninguém olha para isso.

Conclusões

  • Esses eventos atraem visitantes? Certamente que sim, em picos. Muita gente concentrada em poucos lugares, pouca permanência na cidade. Ao longo do ano houve um aumento no número de visitantes que justifica tamanha propaganda. Se o número de visitantes aumenta, o número de voos, conexões, linhas de ônibus, fretamentos e carros de fora da cidade, desembarques de cruzeiros deveriam aumentar também, correto? Não existe pesquisa que integre esse movimento;
  • Considerando o impacto negativo aos cidadãos cariocas, no ambiente, nos serviços públicos e em geral, no sentimento de estar dentro de uma panela de pressão pronta a explodir, o saldo econômico e turístico é muito menor do que se espera;
  • A cidade pode perder receita estando cheia de turistas. Assim como manter as filas cheias se todos os visitantes desejarem ir aos mesmos lugares no pouco tempo que dispõem, simulando um falso sucesso turístico;
  • Êxito turístico se mede pela receita que gera por dia, emprego gerado por aposento, baixo impacto aos serviços públicos. Reter o turista na cidade e no estado, não no hotel ou na área VIP, usar os destinos indutores próximos em auxílio, integrar os recursos viários e aeroportos para gerar uma movimentação de pessoas felizes, consumindo e conhecendo a cidade maravilhosa.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.