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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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Série da Folha de S.Paulo sobre privatizações esconde tarifas

As tarifas médias de energia para o consumidor residencial subiram 75% acima da inflação desde o início da privatização, este deveria ser o cerne da discussão

(Foto: Divulgação)
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Uma enorme foto da iluminada favela Paraisópolis é estampada na capa da edição impressa da Folha de S.Paulo desse domingo, 4/9. A intenção é mostrar os benefícios da desestatização: o fornecimento de luz na região era precário até privatização do serviço, diz a linha fina.

Logo no início, mas lá na página 24, a alegria festiva da capa do jornal é obrigada a encarar a realidade: a última conta de uma moradora de Paraisópolis foi de 380 reais. Helena Santos conta ao jornal: "Hoje eu tenho muito mais conforto (…) Mas fiquei quase um ano sem conseguir pagar a luz, acertei há pouco, e ninguém consegue explicar, pois já fui na Enel perguntar, porque a luz é tão cara".

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Bem escondidinho, no canto inferior direito da página 25, figura o gráfico que deveria ter sido estampado na primeira página. O aumento real, ou seja o aumento acima da inflação, da tarifa média para as residências foi de 75%. A tarifa em valores nominais, desconsiderando a inflação, foi de 76,3 reais por megawatt-hora para 643,1 reais.

grafico

Em resumo, a principal promessa não foi cumprida. Não foi e não será com a privatização da Eletrobras. Diversos especialistas em energia elétrica apontam que as tarifas subirão por conta da transferência do controle da empresa à iniciativa privada.

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“O aumento da tarifa de energia está no DNA da proposta aprovada. Ela retira do consumidor o benefício atualmente usufruído pela geração mais barata de usinas hidrelétricas amortizadas. Permite que a Eletrobras venda essa energia por valor que pode atingir até três vezes o valor atualmente pago pelo consumidor”, afirmam os especialistas Maurício Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, e Nelson Hubner, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Além de ouvir Helena Santos, a Folha ouviu Elena Landau, que foi a diretora do Programa Nacional de Desestatização do governo de Fernando Henrique Cardoso, que hoje apoia a candidatura de Simone Tebet:

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 "O modelo que está aí gera a competição que gostaríamos? Não dá para reduzir tarifa? A gente esta dando subsídio para quem precisa? Qual o objetivo maior da transição energética brasileira? Essas discussões de fundo não acompanharam a privatização e estão sendo empurradas com a barriga."

Landau, no entanto, parece não ter feito essas mesmas perguntas durante sua gestão frente ao programa de desestatização. Aloysio Biondi cita Landau em seu livro (trecho reproduzido a seguir), “O Brasil privatizado: Um balanço do desmonte do Estado”, de 1999.

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“Não verás país nenhum

Numa sexta-feira, cinco dias antes do leilão de ‘privatização’ da Cemig, empresa de energia de Minas Gerais, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto revolucionário. Por ele, o BNDES ficou ‘autorizado’ a – leia-se ‘recebeu ordens para’ – conceder empréstimos também a grupos estrangeiros. Reviravolta histórica – e inconcebível. Criado para dar apoio ao desenvolvimento nacional, o banco estatal se concentrou inicialmente no financiamento a projetos de infraestrutura e, posteriormente, como instrumento de política industrial, recebeu a incumbência de criar condições de competição para grupos nacionais. Para cumprir esse papel, o BNDES estava proibido por lei de financiar empresas estrangeiras. O decreto presidencial de 24 de maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais. Isso ao mesmo tempo que o banco continuava proibido de conceder empréstimos exatamente às estatais brasileiras, incumbidas dos setores de infra-estrutura e básicos. Na quarta-feira seguinte, um grupo norte-americano comprou um bloco de um terço das ações da Cemig por 2 bilhões de reais, com metade desse valor financiado pelo BNDES . Pois é.

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A submissão do governo brasileiro aos interesses de outros países culminou com esse ‘arrombamento’ do BNDES pelas multinacionais. Mas essa submissão estava presente no processo de privatizações há muito tempo – sempre com imensos prejuízos aos interesses do país.

Exemplos:

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• ENERGIA ELÉTRICA – às vésperas do leilão da Light, o governo brasileiro cedeu a uma série de pressões dos ‘compradores’ em potencial. Coube a Elena Landau, diretora de desestatização do

BNDES, e posteriormente diretora de um banco estrangeiro, anunciá-las na linguagem complicada de sempre, para evitar que a opinião pública se apercebesse da gravidade das decisões.

a) Tarifas – enquanto dizia que as tarifas seriam reduzidas para beneficiar o consumidor, o governo já havia concordado em reajustá-las todos os anos, de acordo com a inflação medida pelo IGP – DI (isto é, o governo concedeu reajustes automáticos, indexou). Prazo previsto para essa indexação durar: cinco anos. Prazo anunciado por Elena Landau: oito anos. Mais três anos de reajuste automático.

b) Tecnologia – foi concedida ‘liberdade’ para os compradores adotarem a tecnologia que bem entendessem. Em bom português, o que isso significava realmente? Tecnologia é sinônimo de equipamento. Então, o que o governo deu foi liberdade para a Light e outros futuros ‘compradores’ adotarem tecnologia de suas matrizes, fornecida, é óbvio, pelas fábricas de seus países de origem. Essa concessão trouxe a consequência previsível: as empresas “privatizadas” passaram a importar maciçamente equipamentos, peças, componentes. ‘Quebraram’ a indústria nacional. E ‘torraram’ dólares, contribuindo para a crise futura do real.

c) Endividamento – outra ‘liberdade’ concedida aos compradores: decidirem livremente os meios de financiar seus investimentos futuros, isto é, desapareceu a exigência de que as multinacionais trouxessem capital próprio para aplicar no país. Elas puderam recorrer a empréstimos no mercado mundial, aumentando o endividamento e o pagamento de juros pelo Brasil. Outro fator de derrocada do real.

d) Passa-moleque – finalmente, a senhora Elena Landau foi incumbida de noticiar, também, que o governo havia abandonado o modelo que sempre divulgara para a privatização das empresas de energia. Até então, assegurava-se – inclusive ao Congresso Nacional – que o governo participaria ativamente da gestão da administração das empresas privatizadas. A reviravolta: o governo desistia de ser cogestor, para concentrar-se no papel de fiscalizador do setor. Autonomia total para as multinacionais agirem de acordo com seus interesses. E de seus países.

e) Quem manda no país – com as privatizações, o governo poderia até extinguir o Ministério da Energia, pois ele perdeu qualquer função. Como assim? Também inacreditavelmente, toda a política energética do Brasil passou a ser decidida por uma espécie de ‘condomínio’, como diz o governo, formado pelas empresas de energia agora privatizadas, ou “operadoras”... Seu nome? Operador do Sistema Nacional – ONS . Um ‘condomínio’ que, ao contrário do que os brasileiros pensam, não ficou responsável apenas pelo sistema de transmissão de energia, e do qual a opinião pública veio a tomar conhecimento por causa do ‘apagão’ de março de 1999. Seus poderes são totais: o “condomínio” de operadoras substituiu o governo e passou a decidir onde, quando e como devem ser construídas usinas, quais as regiões prioritárias etc. O problema de tarifas e qualidade de serviços ficou com a Agência de Energia Elétrica, do governo. O resto, com a ONS , das operadoras. Para que Ministério? O governo não manda mais nada mesmo. Nem governa mais.” (p. 57 a 59)

* O arquivo em PDF do livro de Aloysio Biondi “O Brasil privatizado: Um balanço do desmonte do Estado” pode ser baixado gratuitamente no link da Fundação Perseu Abramo.

** O primeiro artigo, em resposta à série da Folha de S.Paulo, pode ser acessado no link A sanha privatista da Folha de S. Paulo.

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