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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Sete de Setembro: uma independência inconclusa

Para além da imagem congelada do príncipe às margens do Ipiranga, a independência deve ser pensada como processo inconcluso

Sete de Setembro: uma independência inconclusa (Foto: Independência do Brasil)

O mito do grito do Ipiranga

O 7 de Setembro é celebrado como o marco fundador da nação brasileira. Nas escolas, na mídia e nos desfiles militares, a cena do príncipe regente às margens do Ipiranga é apresentada como o instante em que o Brasil rompeu com Portugal e conquistou sua soberania. Mas essa imagem heroica esconde muito mais do que revela. A independência proclamada por D. Pedro I foi antes de tudo uma solução negociada pelas elites coloniais para preservar seus privilégios e manter intacta a ordem social baseada na escravidão, no latifúndio e na exclusão popular.

A ausência do povo

A imensa maioria da população não participou da decisão. Para negros escravizados, indígenas e trabalhadores pobres, nada mudou em 1822. O Brasil permaneceu como um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, e as estruturas coloniais de concentração da terra e da riqueza seguiram intocadas. A independência oficial foi feita sem o povo e contra o povo, inaugurando um padrão de poder excludente que ainda marca nossa história.

A verdadeira luta no 2 de julho

Além disso, a narrativa oficial apaga um fato essencial: a independência não se consolidou no 7 de setembro de 1822, mas apenas em 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas foram derrotadas na Bahia. A resistência popular em Salvador, com forte participação de mulheres, negros e setores populares, foi decisiva para garantir a unidade territorial do Brasil. Esse episódio mostra que a independência não foi apenas um ato de elite, mas também um processo de luta popular, embora raramente reconhecido nas comemorações oficiais.

Da dependência portuguesa à dependência inglesa

Outro aspecto esquecido é que a independência teve um preço alto: o Brasil assumiu a dívida portuguesa com a Inglaterra como condição para ser reconhecido internacionalmente. Em vez de plena soberania, nasceu um país já submetido ao capital estrangeiro. Essa lógica de dependência externa se perpetuou ao longo dos séculos e ainda hoje limita a capacidade do Brasil de decidir livremente seu destino econômico.

Um 7 de Setembro popular

Resgatar o sentido do 7 de setembro de forma crítica é entender que a independência continua sendo uma tarefa inacabada. Não basta relembrar o passado; é preciso olhar para o presente. A cada ano, o "Grito dos Excluídos" ocupa as ruas para afirmar que só haverá independência verdadeira quando o Brasil superar a desigualdade social, romper com a dependência econômica e afirmar sua soberania de forma popular e democrática.

Para além da imagem congelada do príncipe às margens do Ipiranga, a independência deve ser pensada como processo inconcluso. O 7 de Setembro marcou um começo, mas não o fim da luta. O 2 de Julho na Bahia mostra que sem mobilização popular não há liberdade real. O desafio permanece: conquistar uma segunda independência, social e econômica, capaz de garantir voz, direitos e dignidade ao povo brasileiro.

Soberania ferida no século XXI

Duzentos anos depois, o Brasil segue enfrentando pressões externas que reduzem sua autonomia. A nova onda protecionista liderada por Donald Trump, com tarifas punitivas contra o café, a carne, o suco de laranja e até os aviões brasileiros, é um exemplo eloquente de como nossa soberania segue vulnerável. Não se trata apenas de disputas comerciais, mas de uma estratégia geopolítica que coloca o Brasil de joelhos, punindo-o por buscar alternativas energéticas, ampliar a cooperação com o BRICS e adotar políticas externas independentes.

Trump fere a autonomia nacional ao impor, de fora, os limites de nossa política industrial e comercial. Da mesma forma que, em 1822, a independência foi condicionada ao pagamento de dívidas à Inglaterra, hoje a soberania é ferida pelo uso do comércio, das finanças e até da tecnologia como armas de coerção. A história parece ecoar: independência formal sem verdadeira emancipação econômica.

Para além da imagem congelada do príncipe às margens do Ipiranga, a independência deve ser pensada como processo inconcluso. O 7 de Setembro marcou um começo, mas não o fim da luta. O 2 de Julho na Bahia mostra que sem mobilização popular não há liberdade real. E os ataques atuais de Trump à soberania brasileira lembram que ainda precisamos conquistar uma segunda independência — uma independência que seja social, econômica e política, enraizada no protagonismo popular e na integração solidária com os povos do Sul Global.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.