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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Shalom e Salam: a chegada de Biden e uma nova fagulha de esperança para a paz entre Israel e Palestina

Aqueles que conhecem meu trabalho enquanto analista e ativista político sabem que uma das causas de minha vida é a causa Palestina; a busca por Justiça Social e Direitos Humanos a todos que vivem no tão conturbado abençoado-demonizado Oriente Médio. Enquanto judeu esquerdista e progressista, a solução deste conflito – embora às vezes pareça distante, irrealista e até utópica – me é algo tão essencial, que uma nova fagulha de esperança já deve ser comemorada.

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Aqueles que conhecem meu trabalho enquanto analista e ativista político sabem que uma das causas de minha vida é a causa Palestina; a busca por Justiça Social e Direitos Humanos a todos que vivem no tão conturbado abençoado-demonizado Oriente Médio. Enquanto judeu esquerdista e progressista, a solução deste conflito – embora às vezes pareça distante, irrealista e até utópica – me é algo tão essencial, que uma nova fagulha de esperança já deve ser comemorada.

Pois bem, após nos livrarmos – ao menos por ora – da maior ameaça ao planeta, às Democracias e aos Direitos Humanos desde Hitler, vemos agora um senhor decente assumir a Casa Branca e se tornar um dos mais importantes e poderosos homens do mundo. É o ideal? Não, não foi Bernie Sanders quem venceu, mas Biden é o que temos para o momento e diante das circunstâncias já está bom demais. E especificamente com relação ao conflito Israel-Palestina, sabemos o quão imensa é a influência estadunidense para o bem e para o mal, graças ao compromisso financeiro que esta nação possui com Israel, que se dá por motivos históricos e pelo fato de que este é o país em que vivem mais judeus no mundo (tirando a própria Israel). Portanto, passada uma semana da posse de Joe Biden, é com alegria que enxergamos ao menos embriões de perspectivas acerca desta temática.

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Mas antes de ir a ela, quero deixar claro à cara leitora e ao caro leitor, o quão nocivo à causa em questão foi Trump ao longo de seu mandato. Bem, primeiramente, devemos partir da realidade de que desde 2009 Israel possui o mais destrutivo primeiro-ministro de sua história, Benjamin Netanyahu. E quando digo “o mais destrutivo”, digo não somente para palestinos, mas para judeus também, afinal ele fere ininterruptamente a identidade do povo e do país, semeando uma discórdia que não somente é colhida no presente, mas será, acredito eu, ainda mais catastrófica nas gerações por vir.

Não irei neste artigo me estender sobre este cidadão, afinal já o fiz em outros anteriores. Cabe aqui somente lembrar que Netanyahu é a pessoa responsável por aniquilar qualquer possibilidade e expectativa de vermos a paz entre judeus e palestinos ser concretizada. Discussões e diálogos acerca deste tão complexo assunto, que estavam à mesa, foram simplesmente cancelados. As ocupações do território palestino da Cisjordânia se tornaram pauta principal da política netanyahista. E assim, apelando para uma nova espécie de nacionalismo israelense baseado no conceito “eles são o perigo e eu sou a segurança”, Bibi (como é conhecido o sujeito) se tornou o mais longínquo líder de Israel – uma espécie de rei moderno, com direito a expansionismo e controle (quase) absoluto do cenário político da nação.

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Pois bem, há tempos afirmo que quem segue a linha de pensamento de que nos EUA Democratas e Republicanos são tudo a mesma coisa, está completamente enganado. E esta premissa serve sobretudo para a questão do Oriente Médio. Obama e Netanyahu possuíam uma relação terrivelmente conturbada e até inimistosa. O ex-presidente estadunidense chegou a afirmar que lidar com o israelense era como lidar com um rival Republicano, enquanto um de seus conselheiros, Ben Rhodes (que é judeu, inclusive), declarou publicamente que Netanyahu é uma pessoa desonesta em sua administração.

Obama e os Democratas que estavam ao seu lado contiveram Netanyahu o quanto foi possível – ainda que este “possível” tenha sido muito pouco. As anexações na Era Obama cresceram também. Mas quando Trump venceu as eleições em 2016, Bibi certamente abriu uma garrafa de vinho israelense produzido em terras ocupadas para comemorar esta grande vitória em sua trajetória. Sim, ele sabia que teria não somente sinal verde para prosseguir com qualquer barbaridade que desejasse, mas também teria lugar de destaque na cúpula da ultra-direita mundial liderada pelo clown ianque. (Lembrando que o energúmeno que (des)preside o Brasil também fazia parte de tal cúpula, mas estava mais para capacho do que para membro de honra, como Netanyahu.)

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Enfim, não deu outra. Muito do que o “rei” israelense desejava, foi conquistado. Desde o início Trump ignorou completamente a existência dos palestinos; reconheceu Jerusalém como capital de Israel (uma tapa na cara de qualquer um que deseje iniciar negociações de paz); encerrou a missão diplomática da Organização para a Libertação da Palestina em Washington; fechou o consulado dos EUA em Jerusalém, que servia de embaixada para os palestinos em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Gaza; incentivou veementemente mais anexações israelenses na Cisjordânia; e por fim sugeriu um unilateral “Plano de Paz”, uma proposta ofensiva e patética ao mesmo tempo. De quebra, ainda retirou os EUA do Acordo Nuclear do Irã e humilhou diversos países árabes através do “Muslim ban” (poupando aqueles em que ele possuía business pessoais, é claro). Ou seja, foram quatro anos produtivos para Netanyahu e a direita/extrema-direita de Israel.

Sobre as anexações os números não mentem. O jornal Times of Israel publicou em 27.01.21 que “a população de colonos da Cisjordânia aumentou durante a era Trump. Dados do governo mostram que o número de israelenses vivendo além da Linha Verde (fronteira com a Cisjordância) cresceu cerca de 13% desde o início de 2017, enquanto a população geral de Israel cresceu apenas 8%”. Já o Infographic da Al Jazeera aponta que durante os oito anos de governo de Obama, o número de colonos israelenses vivendo em terras ocupadas cresceu em uma média de 12.500 por ano, enquanto durante os quatro anos de Trump, cresceu 21.000 por ano, o que configura um aumento de 68%.

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Mas além do caráter absolutista e as ambições ditatoriais, Netanyahu e Trump possuem algo mais em comum: a corrupção. Bem, sobre Trump, provavelmente o presidente mais corrupto e que cometeu mais crimes de responsabilidade na história dos EUA (o que lhe concedeu a “honra” de se tornar o primeiro a sofrer impeachment na Câmara dos Deputados por duas vezes), não vou me estender, afinal ele não é o cerne deste artigo. Já Netanyahu (apelidado por seus opositores de “crime-minister”, ministro do crime, ao invés de “prime-minister”, primeiro-ministro), indiciado por corrupção em ao menos quatro diferentes processos, parece se esforçar para seguir os mesmos passos do clown. Nos últimos quatro anos – período que “surpreendentemente” também coincide com o mandato de Trump – a corrupção em Israel aumentou de ano a ano, segundo o órgão Transparency International, que apresenta um índice mundial de percepção da corrupção. Israel se encontra praticamente no meio da tabela, com 60 pontos (onde 100 é nada corrupto e 0 é totalmente corrupto).

Enfim, após longa introdução, partamos então às notícias positivas. A administração de Biden já anunciou que reabrirá os escritórios fechados por Trump e retomará o diálogo com a Autoridade Palestina. Falando virtualmente ao Conselho de Segurança da ONU (em 26.01.21), o embaixador dos EUA nesta organização, Richard Mills Jr., deixou muito claro qual é o direcionamento da política a ser tomada:

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“Sob a nova administração, a política dos Estados Unidos será apoiar uma solução de dois estados mutuamente acordada, uma na qual Israel vive em paz e segurança ao lado de um Estado Palestino viável. A fim de promover esses objetivos, o governo Biden restaurará o envolvimento dos EUA com os palestinos e também com os israelenses. Isso envolverá a renovação das relações dos EUA com a liderança palestina e o povo palestino.”

E não para por aí. Ele abordou também a questão do auxílio financeiro aos palestinos, fundamental sobretudo agora, em tempos de pandemia. O criminoso Trump havia suspendido tal auxílio. Anualmente os EUA contribuíam com cerca de 300 milhões de dólares à UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo - Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria). Ao que tudo indica, Biden retomará este essencial subsídio. Miller disse:

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“O presidente Biden deixou claro que pretende restaurar os programas de assistência dos EUA que apoiam programas de desenvolvimento econômico e ajuda humanitária ao povo palestino, e tomar medidas para reabrir as relações diplomáticas que foram fechadas pelo último governo dos EUA.”

O discurso de Mills foi praticamente perfeito, afinal ele ainda salientou que tais medidas são positivas para os dois povos:

“Não vemos essas medidas como um favor à liderança palestina. A assistência dos EUA beneficia milhões de palestinos comuns e ajuda a preservar um meio ambiente estável que beneficia tanto palestinos quanto israelenses.”

Enfim, há muito o que fazer. E acredito que Biden iniciou este trabalho de maneira muito satisfatória. O que virá no futuro, o tempo dirá. Espero não me decepcionar. Ao meu modo de ver, ele deve antes de mais nada deixar claro para Netanyahu que baterá de frente com ele durante os próximos quatro anos. Deve fazer de tudo para frear as anexações. Deve reconstruir relações com a Autoridade Palestina. Deve construir relações com membros centristas e esquerdistas do parlamento israelense. Deve dar ouvidos e crédito aos judeus estadunidenses democratas, que são absoluta maioria em seu país e o ajudaram a ser eleito (77% para Biden e somente 21% para Trump). E deve encorajar os outros países árabes a se envolverem com a causa palestina, ao invés de criar com estes uma esfera de interesses pessoais que, pelo contrário, acaba por configurar um imenso desfavor à causa, como fez Trump.

Em meio à terrível ascensão do Neonazifascismo que tomou parte do mundo, vimos uma reação histórica nos EUA. Em janeiro de 2017 a nação estava dominada em suas três casas (Presidencial, Senado e dos Deputados) por Republicanos dos mais extremistas possíveis. E em janeiro 2021 as mesmas três casas estão controladas por Democratas. Se algo assim foi possível, devemos alimentar também a esperança – ainda que contida – de vermos Netanyahu cair nas próximas eleições israelenses (23.03.21), um novo líder mais razoável e menos nocivo se tornar primeiro- ministro e Biden realizar o trabalho de mediação que esperamos do presidente dos EUA. As coisas mudam tão rapidamente para pior no mundo, que devemos acreditar que elas podem, ao menos às vezes, também mudarem para melhor.

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