Camilo Irineu Quartarollo avatar

Camilo Irineu Quartarollo

Autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia.

125 artigos

HOME > blog

Sigam o dinheiro!

Comprovadamente, há meios discretos e mais eficientes de chegar a criminosos do que as operações violentas recentes

Sigam o dinheiro! (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

No livro Incidente em Antares, último de Érico Veríssimo, pai de Luis Fernando, os mortos insepultos se levantam e entram na cidade. Visitam seus parentes e as mazelas dos viventes. Pelo realismo fantástico, o livro fala do Brasil e da ditadura militar dos anos sessenta.

A realidade atual é mais crua, dorida e midiaticamente cínica. O governador Cláudio Castro veio a público cantar vitória do sangue que descia das ruelas do Morro do Alemão. Dos sessenta corpos assinalados no rol de criminosos, o governador se esqueceu dos corpos jazendo na mata — inclusive um decapitado — os quais, insepultos, fizeram dobrar o número oficial. Apareceram nos jornais do dia seguinte, perfilados para reconhecimento, pendentes de autópsia. Pais e mães, órfãos do Estado carioca, pegaram seus mortos para pranteá-los. Contudo, são acusados de mexer no local e em “evidências”!

Que adianta matar tanta gente, por mais bandidos que fossem? Se o governador deixar correr solto o contrabando de combustíveis e armas, a fraude tributária, o combustível “batizado” e grupos irrigados por negócios escusos, essas operações somente afetarão moradores indefesos entre fogos. Se essa violência toda resolvesse, esses grupos teriam acabado há três décadas.

A PF tem desmantelado grupos criminosos sem disparar um único tiro, sem invadir morros cariocas ou baixadas paulistas, sem pirotecnia. Numa ação de segurança efetiva exige-se um campo neutro, onde os moradores não fiquem expostos a tiros e bombas. Sem esculachar o detido, sujar ou rasgar suas roupas, matar, torturar ou exibir mortos ou “poder de armas”, o crime é sufocado pela PF por meio de operações técnicas e altamente sofisticadas — inteligentes.

O lugar de captura de chefões do tráfico não será em meio a tiroteios, mas num hotel cinco estrelas, num encontro casual, num iate, num cassino, num banco, numa praia deserta. Numa dessas operações, a PF chegou até pessoas riquíssimas da chamada Faria Lima, no centro de São Paulo. Esse tipo de operação não será num morro com crianças e mulheres assustadas, incorrendo no crime de periclitação de vidas.

Essas operações da PF têm seu tempo, sem improvisos. Com preparo requerido para ação eficiente e segura, sem “efeitos colaterais” nem espalhafatosos. Não é para corrida eleitoral; é ação efetiva para estrangular as finanças do crime, não para cabeças decepadas ou pés de chinelo mortos sobre os quais candidatos possam pôr as botas. Que adianta exibir a cabeça de algum chefão do morro? Sempre aparece outro ali, há décadas.

Comprovadamente, há meios discretos e mais eficientes de chegar a criminosos do que as operações violentas recentes: seguir o dinheiro! Elas incluem ações de inteligência, cruzamentos digitais que descobrem lavagens de dinheiro, enriquecimentos vertiginosos de “laranjas”, rotas de circulação de veículos terrestres e marítimos, fluxo de dinheiro e armas, dados bancários de “empreendedores sortudos” e a ostentação nas redes sociais de vaidosos ou “vencedores” em seus respectivos perfis.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.