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Mario Vitor Santos

Mario Vitor Santos é jornalista. É colunista do 247 e apresentador da TV 247. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.

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Só ruptura da omissão do Brasil no apoio à Venezuela pode evitar a guerra total de Trump contra o vizinho

É óbvio que os Estados Unidos querem usar a Venezuela como exemplo para o hemisfério. E estão usando o Brasil também, no sentido oposto

Nicolás Maduro, Donald Trump, navio anfíbio USS Iwo Jima navegando no mar do Caribe e o mapa da América do Sul ao fundo (Foto: Divulgação I Logan Goins/Marinha dos Estados Unidos)

Nada pode justificar uma omissão do Brasil em relação aos crimes de guerra que o império de Donald Trump vem cometendo contra a vizinha Venezuela, neste que constitui o maior ataque direto à soberania e à paz na América Latina desde a guerra das Malvinas, em 1982.

A Venezuela é alvo assumido de atos de pirataria contra navios que transportam seu petróleo, praticados à margem da lei, aos olhos do mundo.

Protestos tíbios numa situação dessas são inócuos, quando não contribuem para incentivar a escalada.

Há muito as ameaças transformaram-se em ações. Há mortes, prejuízos materiais, um bloqueio comercial, ameaças repetidas de invasão; enfim, a realidade da guerra, a rigor, já começou, com todo o receituário de arrogância unilateral e não provocada.

Diante disso, o governo brasileiro tem adotado uma atitude tão positiva quanto ineficaz, de busca pela negociação para o cessar das agressões contra a Venezuela.

Acima de tudo, porém, o Brasil tem o dever moral e a estatura requerida para repelir enfaticamente a ruptura da paz pelos Estados Unidos.

Se o Brasil não abomina a agressão nos termos mais duros, estará facilitando a guerra. Não existe meio termo quando vidas estão sendo ceifadas às dezenas, e milhões de venezuelanos estão ameaçados, sob a mira dos canhões estadunidenses.

Em segundo lugar, o Brasil deve solidarizar-se de maneira clara e ampla porque a Venezuela é um país pacífico, amigo e vizinho de fronteira comum. Ademais, não deve tergiversar, como vem fazendo até agora, na defesa da soberania latino-americana, toda ela também sob ataque.

Eventuais divergências políticas recentes, injustificáveis que sejam, não justificam relativizar a defesa da não intervenção na soberania de outros países.

É óbvio que os Estados Unidos querem usar a Venezuela como exemplo para o hemisfério. E estão usando o Brasil também,  no sentido oposto.

Quem não se submeter, poderá ser atacado da mesma forma que o país caribenho.

Repita-se: o Brasil deve apoiar inequivocamente Venezuela, na defesa da colaboração com um vizinho com quem tem histórico de relações pacíficas, de amizade. Não é possível esquecer a dívida de gratidão do Brasil com a Venezuela pela ajuda oferecida a Manaus na pandemia, quando o vizinho veio, generosamente e com urgência, prover as cargas de oxigênio que a cidade desesperadamente necessitava diante do colapso no seu suprimento.

Acima de tudo, o governo brasileiro não pode dar margem à interpretação de que o Itamaraty e o Planalto usam sua distância e frieza em relação à Venezuela como argumento para aproximar-se de Trump. Lamentavelmente, o governo brasileiro interferiu no processo eleitoral do país vizinho ao não reconhecer o resultado emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano nas eleições de 2024 e ao deixar de parabenizar o candidato vencedor, Nicolás Maduro, como é de praxe. Lula depois disso, por exemplo, parabenizou o direitista Daniel Noboa no Equador.

Além disso, na mesma direção, o Brasil vetou de maneira unilateral a postulação da Venezuela para entrar no BRICS, numa atitude sem justificativa. Seria impensável considerar que essas atitudes estariam de alguma maneira concertadas com a potência hegemônica que deseja isolar e sufocar a Venezuela por sua posição revolucionária, nacionalista e esquerdista.

O Brasil de Lula pode não querer ser revolucionário ele mesmo, mas não precisa discriminar países que passaram ou passam por processos revolucionários. Não vetou Vietnã e Cuba no BRICS, por exemplo. Por que o fez com a Venezuela? Melhor pensar que o fez por idiossincrasia de momento do que pela alternativa geopolítica de uma aproximação com os Estados Unidos, que desejam transformar declaradamente a região em seu quintal. Este não é o caminho para a paz. É óbvio que o silêncio curvado está incentivando a guerra. Ele não está funcionando. O Brasil precisa parar de negar, assumir sua responsabilidade como gigante regional e sair de sua letargia. A oferta brasileira de se apresentar como mediador parece negar a realidade, além de ser usada para justificar a passividade quando ainda há tempo para evitar o pior. Essa omissão de um posicionamento firme do Brasil,  justo quando mais se espera um posicionamento dele, bloqueia a ampliação da solidariedade continental e global ao país atacado.

É uma incrível fuga às responsabilidades regionais de liderança do Brasil. Se Lula não der um basta, o Brasil estará renunciando a suas obrigações morais e políticas e os Estados Unidos sentir-se-ão incentivados a continuar. Outros países, inclusive de fora da América Latina, como China, Rússia e Irã, estão fazendo o contraste, assumindo posições firmes ao lado venezuelano contra a agressão. Sairão perdendo a paz e o povo venezuelano. Uma posição firme do Brasil ao lado da Venezuela pode conter a progressão da guerra. A continuidade de sua omissão, sob o biombo das meias palavras e o teatro da negociação, acarretará o desastre do conflito total.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.