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Camilo Irineu Quartarollo

Autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia.

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Sobras de Natal

A despeito de convencer, disse o cardeal Odilo: "pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome". Então, Cardeal, o natal é um hábito de ricos?!

Padre Júlio Lancellotti (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Natal é tempo de coisas novas. De renovação dos guarda-roupas e, se diz, dar embora o usado... aos pobres. Os moradores de rua, enfatiza padre Júlio, “são os descartados”. Quando eles recebem coisas novas “eles estranham”. Assustam-se com roupas de loja para uso exclusivo deles mesmos. Quase sempre, têm de pensar em como reagir diante dos transeuntes inamistosos. Esclarece Júlio: “procuro conviver, quebrar a incomunicabilidade”.

Nessa convivência atenciosa, a recíproca é verdadeira. “Padre, sente-se aqui, o senhor está cansado. Quer ajuda?” O já idoso de setenta e seis anos com sua bengala, ao atravessar as ruas movimentadas da Mooca sempre tem um anjo desses com ele, ajudando-o. Os moradores de rua, quando têm força física e conseguem algum bico, como para descarregar um caminhão de melancias, voltam com contribuições espontâneas e insistentes para a obra do padre.

Aos que gostam do evangelho não precisam recorrer às páginas amareladas. Ei-lo aí a poucos passos da calçada. Dois mil anos em dois minutos.

Há muitos padres-cantores, abençoados pelos púlpitos e pela TV, com cachês que superam R$ 1 milhão, conforme o Globo 100. Tais padres “bonitões” do público, arrastam corações e vendem terços, camisetas, bonés, livros de autoajuda, medalhinhas bentas, viagens a lugares santos e tudo mais que se acredite. Entretanto, o que incomodou o cardeal Dom Odilo foi um padre rueiro obstinado, da igreja São Miguel Arcanjo, da Mooca, zona leste de São Paulo. O padre Júlio Lancelotti, pasmem, distribui roupas novas, cuecas, calcinhas, pães, panetones e cuidados a essa gente à sombra do mercado capitalista.

O pão que o cardeal Odilo ofereceu em 2017 é vergonhoso. Foi com o prefeito Dória apresentar um pão de sobras, o alimentício feito de produtos de validade quase vencida, descartados pela indústria. A tal “ração humana” ou “farinata” era consumida como pão no Café da Cúria Metropolitana de São Paulo.

A despeito de convencer, disse o cardeal Odilo: "pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome". Então, Cardeal, o natal é um hábito de ricos?! Quem são os convidados à grande ceia de Cristo?

Pessoas de bom senso como pe. Júlio, respaldados cientificamente pelo Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-3) criticaram a iniciativa, devido a se desrespeitar o direito humano à alimentação adequada e saudável.

Culpam o padre Júlio pela existência dos moradores de ruas e de que “defenda bandido”! Porém,  na Faria Lima, principal avenida de São Paulo, de grandes edifícios iluminados, donos do dinheiro que mandam na taxa Selic, a população de rua cresce a olhos vistos. A quilômetros da Mooca do padre Júlio. Em outros bairros paulistanos também aumenta a população de rua.

Na nossa Piracicaba, cuja realidade não é nenhum luxo de justiça social, também avançam economicamente sobre a orla do rio e corpos d’água, sobre árvores e meio ambiente, excluindo a presença humana dos centros urbanos com altas taxas de IPTU. A quem der marmita aos pedintes impõe-se multa pesada.

Padre Júlio fez um chamamento contra essas desumanidades em Piracicaba, vide redes digitais. Nesse domingo, a missa do padre na Mooca bateu recorde de público. Os internautas católicos, contrariando a vontade e a pompa de D. Odilo, retransmitiram tudo pela internet.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.