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Hildegard Angel

Jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do militante político Stuart Angel Jones

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Sobre a extinção da Comissão dos Mortos e Desaparecidos

Enquanto vivos estivermos todos nós, os que lembram, os que temos coisas ainda a revelar, a História permanecerá viva e permanentemente recordada e relatada

Bolsonaro com militares (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)
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Por Hildegard Angel, para o 247

Surpreendeu-me que essa extinção ocorra nos últimos dias, pois supus que o Governo do Partido Militar tomasse a providência no primeiro dia, pois sempre foi o projeto. 

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Mais do que o projeto, foi o principal pretexto e a principal motivação para que os militares das três armas se reunissem ao longo de anos, discutindo uma estratégia de sua recondução ao poder, isto é, seu retorno ao mando, sem pagar o ônus de serem ditadores golpistas. Lembremos que o preço da desmoralização internacional foi alto para os governos militares autoritários da “Redentora”.

Como diriam os franceses, deixaram a entrée para o dessert. No entanto, esqueceram-se do prato principal: para exterminar a verdade histórica, precisariam eliminar todos os historiadores, os pensadores, os intelectuais, os cientistas, os artistas, a cultura. Um grande extermínio da inteligência brasileira.

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Dentro do prévio planejamento realizado, esse grande extermínio do pensamento ocorreria através da militarização do ensino do Brasil, militarização das escolas, distribuindo para as crianças e a juventude, em vez dos livros de História, as cartilhas das academias militares, em que é ensinado aos cadetes que a ditadura foi Revolução, que o terrorismo de estado foi um terrorismo de guerrilheiros comunistas, que não foi golpe, foi guerra, e que eles, detentores dos armamentos, dos tanques, canhões, treinamento, metralhadoras, fuzis, eram bem intencionados defensores da Pátria, cumprindo seu papel patriótico no confronto de arruaceiros, maconheiros, estudantes capitaneados pela UNE, gente perigosíssima. Isso, na cartilha deles. 

Na cartilha da realidade, as armas dessa resistência juvenil resumiam-se a um balde com cal ou tinta preta para rabiscar “Abaixo a Ditadura”, nos muros dos cemitérios, e coquetéis molotov caseiros para se defenderem das patas e dos cassetetes da cavalaria armada. 

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Com o acirramento das prisões, sequestros, torturas, mortes, desaparecimentos, perseguições, os jovens acuados foram se organizando, sua resistência recrudesceu, inicialmente apenas pelo direito de protestar nos campi das universidades e fazerem oposição. Na medida em que eles foram perseguidos, proibidos de estudar, obrigados à condição de foragidos, e quando pegos barbaramente trucidados, partiram para uma incipiente resistência armada. Alguns gatos pingados – “nos cueiros”, dizia-se – a maioria sequer tendo feito serviço militar (pois, quem podia e tinha algum “conhecimento”, escapava dele pelo eufemismo do “excesso de contingente”).  

A própria ocupação militar do Brasil incentivou o crescimento da resistência contra ela. A ocupação precisava de um “inimigo interno” para se justificar e se estender indefinidamente no poder, desfrutando de suas regalias. 

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Lotearam mais de duas décadas de mando entre vários generais, cada um ficando com seu quinhão de cinco anos. Cinco presidentes, cinco gabinetes, cinco formações de ministérios completos, e todos os seus penduricalhos. Um strike de colocações. Cinco naipes de presidências de estatais, autarquias, serviços, fundações, departamentos, organismos, cinco tudo de tudo. 

Sem esquecer as embaixadas, os consulados, os institutos. Um organograma de gabinetes, presidências, assessorias. Sempre haveria, no “armário Brasil”, um cabide para se pendurar mais um/a cunhado, primo, amante, sobrinho, vizinho, companheiro de carteado, isto é, para ele pendurar o paletó na cadeira e não ir trabalhar. Ir jogar peteca na praia, por exemplo.

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Afora a matança dos porões, a enxurrada de sangue correndo pelos ralos dos quartéis e câmaras de tortura, a censura, a opressão, as perseguições, a destruição de carreiras e vidas, os exílios involuntários, a submissão (obrigatória para a sobrevivência), houve naquele período de 21 anos uma coisa que infelizmente não mais há no Partido Militar: Nacionalismo. Temos que reconhecer. 

Houve técnicos em cargos técnicos, houve educadores na Educação, houve cultos na Cultura, houve médicos e cientistas na Saúde. Comunicadores na Comunicação. Todos sob o tacão da submissão ou coniventes com aquele estado de coisas. Mas houve.

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No Governo Bolsonaro não houve nada disso. Houve hienas, devorando o que pudessem devorar, agarrando o que pudessem agarrar, destruindo o que pudessem exterminar. Ficaram tão entretidos nesse saque generalizado, que se esqueceram da meta principal: extinguir a Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Fizeram agora, na saideira.

Porém, enquanto vivos estivermos todos nós, os que lembram, os que temos coisas ainda a revelar, essa História permanecerá viva e permanentemente recordada e relatada.

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