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Leonardo Avritzer

Professor de ciência política na UFMG

23 artigos

blog

Sobre a suposta polarização

"Brasil tem um centro político cuja característica principal nos últimos anos foi de se eximir de defender as instituições democráticas e a Constituição de 1988 dos ataques que ambas têm sofrido por parte dos setores conservadores", escre o professor de Ciência Política da UFMG Leonardo Avritzer

(Foto: Reuters)
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Por Leonardo Avritzer 

(artigo originalmente publicado no site A Terra é Redonda)

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A soltura do ex-presidente Lula da cela onde se encontrava preso na Polícia Federal em Curitiba, decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação do artigo cinco da Constituição, assim como dos enormes desmandos e ilegalidades perpetrados pelo Ministério Público, enfraqueceram o discurso da impunidade entre aqueles que desejavam que ele continuasse preso.

Afinal, difícil defender este argumento com base no que hoje sabemos sobre a operação Lava Jato e o conluio que ela patrocinava entre Ministério Público e o ex-juiz federal Sérgio Moro. Imediatamente surgiu uma nova narrativa argumentando que a libertação de Lula reacendia a polarização na sociedade e na política no Brasil.

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O conceito de polarização tem dois significados principais, um primeiro tem como ponto central o senso comum significando apenas “divergência de atitudes “políticas” entre extremos ideológicos” a definição da Wikipedia que tem sido usada pela grande maioria dos jornalistas e colunistas políticos. Porém, a polarização é um fenômeno muito mais complexo expresso de forma mais adequada pelo aumento da distância entre os diferentes polos políticos, já que extremos sempre existem e sua existência não parece ser o problema. O problema ocorre quando a distância entre direita e esquerda aumenta e a questão analítica é entender o significado dessa ampliação.

Em 2014, Jane Mansbridge, então presidente da APSA, Associação Americana de Ciência Política, constitui uma força-tarefa para analisar a questão da polarização na política nos Estados Unidos. No livro em que diversos autores comentaram o resultado do trabalho duas questões de extrema relevância foram apontadas. Elas são válidas para o Brasil hoje.

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Em primeiro lugar, apesar da ilusão de que os dois partidos dos EUA, democratas e republicanos, se moveram para os extremos, os dados da força-tarefa mostraram que o movimento à direita do partido republicano correspondia à quase totalidade do movimento polarizante; em segundo lugar, os resultados do trabalho mostravam que apesar de uma grande parte da mídia apontar a polarização como um movimento partidário ele tinha uma forte ancoragem em uma movimentação da esfera pública (os resultados foram publicados no livro Political Polarization in American Politics).

Vale a pena utilizar esse trabalho para entender os gritos contra a renovação da polarização emitidos pelos atores midiáticos brasileiros. A despeito de quase tudo o que se escreve sobre polarização enquanto disputa entre extremos, o Brasil pode ser situado na mesma posição que os Estados Unidos no que diz respeito à polarização política. Ela tem origem no crescimento ou na radicalização da direita brasileira.

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Questões como a tentativa de reabilitar o regime autoritário, o elogio da tortura, o ataque contra os direitos humanos e a reação ao ambientalismo vêm de um campo político muito bem delimitado. Se essas questões aumentam a distância entre os polos é porque a direita resolveu trilhar novamente caminhos antes interditados. Assim, temos um caso de ampliação da distância entre direita e esquerda provocado pela radicalização à direita dos setores conservadores no nosso país.

Vale a pena analisar o nosso centro, em pânico desde saída do ex-presidente Lula de Curitiba. O Brasil tem um centro político cuja característica principal nos últimos anos foi de se eximir de defender as instituições democráticas e a Constituição de 1988 dos ataques que ambas têm sofrido por parte dos setores conservadores. A adesão ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e ao governo Temer colocaram o centro em uma posição difícil porque deixou clara uma adesão seletiva à questão da luta contra a corrupção. Ninguém evidenciou mais essa seletividade que o ex-presidente Temer.

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Jair Bolsonaro apareceu assim como uma solução de extrema direita que associou Lava Jato, mercado e ataques à democracia. O papel do centro e principalmente da grande imprensa foi relativizar esses ataques tentando colocá-los em uma perspectiva de ataques à democracia pela direita e pela esquerda. O melhor exemplo foi o Jornal Nacional do dia seguinte ao primeiro turno da eleição de 2018, no qual se equiparou fechar o STF e pedir revisão constitucional.

A afirmação de uma radicalização por igual dos extremos não se sustenta. Pelo contrário, tanto o Partido dos Trabalhadores quanto o ex-presidente Lula têm aceitado decisões polêmicas da justiça desde 2015. A condenação de Lula tingida de elementos políticos, que se segue até hoje com a decisão estapafúrdia do TRF-4 em relação ao sítio de Atibaia, é apenas mais uma comprovação desta coalizão atípica na qual mercado, defensores do AI-5, e inimigos do Estado de direito se juntam para atacar a democracia no Brasil. Assim, o problema não é que existem extremos, mas o que são as relações de cada um dos polos com a democracia.

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A reorganização de um centro democrático no Brasil não pode prescindir de uma esquerda democrática, ou fracassará rotundamente. A recuperação da economia, junto com uma agenda pró-direitos que tenha impacto positivo sobre a vida da população pobre e por ultimo uma agenda ambiental que permita cuidar da Amazônia, dos rios e da costa brasileira, simultaneamente maltratados pelo capitão presidente e seus aliados, só será realizada se o Brasil não sucumbir ao discurso fácil da polarização e encontrar os elementos que unem aqueles que defendem a tradição democrática.

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