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Carlos Hortmann

Professor, filósofo, historiador e músico.

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Sobre derrubar e queimar estátuas de racistas e escravocratas!

Ao confrontarmos a memória da classe dominante, ao derrubarmos ou queimarmos tais símbolos, de uma forma estamos a questionar e colocar em causa as estruturas sociais vigentes

(Foto: Reprodução)
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Decidi escrever alguns pontos que no meu entendimento são fundamentais para se compreender as intervenções que derrubaram, ou no caso brasileiro, colocaram fogo em estátuas símbolos da escravidão, do racismo e de muitas outras violências, genocídios e opressões.  

1. Essas estátuas (ou monumentos) nem sempre estiveram onde estão e foram colocadas lá com algum objetivo e propósito específico. Pode parecer estranho estar a dizer tal coisa, mas a força do cotidiano e dos hábitos nos induz a acreditar (falsamente) que as coisas sempre existiram. Não há nada na vida em sociedade que não seja uma construção humana; 

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2. Nesse sentido parafraseio o intelectual e jurista Sílvio Almeida. Isto é, a tomada de decisão de construir uma estátua de um racista é um ato político, assim como a ação de destruí-la ou questionar a existência da mesma num espaço público é também um ato político. Uma pergunta fundamental: qual é o interesse do grupo social que teve a iniciativa de erguer a estátua de um estuprador/violador e assassino de indígenas?

3. Essa pergunta leva-nos a fazer uma distinção importante. Ouve-se muito da direita liberal-capitalista (e também da esquerda social-liberal) que não podemos apagar essas pessoas da história, visto que elas fazem parte. Acredito que seja bastante lógico uma distinção entre fazer parte (no rol das maiores barbáries da humanidade) e a decisão de homenageá-los no espaço público nas suas mais variadas formas. Portanto, tomar a iniciativa (política) de levantar uma estátua, como a do escravocrata inglês Edward Colston (Bristol), esse grupo social (classe dominante) quer de alguma forma perpetuar na memória e no imaginário social que a escravidão “pode ter acabado”, mas os interesses dos escravocratas e colonialistas, hoje metamorfoseados de liberais-capitalistas, vulgarmente conhecido como burgueses exploradores, continuam vivos e a serem representados;

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4. Por que aqueles que tiveram a “grande ideia” de fazer uma estátua do Borba Gato, não fizeram estátuas do mesmo tamanho das milhares crianças/meninas que foram estupradas por esse bandeirante colonialista? E das milhares de vítimas indígenas (e negras/os também) que foram mortas por Borba Gato e a sua turma? Posso responder de forma taxativa. Mostrar a barbárie que foi a colonização externa (portuguesa) e a colonização interna levada a cabo pelos bandeirantes racistas não contribui em nada na perpetuação dos interesses da classe dominante vigente no Brasil contemporâneo. Por isso que colocar fogo no lixo da estátua do Borba Gato deixa a burguesia brasileira, em especial a paulista de cabelo em pé, ao ponto de prenderem Paulo, o Galo, Lima e a sua companheira Géssica Lima – para servir de exemplo para outras/os que têm a mesma vontade ou desejo;

5. Ao confrontarmos a memória da classe dominante, ao derrubarmos ou queimarmos tais símbolos, de uma forma estamos a questionar e colocar em causa as estruturas sociais vigentes. Ou seja, apontamos para aquilo que todos os dias a ideologia (enquanto instrumento de dominação) procura ocultar. Que por trás de cada bandeirante há milhares de mortos, um genocídio e rios de sangue e sofrimento no qual o Brasil foi e vem sendo construído até os dias de hoje. Não há colonialismo sem racismo e o comércio, repito, comércio de seres humanos na condição de escravo como forma de acumulação (primitiva) de capital. Não existe capitalismo sem o colonialismo e a ideologia racista que o justificou. Não há capitalismo sem uma estrutura patriarcal e machista que oprimi as mulheres; 

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6. O papel que os genocidas, colonialistas e racistas dos bandeirantes e seus similares não são estranhos ao Brasil contemporâneo.  Um país que caminha, infelizmente, para 600 mil vítimas da covid-19; que colocou Borba Gato do tempo presente na cadeira presidencial; que amanhã mais de 100 milhões de pessoas não sabem se vão ter o que comer (insegurança alimentar) e muitas outras barbáries que a classe trabalhadora sofre de forma contante. 

7. A luta de classes e a guerra cultural dá-se em todas as dimensões da vida social, mas principalmente pela memória e símbolos que a classe dominante quer nos impor como verdade histórica. Todas/os que se colocam (e pertencem) na posição de classe “dos de baixo” como diria o Florestan Fernandes, têm o compromisso de assumir a luta de classes no seu tripé fundamental: na relação entre o trabalho e o capital; na luta antirracista/anticolonial e na luta das mulheres pela sua emancipação e supressão de todas as estruturas patriarcais e machistas vigentes na nossa sociedade. Os que se dizem de esquerda e não assumem a integralidade dessas lutas, devem deixar de ser covardes e assumirem-se como liberal-capitalistas e passar para o lado de lá da trincheira; 

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8. Digo tudo isso (em especial o parágrafo anterior) porque vi várias pessoas que enchem a boca para levantar bandeiras da esquerda que encetaram vários movimentos, falas/artigos e ações de condenação do ato que meteu fogo no racista do Borba Gato. A mesma turma que não hesitou em celebrar e partilha ativamente em suas redes socais ações semelhantes nos Estado Unidos da América e na Europa. A desculpa (esfarrapada) é que isso no Brasil seria uma “importação” e de que a luta das periferias (antirracista) seria “massa de manobra” e atrapalharia o Fora Bolsonaro, vacina no braço e comida no prato. Essa visão eleitoralista da luta política consegue responder as seguintes perguntas: quem são as pessoas que passam fome no Brasil hoje? Quem foram as mais infectadas pelo coronavírus? Quem são as que mais morrem em operações policiais? Quem é a esmagadora maioria da população prisional? Como se separa a luta anticapitalista da luta antirracista? Se não quiser responder é porque está mal informada ou é canalha mesmo! 

Finalizo a dizer que cada estátua derrubada ou ardida em chamas é um momento (por mais breve que seja) de se fazer a história contrapelo - no sentido beijaminiano - e apontar para as entranhas da barbárie que foi/é o colonialismo e continua a ser o capitalismo na sua fazer neoliberal. A pobreza, a exploração, a fome, o genocídio, o racismo, machismo e todos os tipos de opressões não são estanhas ao liberal-capitalismo, mas justamente constituinte do mesmo.

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