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Cristiano Addario de Abreu

Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

13 artigos

blog

Sobre Epístolas ao Povo

Atos do Dia 11 de Agosto - Largo São Francisco (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil 247)
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Neste 11 de agosto de 2022, houve no Brasil a leitura pública de uma carta em defesa da democracia em espaços universitários de várias capitais. Tal leitura solene ocorreu nesta data, pois é a data comemorativa da instituição dos cursos superiores no Brasil. E porque em 11 de agosto de 1977, ocorreu na faculdade de direito do Largo São Francisco em São Paulo, a leitura de outra carta, contra o regime militar de então: o território livre da faculdade de direito da USP executou um Ato público, para uma manifestação política pelo fim do regime de exceção que o Brasil vivia então, já a treze anos, com impactos na repactuação nacional que levou no fim do regime militar(1964-1985). A leitura pública deste 11 de agosto de 2022 faz referência a este histórico político, que marcou a repactuação política que culminou na Nova República. 

Pois está ocorrendo uma interpretação sobre estes Atos de 11 de agosto de 2022 que é no mínimo muito curiosa: tal interpretação defende que foi uma efeméride elitista, desprovida de conexão popular, senão irrelevante mesmo. Nesta distopia narrativa, a defesa da democracia virou uma frescura elitista, desprovida de presença popular. Pois antes de mais nada é fundamental lembrar que as camadas populares têm muito respeito e apreço por liturgias e rituais, religiosos e republicanos também. Valorizando o respeito pelas formalidades e ritualísticas. Seguramente muitos dos nossos problemas foram brutalmente alavancados pela campanha Dark de criminalização da política, feito pela mídia corporativa em guerra contra a República e o Estado do Brasil, e a qualquer coisa que os valorizassem. Hoje uma ressignificação do contrato social se faz urgente na convivência pública. A repactuação política, estabelecendo um centro dinâmico político da sociedade, com um compromisso coletivo, precisa ser invocada, lembrada e celebrada coletivamente. Isso nada tem de frescura elitista, sendo toda a regressão econômica vivida pelo povo brasileiro, desde 2016, fruto direto do golpe contra a democracia, golpe este que estilhaçou as instituições, quebrando os pactos da Nova República. E essa conexão entre quebra política e colapso econômico é algo compreendido e identificado facilmente pelas camadas populares.

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Os reclames de que o povo é iletrado e assim avesso a “cartinhas”, menospreza o honestíssimo senso comum, que identifica e conecta as regressões do bolso e da realidade populares, com o desarranjo político vivido desde 2013 pelo Brasil: o povo reconhece tal fato, mesmo sem ter estruturada uma leitura analítica das conexões causais. Como nos ensina a professora Marilena Chauí: quem gosta de baderna é o capital, o povo gosta de estabilidade, como nos anos do PT. E não é de difícil compreensão a ligação entre a crise política nacional, vivida desde 2013, com a explosão crescente das dificuldades econômicas vivida pelo povo. 

Além de terem as camadas populares ânsia de explicações sim: lembremos que carta é um sinônimo das famosas epístolas da bíblia, que são nada mais do que cartas, tendo tais “epistolas” um bimilenar sucesso didático, e comunicacional, com comunidades populares pelo mundo afora. A comunicação epistolar tem um grande potencial de divulgação democratizante de assuntos muitas vezes complexos, que demandam compreensão de públicos com dificuldade de entendimento dos problemas. E também costumam ter mais fácil expressividade oral, permitindo a prática de leituras públicas de tais cartas/epístolas, como foi o caso deste 11 de agosto: se ela foi muito formal, ou se foi mal escutada em alguns pontos, isso é outra coisa.

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Vivemos cada vez mais num mundo em que a compreensão da realidade torna-se um constante, e muitas vezes irritante, desafio intelectual de decifração. O exponencial e irrefreável avanço tecnológico seguirá tornando, cada vez mais, a vida das pessoas comuns uma eterna sensação de se estar cada vez mais perdido num labirinto indecifrável. As Big Pharma, e sobretudo, as Big Tech, são forças monopolistas sobre nossas vidas, frente as quais sem um nível de estudo e preparo minimamente adequado, a vida pode se tornar bastante insuportável. E a base intelectual para entender as forças e impactos destas Big Pharma e Big Tech em nossas vidas não virão de conhecimentos técnicos em informática, ou em farmacologia, mas virão das ciências humanas. Eis aí os grupos de leitura, e sua valorização, eis aí as epístolas(cartinhas) em camadas didáticas, construindo uma compreensão libertadora do irrefreável avanço técnico. Das Big Phama e Big Tech aqui invocadas nos concentraremos nas gigantes privadas de tecnologia digital: a comunicação no Brasil está hoje basicamente monopolizada por empresas norte-americanas de informática, as chamadas Big Tech (Google, facebook/whatzapp, Amazon, Microsoft, Apple...), e não há possibilidade de soberania nacional, sem alguma soberania comunicacional: isso o povo entende! Mas é preciso dizer, estruturar a narrativa, escrever, ler e comunicar. Quanto aos perigos para a democracia destes monopólios mundiais das Big Tech, nós, da Associação dos Pós-graduandos da USP, estamos acumulando um debate sobre a necessidade de meios nacionais para a quebra do monopólio, e para a segurança comunicacional do Brasil. Inclusive propondo na ANPG(Associação Nacional dos Pós-graduandos) uma campanha por um e-mail e um whatzapp(uma plataforma equivalente equivalente) dos Correios, uma forte regulamentação nacional das Big Tech, e a defesa da abertura dos algoritmos das plataformas monopólicas. Construímos um acúmulo de debates na parte itinerante do Congresso da ANPG 2022, com destaque para uma mesa do dia 24/06/2022 na USP, com João Cezar de Castro Rocha, professor da UERJ, e o deputado Orlando Silva, organizada e mediada por este autor, intitulada “Democracia e Comunicação”, dentro do tema “Ciência e Tecnologia em Defesa da Soberania e Democracia Brasileiras”:

https://www.instagram.com/tv/CfMz62xppMW/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

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 E isso é um debate atualismo, sobre democracia e comunicação na Era digital sob o capitalismo monopolista, frente ao qual estamos construindo propostas na universidade, sobre esse novo mundo digital que impacta absurdamente na vida de todos hoje. Contudo, como fenômenos novos da história do tempo presente, é preciso explicar fatos, processos e conceitos... Por exemplo: o que é e como funciona os algoritmos.

 Mas parece que os críticos aos Atos desde 11 de agosto só entendem as camadas populares como consumidores passivos de direitos que lhes caem do céu: a construção positiva da compreensão de suas realidades não deve lhes interessar: é frescura de elite...

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Obviamente não é assim, há muita busca por compreensão, e incômodo com a falta de entendimento, em todas as classes sociais em nossos dias, não estando as classes populares menos aflitas com isso. O que ocorre é uma concreta e objetiva dificuldade de ver o quadro inteiro, e sobretudo, de acompanhar a vertiginosa aceleração técnica. 

Ciências Humanas como chave de Compreensão do Mundo Técnico

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Para haver essa compreensão é preciso sim algum estudo e acúmulo de leituras, e isso seguirá sendo cada vez mais necessário neste admirável mundo novo digital, em que entramos, e no qual entraremos cada vez mais fundo: não há retorno possível, logo a cidadania, para existir, exigirá das pessoas cada vez mais, não só conhecimentos técnicos específicos, mas conhecimentos humanísticos também. Até para a saúde mental das pessoasNão é nada estranho o crescimento de buscas por livros e cursos de filosofia. Assim como a onda evangélica, e de outras religiões, também se encaixam nesta ânsia de compreensão cosmogônica da realidade: as linhas que dão respostas mais simplistas têm mais público, mas certamente não sustentarão a credibilidade conforme se evidencia que não explicam a complexidade da realidade. Já a universidade vive numa especialização crônica dos estudos, mas alguma narrativa geral, cosmogônica, universal (Universidade), precisa ser apresentada em várias frequências. E isso ocorre, para além do resultado final das pesquisas publicadas (muito específicas), com cursos regulares, e sobretudo, com cursos de extensão universitária, que tentam cobrir essa função. A leitura pública de 11 de agosto se insere nesta categoria: de apresentação de sínteses explicativas. Como já dito, a universidade se especializa cada vez mais (e tem que ser assim mesmo), mas o senso comum popular se ressente desta hiperespecialização. Logo, sínteses democratizantes do complexo todo (ou pior: de “todos”) precisam ser apresentadas regularmente. Muito das reações anti vacinas, estimuladas por políticos criminosos, se alimentam deste ressentimento com o conhecimento hiperespecializado. Mas as estruturas do capitalismo monopolista das Big Pharma não são atacadas, explicadas ou sequer descritas pelos “anti vacinas”: manipula-se, numa compreensão rasteira e binária, o ressentimento popular frente a ignorância e a impotência, contra os cientistas, contra a ciência, e não contra o capital monopolista das Big Pharma. Eis aqui um claro exemplo de como a compreensão mais necessária para explicar a situação concreta, e dar bases para as decisões políticas diárias das pessoas, não dependem de um maior conhecimento sobre confecções de vacinas, depende de estudo e leituras mínimas de história e outras ciências humanas.

Aos que criticam os Atos de 11 de agosto, dizendo que o povo só quer saber de comida no prato, lembremos que contar ao povo como fazer essa comida lhes chegar é do interesse popular sim, pois alimenta sua confiança e entendimento do que lhe é melhor. O político e o econômico são dois lados da mesma moeda, e os Atos políticos são vitais para uma repactuação republicana, necessária para poder haver a recuperação do quadro econômico.

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Os políticos, e outras figuras, que minimizam o Ato de 11 de agosto de 2022 como frescura elitista, são pessoas que querem infantilizar o povo, o limitando ao consumismo político, jamais o tratando como produtor político. Realmente o mundo em que estamos é de uma complexidade aterradora, mas tratar o povo como consumidores passivos, felizes no vale do analfabetismo político, não gerará saída alguma. É preciso dar responsabilidade política, lhes cobrando esforços de compreensão. Outra causa do sucesso dos evangélicos, que cabe aqui destacar, é como eles forçam seus fiéis a fazer uma coisa com a qual o povo brasileiro tem uma dificuldade histórica em realizar: os forçam a ler. A crônica oralidade brasileira, ultra potencializada pelas TVs no século XX, e pelos TickTock de agora, gera uma alienação estrutural de imensas camadas humanas frente este distintivo básico da cidadania: a capacidade de leitura. Executarmos, cada vez mais, leituras públicas coletivas pode ser um caminho, nada desprezível, na construção de uma repactuação nacional.

Valorizarmos a palavra escrita, e dita coletivamente, frente a crônica agoridade das redes, e das TVs também, pode ser um caminho para reverter essa atual ditadura da agoridade. Como um exercício para combater a crescente incapacidade de conexão temporal, a descontinuidade cronológica, que é uma fonte de distúrbios emocionais e mentais que só crescerão neste mundo ticktockiano que se avoluma no futuro. Esse agora eterno das redes precisa ser contraposto com continuidades simbólicas, que unem o passado, com o presente, e o futuro. Senão a loucura de uma agoridade eterna nos matará a capacidade de compreensão e de conexão humana.

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