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Domingos Leonelli

Ex-deputado federal constituinte, presidente do Instituto Pensar, ex secretário de turismo da Bahia e atual Secretário Nacional de Formação Política do PSB

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Sobre militância e juventude

Quando abrimos mão da crítica ao capitalismo, perdemos também a motivação mais profunda da militância dos jovens na política, que é mudar o mundo

Militância política na Avenida Paulista (Foto: Ricardo Stuckert)

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A reflexão de Emir Sader a respeito da militância política, publicada no Brasil 247, traz uma série de insights sobre esse instigante tema. Faz um rápido histórico da militância de esquerda no Brasil e, a partir de sua própria experiência, nos recorda da importância filosófica da militância enquanto sentido de vida. Colocar a existência pessoal conectada à ideia de mudar o mundo, transformar a realidade e se constituir em sujeito ativo da história é um tema que já inspirou a literatura, a música e a práxis política ao longo dos últimos dois séculos.

O artigo traz um certo exagero no dimensionamento do papel de Lula em relação ao tema da militância. Emir Sader diz, por exemplo, que a identificação com Lula, seu governo e suas posições, é a referência central para alguém de esquerda. Não que se possa diminuir a importância de Lula na história recente. Contudo, não considero que na questão da militância ele seja a referência central. Mas isso nos levaria a outra discussão.

O que eu desejo aqui é concordar com Sader quando ele afirma que a esquerda está perdendo a juventude. Penso que essa perda dá-se em dois sentidos: nas suas próprias ideias e com menos jovens nos partidos. E o mais grave, muitos dos nossos jovens políticos de esquerda estão optando por excessiva moderação, por propostas sociais paliativas e aderindo docemente a um fazer político muito tradicional. À exceção do PSOL que fez uma opção corporativa e vinculada às demandas identitárias, nenhum outro partido de esquerda tem crescido muito na juventude.

Enquanto isso, cresceu, entre mais velhos e jovens, a participação e a militância política na ultradireita fascista que apesar de ter perdido as eleições presidenciais (por muito pouco) mantém firmemente suas posições ideológicas. Aproveitando-se das deficiências sociais da nossa democracia e de alguns de nossos erros na pratica política, colocou-se (falsamente) como antissistema, como defensora da moral e da liberdade (do capital). Assumiu seu caráter subversivo em relação à democracia formal. Aprendeu, antes de nós, as novas formas de militância na “sociedade em rede” como define Manuel Castells. Objetivando, na verdade, a contrarrevolução, a ultradireita brasileira caracterizou-se como “revolucionária”. .

E aqui gostaria de tentar ir um pouco mais longe no tempo e no fundo mais ideológico da correta preocupação de Sader, quando diz que “não temos um discurso que chegue aos jovens...”. Este não é um problema apenas da esquerda brasileira. Os partidos de esquerda da Itália, da Espanha, de Portugal e do Equador queixam-se da mesma coisa.

Estou cada dia mais convencido que no fundo dessa questão da militância está o sentido perdido da revolução. Ainda que difusa e subjetivamente, a juventude é naturalmente revolucionária. Quer virar o mundo, como dizia o jovem poeta J.C. Capinam “ ainda viro esse mundo em festa, trabalho e pão”.

Entendo que o drama da esquerda mundial em relação ao caráter revolucionário que seria inerente à sua própria existência, está na grande e justa revisão iniciada nos anos 60 pelo Partido Comunista Italiano com o compromisso histórico com a democracia. A democracia como valor universal como a ela se referia o saudoso Carlos Nelson Coutinho. O que já era defendido por alguns partidos socialistas no mundo, inclusive pelo PSB no Brasil, passou a se constituir numa bandeira universal da maioria esmagadora da esquerda mundial.

Apesar disso, não conseguimos até hoje equacionar no terreno da prática política o binômio crucial da Democracia e da Revolução. Inúmeros pensadores de esquerda, marxistas ou não, tem se debruçado sobre este tema. São abundantes as formulações teóricas sobre o caráter revolucionário do aprofundamento da democracia. Inclusive o novo programa do Partido Socialista Brasileiro traz no seu Manifesto a afirmação de que “o PSB defende que a revolução brasileira no século XXI não seja insurrecional ou violenta, mas signifique uma transformação estrutural de longo prazo e por meio do aprofundamento da democracia nos âmbitos político, econômico e social”.

Mas o fato é que chegando ao governo pela via democrática e assumindo o compromisso de defender a democracia formal esquecemos, na maioria das vezes, da necessidade de reformar democraticamente a democracia. E não conseguimos popularizar e mobilizar a juventude e o povo para os eventuais avanços econômicos e sociais mesmo sob o regime capitalista.

Passamos a administrar o capitalismo, tentando demonstrar às classes dominantes que faríamos isso melhor que a direita. E frequentemente fizemos isso ao preço de abrirmos mão da crítica ao sistema. Avançamos na área de programas sociais importantíssimos mas, na maioria das vezes, abrindo mão das reformas estruturais.

E aqui uma questão crucial para a juventude: quando abrimos mão da crítica ao capitalismo perdemos também a motivação mais profunda da participação e de militância dos jovens na política que é mudar o mundo. Perdemos a conexão mais universal, a noção de solidariedade, a beleza da luta pela igualdade, impossível no capitalismo. E aí fica muito difícil ligar cada luta por objetivos concretos e imediatos da própria juventude e do povo a algo mais grandioso, ainda que utópico que seria o próprio sentido da revolução.

Creio que em 2013 a luta da juventude pelo Passe Livre e contra os tostões a mais no transporte de São Paulo que se transformou numa luta política, infelizmente apropriada pela direita, teve esse sentido revolucionário. Ligou uma reivindicação concreta e pontual, a um objetivo político mais amplo.

O texto de Emir Sader fala da necessidade dos nossos partidos e movimentos sociais precisarem de um discurso que “chegue aos jovens, que toque nas suas necessidades e preocupações”. Concordo mais uma vez. E tento completar, dizendo que esse discurso deveria ter o poder de vincular essas necessidades e preocupações a um sentido mais amplo de transformação estrutural. Algo que dê sentido à luta dos jovens e às suas próprias existências: a militância revolucionária.

E vamos discutir, nós velhos e os jovens, a revolução brasileira.

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