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Carol Proner

Doutora em Direito, professora da UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF

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STF começa a ser julgado

Jurista Carol Proner afirma em artigo que o que se julga, a partir desta quinta-feira 17, "aos olhos da opinião pública e da sociedade brasileira, é a autoridade do STF para exercer limites às excentricidades interpretativas que insistem em flexibilizar ou suprimir as garantias constitucionais do devido processo e da ampla defesa"

Sessão plenária do STF (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)
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A garantia da presunção de inocência é coisa séria e vem de longe. De Justiniano aos nossos dias, prevista no direito islâmico, na tradição romano-germânica, atravessou o medievo e ganhou os códigos da ilustração, as declarações e pactos sobre direitos civis e políticos do século XX, atingindo o ápice na forma de consenso universal, expresso no artigo 11 da Declaração de 1948: “1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. 

A tradução do sentido civilizatório da norma para o direito pátrio, consta no inciso LVII, do rol de Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição de 1988: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, dispositivo simétrico ao que garante o artigo 283 do Código de Processo Penal: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

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Fruto dos tempos de arbítrio, eis que o artigo 283 do CPP, mesmo de evidente constitucionalidade, passa a ser avaliado pela Suprema Corte em três Ações Diretas de Constitucionalidade movidas por entidades e partidos, julgamento que há dois anos aguarda definição de mérito. A decisão de julgar, protelada muitas vezes, ganha a pauta da Corte e torna-se prioridade na agenda político-jurídica do país, isto porque encerra o grande embate entre Estado Democrático de Direito e Estado de Exceção.

Mas, afinal, o que está em julgamento a partir de hoje?

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Uma forma de responder a esta pergunta é dizer que o que se julga é a constitucionalidade da prisão antecipada da pena, assegurada por decisão precária do STF desde 2016. O Supremo pode, com indisfarçável agressão à Constituição, manter o entendimento pela execução provisória da pena após segunda instância ou rever posição, entendendo que a prisão antecipada contraria a presunção de inocência, fere a Constituição e as normas civilizatórias, abrindo a possibilidade para a soltura de réus até o transito em julgado de sentença penal condenatória. Optando pela Constituição, abrem-se outras possibilidades que agora não vêm ao caso explorar.

Mas há uma outra forma de entender esse julgamento. O que verdadeiramente está em debate é o próprio Supremo Tribunal Federal, a integridade da Corte para exercer o controle de constitucionalidade e de legalidade do sistema de justiça criminal. O que se julga, aos olhos da opinião pública e da sociedade brasileira, é a autoridade do STF para exercer limites às excentricidades interpretativas que insistem em flexibilizar ou suprimir as garantias constitucionais do devido processo e da ampla defesa. O Supremo deverá, numa espécie de autojulgamento, decidir se resiste ao arbítrio ou se dá as mãos ao Estado de Exceção que prospera no país, com exímio protagonismo do poder judicial. E estará sendo observado e julgado por uma sociedade que já compreendeu perfeitamente que o papel da Corte, passivo ou ativo, nos episódios de inconstitucionalidade que se seguiram ao golpe de 2016.

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O anúncio do julgamento das ADCs alvoroçou generais e representantes da extrema direita que, escorados na gazopa do combate à corrupção, alertam para os riscos de convulsão social caso o STF não resista à tentação de cumprir a Constituição. Sabe-se que, de hoje até o dia 23 de outubro – dia estimado para o julgamento – o tom dos tweets deverá subir. Mas o bom-mocismo da caserna experimenta uma fase de descrédito com o apoio dos militares a um governo corrupto, golpista e traidor dos interesses nacionais, sem falar na decadente figura do Ministro da Justiça e nos esquemas lavajatistas desmascarados pelas revelações do The Intercept.

O momento, portanto, não é bom para a desculpa da tutela militar e está claro que os Ministros do STF, individualmente considerados, não serão esquecidos caso queiram atribuir a falta de coragem aos esgarçados coturnos de soldados que servem aos interesses de outras legiões. As Forças Armadas, tanto quanto a Suprema Corte, têm o dever de cumprir a Constituição. E o povo brasileiro, tanto quanto as Forças Armadas, também tem o dever de defende-la e o direito de julgar aqueles que não o fazem. Hoje, o STF começa a ser julgado.

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