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Luciano Elia

Psicanalista, membro do Laço Analítico/Escola de Psicanálise, professor titular de Psicanálise da UERJ, do Programa de Mestrado Profissional em Psicanálise e Políticas Públicas

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STF deu um corte histórico no golpismo

Inimaginável até poucos anos no Brasil um tal feito

Primeira Turma do STF (Foto: Antonio Augusto/STF)

Estou feliz e comovido, sem que esta comoção dissolva epidermicamente uma gota sequer do sangue dos olhos e o rigor de uma análise histórico-política cortante. Um corte na história de um país que, desde pelo menos seu ingresso no clube das repúblicas ocidentais colonizadas, só conheceu golpe seguido de golpe, tendo sido o primeiro deles inaugurador da dita república.

Não importa a posição ideológica dos ministros do STF, pois seu ato atravessa e ultrapassa tais posições, elevando-as a um outro patamar, o de sustentar, de forma inédita, a posição corajosa de punir severamente um ex-presidente que armou um grave golpe de Estado, mas talvez, mais importante do que isso, a punição, pela primeira vez, de autoridades militares golpistas. 

E o fato de que seja o Estado liberal burguês, nomeadamente sua instância jurídica máxima, que está sustentando este ato, não lhe retira o valor, pois que este ato obsta, objeta, corta um gozo ainda mais deletério e nefasto que o Estado liberal burguês: o fascismo odiento de extrema direita que se faz apoiar por uma massa que ele enfeitiça para que ela jamais se transforme em um povo. O conflito, em que nunca deixamos de viver, e que há de nos livrar um dia do Estado liberal burguês, requer pelo menos que haja circulação de pensamento, palavra, manifestação. Os que se opõem à magnífica e inédita punição de generais e presidentes golpistas proclamam a “liberdade de expressão”. De expressão? É mesmo desta liberdade que se trata no ato golpista? Ou o que ele perpetra é sempre a extinção da liberdade de expressão, pensamento, manifestação? Sim, combatamos o liberalismo individualista burguês, mas não para defender a liberdade ilimitada de alguns que visam extinguir precisamente o campo inelutável dos conflitos.

Inimaginável até poucos anos no Brasil um tal feito. Mais do que um procedimento jurídico, por mais complexo, este ato é simbólico, e faz inflexão na História do Brasil, abrindo um processo de elaboração capaz de operar uma transmutação da posição do sujeito brasileiro, o sujeito histórico e antropológico, mas também o sujeito inconsciente brasileiro (não se leia inconsciente brasileiro, que isso não existe, mas sujeito inconsciente brasileiro). 

Nada se compara, em todo o nosso percurso de 136 anos de República, ao que se passou neste 11 de setembro de 2025, data fatal – derrubada do Palácio de la Moneda e do Governo socialista democraticamente eleito de Salvador Allende em 1973, com todo apoio dos Estados Unidos; derrubada das Torres Gêmeas, símbolo de poderio dos mesmos Estados Unidos – o engenho mortífero de todas as guerras – (em coincidência nada anódina de dia e mês), em 2001 – à qual o ato de hoje traz uma nova dimensão significativa: a derrubada da repetição, da automaton golpista brasileira, da contumácia da ilegalidade, inaugurando possivelmente um tempo de submissão à lei, que é também a lei da castração, que interdita o poder moleque, fascista, milico, de que a elite brasileira sempre se serviu em seu gozo perverso e desenfreado. 

Derrubada do pequeno orangotango, pálido arremedo do Pai da horda freudiana, cuja dignidade distintiva em relação aos estultos e equinos generais brasileiros está em ser uma figura mítica a ser assassinada no mito freudiano, o único mito forjado na modernidade. O Brasil finalmente assassina o pai da horda, condenando no rito simbólico seus mesquinhos simulacros de orangotango "paterno", que cheiram a estábulo, na verdade homenzinhos feitos às pressas, como diria Schreber!

Um dia imensamente histórico!                                                                      

(PS) - De quebra, vingamos hoje a abjeta menção de Bolsonaro ao assassino Brilhante Ustra, de 2017.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.