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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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STF deve fazer justiça a Lula, apesar de Marco Aurélio, que escolheu manchar sua biografia

Marco Aurélio antecipou voto a favor de Sergio Moro no julgamento de hoje. "Estão execrando o pobre rapaz", disse. Voto é corporativista e não honra sua própria história, a de ministo corajoso e garantista, analisa Joaquim de Carvalho

(Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF (25/02/2021))
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A considerar as declarações de Edson Fachin ao Valor Econômico, o Supremo Tribunal Federal deve hoje fazer justiça a Lula no caso da Lava Jato e consolidar o entendimento de que a 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar o ex-presidente.

Desconsiderada a hipótese de surpresa de última hora, o resultado do julgamento deve ser 6 a 5 em favor da Constituição, que recepcionou o princípio universal de que todo cidadão tem direito ao juízo natural, isto é, que não haverá no país tribunal de exceção.

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Devem votar pela incompetência do juízo de Curitiba, atém de Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Ainda poderá haver o voto de Alexandre de Moraes.

Se de um lado, com esse resultado, o STF se fortalece enquanto poder independente, de outro haverá uma grande decepção: o ministro Marco Aurélio Mello, a três meses da aposentadoria, deve votar pela manutenção das condenações do ex-presidente por um juiz legalmente incompetente e parcial.

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“Estão execrando o pobre rapaz, que prestou um grande serviço a esta pátria. Eu disse a ele, enquanto ministro da Justiça, que o único erro dele foi ter virado as costas à cadeira de juiz, deixando uma caneta que ele tinha, para ser auxiliar do presidente da República. Eu disse a ele. Agora enxovalhar o rapaz é algo que revela os tempos estranhos”, afirmou Marco Aurélio Mello, em conversa por telefone.

“Para mim, esta decisão do ministro Fachin foi extravagante”, complementou, em referência à liminar que o relator da Lava Jato no Supremo concedeu para anular as condenações de Lula e transferir o caso para a jurisdição de São Paulo e Distrito Federal.

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Fachin entendeu que as investigações sobre Lula não têm relação alguma com os casos de corrupção na Petrobras, julgados em Curitiba. Marco Aurélio, embora garantista, entende que, mesmo assim, Moro tinha jurisdição para processar e condenar o ex-presidente.

“Tornou-se prevento o juízo de Curitiba porque a primeira questão, que foi em Londrina, sobre lavagem de dinheiro, ocorreu lá. Então houve atração. Atração pela continência, que era o envolvimento de vários acusados, e também pela conexão probatória”, disse.

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Em janeiro de 2014, o procurador natural do caso, José Soares Fritsch, entendeu que nenhum caso relacionado a essa lavagem de dinheiro a que Marco Aurélio faz referência deveria permanecer na Justiça Federal de Curitiba.

Na época, a Polícia Federal pedia a Moro ordem para realizar buscas em endereços de doleiros em São Paulo. O procurador estranhou.

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“Chama a atenção o fato de que todas as medidas de busca e apreensão ocorrerão em endereços situados no Estado de São Paulo. Isso não ocorre à toa. Da investigação se infere que, se há crimes que estão sendo cometidos pelas pessoas acima arrolados, esses crimes se estão consumando no Estado de São Paulo. (…) Não há um só endereço na área da Seção Judiciária Federal do Paraná. Não há notícia de qualquer crime praticado pelo grupo criminoso no Paraná”. escreveu.

Por essa razão, José Soares se manifestou pela transferência do caso para São Paulo e também para o Distrito Federal, onde fica o Posto da Torre, de Carlos Habib Chater, acusado de lavagem de dinheiro no caso do empresário Hermes Magnus, proprietário da Dunel, que teve uma filial instalada em Londrina.

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Em entrevista que me deu, Hermes Magnus contou que toda a negociação para investimento na sua empresa se deu na CSA Project Finance, de Alberto Youssef, com sede em São Paulo. “Fui usado por Moro”, disse ele, ao manifestar entendimento de que descobriria mais tarde o caráter político da Lava Jato.

O procurador José Soares, logo depois que rejeitou a permanência da investigação em Curitiba, se afastou do caso, como revelou o repórter Marcelo Auler. Perguntei ao procurador a razão de seu afastamento.

“Eu prefiro não dizer os motivos particulares pelos quais eu saí”, disse. Ele trocou de posto com Deltan Dallagnol, mas este também não revela em seu livro, A luta contra a corrupção, a razão de ter assumido o lugar do colega.

Em vez disso, ele conta uma historinha bonita, a de que a procuradora Letícia Pohl Martello, coordenadora da área criminal no Ministério Público Federal na capital paranaense, insistiu para que ele assumisse o caso. Não faz nenhuma referência a José Soares, que foi citado no livro de Rodrigo Janot.

“Até hoje não entendi por que Soares saiu do caso, mas, se era vontade dele, tudo bem. Dallagnol seria o substituto natural. Decidi criar a força-tarefa de Curitiba”, afirmou o então procurador-geral da república, Rodrigo Janot, no livro Nada Menos que Tudo - Os bastidores da Operação que Colocou o Sistema Político em Xeque.

Dallagnol não conta que a própria Letícia Pohl seria beneficiada com a criação da força-tarefa, já que um dos procuradores que seriam convidados para a Lava Jato era o marido dela, Orlando Martello, na época exercendo suas funções em São Paulo.

Com a Lava Jato, ele passou a trabalhar em Curitiba, onde já residia sua família. Além de receber auxílio-moradia até novembro de 2018, quando o STF mudou as regras do benefício, ele embolsou pelo menos R$ 461 mil em diárias.

A Lava Jato, como se vê hoje, pode ser descrita, em grande medida, como uma ação entre amigos, que tiveram benefícios financeiros (legais, mas de moralidade questionável) e também popularidade e poder político.

Por que um magistrado garantista e corajoso como Marco Aurélio defende uma força-tarefa que hoje envergonha o Brasil no mundo civilizado? 

Em fevereiro de 2016, emparedado por Moro, que havia acabado de publicar artigo no Estadão defendendo a prisão após sentença de primeira instância, o STF decidiu que as prisões poderiam ocorrer após decisão de segunda instância.

Marco Aurélio foi voto vencido e disse que aquela decisão refletia os tempos estranhos da Lava Jato e chegou a dizer que a corte suprema havia rasgado a Constituição. 

Uma possível razão para a posição hoje defendida por Marco Aurélio é que o espírito corporativista se sobrepõe ao entendimento que tem da Constituição.

Marco Aurélio parece não suportar ataques a quem vestiu toga, ainda que os ataques sejam legítimos.

A Interpol, isenta de paixão política, já tinha batido o martelo quanto à parcialidade de Moro em 2018, quando anulou o alerta vermelho que determinava a prisão do advogado Rodrigo Tacla Durán.

A instituição, uma das mais respeitadas do mundo na área da justiça criminal, entendeu que o juiz de Curitiba se comportava como parte, não como juiz, e por isso não merecia crédito.

Marco Aurélio escreveu uma página bonita no Judiciário brasileiro, com decisões que faziam prevalecer o grande acordo nacional celebrado em 1988, quando foi promulgada a Constituição cidadã, como dizia Ulysses Guimarães.

Com o voto que deve dar no julgamento sobre a incompetência de Moro, ele borrará sua biografia de maneira irreversível. É uma pena. 

Um magistrado que poderia passar à história como um Moreira Alves — conservador, mas respeitado — ou um Sepúlveda Pertence — liberal e igualmente respeitado —, se aproximará de um Kássio Nunes da vida.

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