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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Ternura de Eliete faz bem à música e ao Brasil

"Amor à música" espelha períodos em que a cultura e a política se alimentam

Eliete Negreiros (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
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Por Paulo Moreira Leite

Há algo definitivamente insuperável na palavra bem escolhida, no pensamento exposto com clareza, nos amores desenhados com honestidade. 

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A escrita de Eliete Eça Negreiros, irmã gêmea de seu talento como cantora, é a mesma arte por outros meios, como é possível confirmar pela leitura de seu livro mais recente, "Amor à Música"-- mais que um título, uma declaração de lealdade duradoura e profunda.  

O texto de Eliete fala como ela canta. Voz baixinha, íntima, expressando cada nota musical, cada verso, de um modo suave e doce, de quem não quer nem precisa chamar atenção da plateia nem irá gritar para ser ouvida. 

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Autora de boa  formação intelectual, as cinco dezenas de artigos que compõem o livro  guardam a precisão das frases bem construídas e dos adjetivos certos, sem exageros fora do lugar -- e zero grau de pedantismo.  

Capaz de unir formação acadêmica e música popular, ela foi uma das vozes destacadas do movimento conhecido como Vanguarda Paulistana, que lançou Arrigo Barnabé, Itamar Assunção e o grupo Rumo, num dos primeiros sopros de renovação musical ocorrido no país na aurora da democratização. 

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Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo, num tempo em que a brutalidade da ditadura de 64 rondava salas de aulas, assembléias e  até mictórios, sem contudo calar mestres brilhantes e estudantes combativos, Eliete teve uma existência entrelaçada pela música popular -- inclusive do ponto de vista acadêmico.

Como pensadora da música popular, fez da obra de Paulinho da Viola um de seus assuntos principais, tema de seu trabalho de mestrado e também do doutorado. A escolha fez justiça a um dos grandes da música popular, até ali menos celebrado do que deveria, mostrando que seu talento não se resume aos grandes sambas que o tornaram conhecido. 

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Como lembra Eliete num dos textos do livro, "Paulinho da Viola teve no choro sua iniciação musical, toca e compõe choros belíssimos". (O próprio compositor comparece numa nota de contracapa, dizendo que os ensaios de Eliete revelaram "intenções e construções encontradas no meu trabalho de músico/compositor que muito me honraram").  

Criada numa casa onde obras-primas da música popular sempre estiveram disponíveis aos interessados, inclusive crianças, em Amor à Música ela recorda momentos inesquecíveis dessa iniciação. 

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Um deles é um LP antológico sobre Noel Rosa -- com a capa ilustrada por Di Cavalcanti, músicas na voz poderosa de Aracy de Almeida, ouvidas com tanta frequência que logo acabou decorando as letras.  

"Cantávamos o disco inteirinho, do começo ao fim, eu e minha mana Bete", conta, descrevendo uma situação  que se repetia em outras famílias, num tempo em que homens e mulheres de classe média se reconciliavam com a cultura popular.  

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Reunindo artigos publicados nas revistas Piauí e Caros Amigos, o livro contém textos de qualidade notável, com observações originais e referências obrigatórias para quem compreende a música popular como combustível de protesto e reflexão sobre o país, em particular  nos momentos históricos. 

"Capinam e o movimento dos barcos" é um texto marcante num total de 52. Referindo-se a uma canção de 1971, momento em que a ditadura encontrava-se no ponto alto de violência e impunidade, enquanto a juventude buscava sonhos possíveis num pesadelo da História, em vários parágrafos o texto de Eliete dialoga com os versos do poeta baiano. 

Num mundo que vivia um momento de "transitoriedade, transformação, impermanência, descoberta de si, do outro, mudança de costumes", como ela descreve, Capinam canta:   

"É impossível levar um barco sem temporais
e suportar a vida como um momento além do cais
Não sou eu quem vai ficar no porto chorando não
lamentando o eterno movimento,
movimento dos barcos, movimento".  

"Como cantei e toquei essa canção, incontáveis vezes", recorda Eliete, retomando a palavra, para sublinhar o impacto de Movimento dos Barcos sobre uma geração inteira. "Por um tempo foi minha voz, a voz do meu ser, meu hino, meu mantra. Chegava em casa, pegava o violão e ficava cantando. Uma oração," escreve, décadas mais tarde.  

"Amor à música" espelha períodos em que a cultura e a política se alimentam. Num país onde a música popular ocupa um lugar destacado na vida social, os artigos de Eliete Negreiros cumprem a função indispensável de juntar as partes e ajudar a compreender o conjunto, em vez de "ficar no porto chorando não, lamentando o eterno movimento dos barcos".  

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