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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Tiroteio da cocaína atinge ilusões de um bairro exclusivo em São Paulo

"O andar de cima tornou-se menos respeitável. Um pouco mais vulnerável, talvez.", afirma Paulo Moreira Leite

Rogério Saladino (Foto: Reprodução redes sociais)
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Cada vez mais distantes da utopia de construir uma Londres nos trópicos, moradores dos Jardins assistem a uma cena que mostra o Brasil real na vizinhança de suas casas

No interior de sua pequena geografia, onde um universo de muros altos e um exército de seguranças armados alimenta a ilusão de que é possível viver à margem da realidade social de um dos países mais desiguais do planeta, a população de 52 000 residentes do bairro paulistano dos Jardins ainda se recupera de uma cena ocorrida na tarde de sábado, 16 de dezembro de 2023.

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Foi neste dia que o executivo Rogério Saladino, 56 anos, abriu o portão eletrônico de sua residência, no número 54 da rua Venezuela, para produzir uma sequencia imagens de um faroeste urbano que, conforme os preconceitos correntes na sociedade brasileira, só poderia ocorrer em bairros remotos da periferia.

Registradas em sequências de menos de 1 minuto pelas câmeras de vídeo de sua própria residência -- uma arquitetura contemporânea, com muros brancos, portão automático e a onipresente cabine de segurança de vidro escuro -- as cenas da constituem paisagem obrigatória do álbum de fotografias da alta sociedade paulistana em 2023.

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Descalço, de bermudas e camisas brancas, uma pistola na mão direita, outra no bolso de trás, comportamento fora de controle, um dos disparos de Rogério Saladino atingiu a investigadora Milene Bagalho Estevam, 39 anos, uma filha de 5, que morreu na hora.

Do outro lado da rua, em movimentos constantes para dificultar a pontaria do dono da casa, o investigador Felipe Wilson Costa conseguiu alvejar Saladino. Mobilizado em auxílio do patrão, o vigia Alex Gomes Mury, 49 anos, foi o terceiro morto, na condição de empregado de uma briga que não era sua.

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Num país construído em torno de abismos sociais permanentes, as mortes da rua Venezuela trouxeram uma novidade no plano do comportamento e das relações sociais. "Até agora só se morria de amor nos Jardins", observa uma autoridade policial, referindo-se, com educada ironia, às tragédias românticas do passado.

A observação encontra apoio nas estatísticas que comparam números de mortes violentas na mais populosa cidade brasileira mas há exceções importantes. Em 1969, sob a ditadura militar, foi na Alameda Casa Branca, a mesma que até hoje serve de endereço a edifícios sofisticados, que o líder guerrilheiro Carlos Marighella foi executado pela equipe do delegado Fleury e abandonado no interior de um Fusca.

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Construídos a partir de loteamentos organizados no início do século passado por investimentos ingleses parcialmente copiados dos projetos de urbanização de Londres, os Jardins se tornaram uma das regiões que iriam desenhar São Paulo ao longo do século XX e XXI.

Ali foram estabelecidos clubes de patrimônio milionário e frequência selecionada, onde a juventude de baixa renda só consegue garantir entrada quando exibe um talento comprovado para a conquista de troféus fora do alcance dos associados habituais. Com o passar dos anos, empresários e profissionais liberais, que residiam em bairros mais afastados do centro, acabaram se instalando por ali.

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Junto com piscinas, ginásios cobertos e quadras de tênis chegaram famílias enriquecidas, em condições de abocanhar fatias sempre maiores do bolo da economia das décadas recentes. Vieram restaurantes, escolas privadas e um ambiente de negócios e ativismo cultural que daria a São Paulo os traços de grande metrópole brasileira de nosso tempo, animada, próspera, mas sempre desigual, mais preocupada em esconder os sinais profundos de pobreza do que encontrar caminho para soluções reais e duradouras.

Entre o pouco que foi possível saber sobre o caso da rua Venezuela, mantido num ambiente de cuidados com a privacidade familiar raramente observado em episódios ocorridos em famílias de renda mais modesta, escapou um relato sobre as buscas no quarto de Saladino. Ali a polícia encontrou maconha, haxixe e drogas sintéticas.

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Ao comentar a notícia com o 247, operários de macacão ocupados numa obra nas vizinhanças apenas sorriam com uma expressão de ironia. Como espectadores que já viram tantas vezes o mesmo filme, parecem ter até preguiça em imaginar aonde tudo isso vai terminar.

Dois dias depois da tragédia da rua Venezuela, as casas da vizinhança permanecem de portas fechadas e, através de microfones, sombras atrás dos vidros enegrecidos das portarias recusam todo pedido de entrevista ou mesmo de conversa informal, num comportamento oposto ao das famílias endinheiradas que tinham prazer em abrir suas residências para as imagens fotográficas de revistas ilustradas.

Algumas ilusões foram perdidas ali, nas cenas do tiroteio. Um capítulo da história social paulistana está chegando ao fim. O andar de cima tornou-se menos respeitável. Um pouco mais vulnerável, talvez.

Para um profissional com reconhecido conhecimento sobre o universo de usuários e traficantes do país, que se recusa a dar entrevistas sobre o assunto, a tragédia da rua Venezuela só pode ter uma utilidade: "Mostrar que usuários e traficantes de drogas são personagens perigosos em toda parte, nos Jardins ou na periferia. Eles gostam de se sentir superiores e é assim que se apresentam a toda hora. Mas tem um comportamento que apenas prejudica as pessoas e o mundo onde vivem", acrescenta.

As mortes da rua Venezuela mostram que é impossível discordar.

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