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Paulo Silveira

Sócio fundador do Observatório das Adições Bruce K Alexander (www.observatoriodasadcoes.com.br). Membro fundador do movimento "respeito é BOM e eu gosto!" (www.reBOMeg.com.br)

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Transcrição da conversa entre Eduardo Suplicy e Lula sobre a renda cidadã

Leiam com calma e atenção e guardem para poderem compartilhar com todos aqueles que lutam por um mundo mais justo, ético e solidário

Ex-presidente Lula e o vereador Eduardo Suplicy (Foto: Ricardo Stuckert)

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Prezados leitores e companheiros de lutas,

Ontem, 14/08/2023, o Observatório das Adições Bruce K. Alexander (www.observatoriodasadicoes.com.br) teve o privilégio de receber em nossa roda de conversa VIRTUAL “Papo de 2ª”, que acontece todas as segundas feiras, das 20:00 às 22:00 hrs, o Dep. Eduardo Suplicy, que nos brindou com uma explicação sobre a Renda Básica Cidadã.

Com a intenção de levar a todes nós esse saber acumulado ao longo de toda a vida de Suplicy que generosamente compartilha conosco, hoje estaremos compartilhando com vocês a transcrição de uma conversa do Suplicy com o nosso Presidente Lula.

Leiam com calma e atenção e guardem para poderem compartilhar com todos aqueles que lutam por um mundo mais justo, ético e solidário.

Felicidades a todes,

Paulo Silveira

A transcrição da conversa, deliciem-se...

Em 21 de junho de 2021, recebi um presente de aniversário pelos meus 80 anos do querido presidente Luiz Inácio Lula da Silva: um diálogo ao vivo, transmitido em minhas redes sociais, a respeito do tema da Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondicional, conforme a lei por mim apresentada e sancionada pelo presidente Lula em 8 de janeiro de 2004.

Nesse diálogo, recordamos como nos conhecemos em 1975 quando ele era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (SP) e como nos tornamos amigos. Recordamos também nossa boa interação quando eu era deputado estadual, depois federal, vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, depois senador por 24 anos e, novamente, vereador.

Recordamos algumas passagens, como quando disputei a pré-candidatura à Presidência em 2002 e toda a batalha pela garantia do programa Renda Mínima. Este passou pelo Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Cartão Alimentação, Bolsa Família, Auxílio Emergencial, Auxílio Brasil, além das experiências da Namíbia, do Quênia e de Maricá. Recordamos também a Renda Básica Universal que, em breve, será discutida e que foi tão bem defendida por Thomas More, Celso Furtado, Josué de Castro, Philippe Van Parijs e tantos pensadores na História.

Conforme ressalto no diálogo com Lula, o Papa Francisco, em seu mais recente livro, “Vamos sonhar juntos”, recomenda fortemente a Renda Básica Universal. Felizmente, nessa conversa, o presidente Lula comprometeu-se, uma vez eleito, a instituir para valer a Renda Básica, atendendo também a decisão do Supremo Tribunal Federal de que a Lei 10.835/2004, apresentada neste livro, deve ser implementada.

SUPLICY: - Querido presidente Lula, você hoje está me dando um presente de aniversário de 80 anos simplesmente formidável, pois há muito tempo que nós temos combinado: vamos ter um diálogo ao vivo assim, verbalmente, para explicar ao povo a renda básica de cidadania, e você escolheu me dar esse presente hoje, no dia do meu aniversário. Eu estou assim entusiasmadíssimo, então, um grande abraço para te receber aqui neste início de conversa e vamos recordar os nossos passos ao longo de mais de 41 anos da história do PT, porque a nossa história começou antes da fundação do Partido dos Trabalhadores.

LULA: - Ô, Eduardo, primeiro meus parabéns pelo teu aniversário, não é todo dia que a gente completa 80 de idade. E pelo que eu estou vendo aqui na tua fisionomia, no timbre da tua voz, me parece que você é daqueles que vai passar dos 100 anos, me parece. Eu conheci a dona Filomena. Eu acho que você puxou a ela, você deve passar dos 100 anos. Eu queria dizer que é uma alegria imensa, Eduardo, estar falando com você no dia do teu aniversario, ouvir você contar para nós essa tua dedicação, eu diria que é uma coisa que parece uma profissão de fé essa tua dedicação pela renda básica no nosso país e no mundo, porque cada vez mais, Eduardo, está ficando claro que a renda básica deixou de ser uma ideia do Eduardo Suplicy, ela passou a ser uma necessidade da humanidade. E quanto mais houver avanço tecnológico, mais vai ter pessoas que precisam do estado para cuidar dessas pessoas. Mas eu não queria falar disso agora não, que eu vou ter muito tempo pra falar. Eu só queria dizer às pessoas que estão acompanhando esse dia do teu aniversário, Eduardo, dizer que eu tive o prazer em te conhecer logo que eu fui eleito presidente do sindicato dos metalúrgicos, em 1975. Naquele tempo, você tinha uma coluna na Folha de São Paulo e era o economista que eu seguia, você era o economista que escrevia as coisas que a gente utilizava no sindicato para fazer o discurso na porta de fábrica. E eu tinha um companheiro que se chamava Osvaldo Cavinato, você conheceu ele, ele era do partido comunista, ele foi preso na época que prenderam o Vladimir Herzog, e ele era meu assessor. Um dia, ele me convidou para ir a Santo André, até a fundação onde ele estudava, para assistir uma palestra de quem? uma Palestra do Suplicy. Daí fiquei encantado com a oportunidade de poder assistir uma palestra do Suplicy e, na minha cabeça, Eduardo, participar numa faculdade, no curso de economia que todo mundo me dizia que era o curso de economia que tinha gente de esquerda, mais gente progressista e eu fui lá totalmente à-vontade. Não sei se você está lembrado, mas você chegou, eu não lembro o nome do professor, também não quero lembrar, e aí o Suplicy começou a fazer a palestra e, dali a pouco, parou e abriu para fazer perguntas e eu fui fazer uma pergunta pro Suplicy. Uma pergunta boba, sabe e, para minha surpresa, o professor não deixa o Suplicy responder, ele pega a palavra e fala que eu tinha que sair da sala porque eu era comunista, eu não podia ficar na sala, foi uma coisa constrangedora (risos).

SUPLICY: - Eu me lembro muito bem, eu tinha falado de como o brasil estava crescendo tanto, mas com forte concentração de renda e riqueza e daí eu disse assim: olha: Se um dia vocês se tornarem ministros da economia como Antônio Delfim Neto e Roberto Campos e outros, vocês precisam estar dialogando não apenas com os empresários, como faziam os ministros da época, mas também com os trabalhadores que serão afetados pelas decisões de política econômica e também falei que há 6 meses eu tinha visitado a China, ainda nos tempos da revolução cultural e ali muitos trabalhadores tinham ingressado na universidade, então terminada a palestra você faz uma observação e pergunta e o professor lá atrás “O que é que vai dizer o diretor da faculdade na hora em que souber estar aqui presente um perigoso líder sindical” e você, então, ficou um pouco sem graça e saiu da sala. O Devanir Ribeiro estava junto mas você esperou acabar a aula. Depois que eu acabei de responder as perguntas, ficamos conversando bastante no pátio e daí você me disse: “Eduardo, apareça lá no sindicato, vamos continuar a conversar”. E muitas vezes eu passei a visitar você e os seus companheiros lá, o Wagner Lino, Devanir e Djalma Bom e muitos outros, e conversamos bastante a ponto de, quando chegou 1978, e meu nome tinha sido indicado para ser candidato a deputado estadual pelo MDB, você aceitou fazer um diálogo comigo na Barão de Itapetininga, no calçadão em frente à livraria Brasiliense, onde eu estava lançando um livro denominado “Compromisso”, de artigos na “Folha”, e eis que, então, você e o Afonso de Souza do sindicato dos padeiros e mais umas 300 pessoas em torno de 3 cadeiras que pusemos ali em frente à livraria Brasiliense. Foi nessa oportunidade, segundo o seu colega diretor do sindicato dos metalúrgicos, Oswaldo Martinês Bargas, mais tarde secretário de relações de trabalho em seu governo, que estava assistindo, disse: “naquele dialogo foi a primeira vez que o Lula elaborou sobre a proposta da formação de um partido dos trabalhadores” e esse diálogo está registrado no meu livro que você tem, “Renda de Cidadania. A Saída é Pela Porta.”

LULA: - Eduardo, eu queria começar a conversa por esse fato, para as pessoas saberem que nós nos conhecemos de fato em 1975. O PT só nasceu em 80, mas antes, antes do PT nascer, nós tivemos várias reuniões porque você era uma referência pra nós no sindicato quando se tratava de discutir economia e porque foi eleito deputado pelo MDB, deputado estadual, e nós tivemos uma boa relação enquanto você era deputado. Eu ia muito lá, tinha o Geraldinho Siqueira, tinha o Serginho do Santos, tinha o Marco Aurélio Ribeiro, tinha o Almir Pazzianotto, aquele pessoal todo, todo mundo virou muito amigo, foi um momento muito importante na minha vida e que contribuiu para consolidar a nossa relação de amizade que perdura até hoje. Então, de 75 até agora, Eduardo, já faz 50 anos quase que nós temos uma boa relação de amizade e, como vou viver 120 anos e você 130, ela vai durar ainda mais 45 anos. Então, eu queria dizer isso para os nossos companheiros que estão acompanhando esse dia maravilhoso em que o Suplicy está completando 80 anos de idade, bem vividos, uma história belíssima, uma história invejável. Eu lembro que quando fui candidato a governador em 82, eu tinha uma frase que eu falava na campanha que achava que era bonita, que eu gravava na televisão, eu dizia assim: Luiz Inácio Lula da Silva, ex-engraxate, ex-tintureiro, ex-torneiro mecânico, ex-sindicalista, ex-preso político, um brasileirinho igual a você. E o pessoal ficava por conta e dizia assim: ninguém quer ser tudo isso que você foi, eles tão querendo ser igual ao Suplicy, bem formado (risos), altamente preparado. Então, Eduardo, é o seguinte, dito essa coisa no início, eu acho que é de importância que as pessoas, sobretudo as pessoas mais jovens que estão acompanhando eu e o Suplicy, as pessoas que ainda não leram os livros do Suplicy, saibam de uma coisa: nosso querido companheiro Suplicy é formado em administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, PHD em economia pela universidade estadual de Michigan nos Estados Unidos, professor universitário na escola de administração de empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, Professor de economia na Stanford, Doutor Honoris Causa na Universidade Católica de Lovain na Bélgica. O Suplicy é o seguinte, vocês que querem ser candidatos a alguma coisa, imagina o Suplicy, olha, esse Jovem, bem formado, filho da dona Filomena, veja esse menino, ele foi eleito deputado estadual em 1978 pelo MDB, ele foi depois deputado federal em 1982 pelo PT, foi candidato a prefeito pelo PT em 1985, foi candidato a governador em 1986, eleito vereador em 1988, eleito senador em 1990, reeleito senador em 1998, reeleito senador em 2006, nomeado secretário de direitos humanos na prefeitura de São Paulo e agora vereador eleito em 2016. Se alguém quiser seguir uma carreira bonita, bem sucedida, é só pegar a história do Suplicy, que vocês vão perceber como é possível fazer política com decência, como é possível fazer política com ética, e eu posso dar um testemunho na minha relação com o Suplicy. Eu poderia, Suplicy, dizer: isso não é elogio não, é uma constatação. Eu acho que pode ter um ser humano com a alma igual à do Suplicy, com o coração igual ao do Suplicy, mas eu duvido que exista alguém melhor, mais solidário, alguém mais companheiro, alguém mais leal na relação. Esse é um testemunho, Eduardo, de alguém que tem muitos anos de relação com você, e eu sempre soube admirar a tua preocupação com os mais pobres, com os desafortunados, com aqueles mais necessitados, ou seja, se a gente estivesse numa festa, se a gente estivesse em um comício, se a gente estivesse em um ato público qualquer, o Eduardo Suplicy sempre dá atenção para aquela pessoa que mais estava necessitada, a que estava sozinho e que estava malvestido. E é por tudo isso, Eduardo, essa constatação que eu fiz foi pra te perguntar o seguinte: quando foi a primeira vez que te veio na cabeça a ideia da renda básica? De que era possível criar um programa de renda básica no Brasil?

SUPLICY: - Primeiro veio a ideia da garantia da renda mínima, através de um imposto de renda negativo, quando eu estudava lá nos estados Unidos em Michigan, depois Stanford e tudo, porque naquela época, um número muito grande de economistas fizeram um apelo ao congresso norte americano para que se estabelecesse uma garantia de renda mínima (era tempo de Richard Nixon presidente). Ele chegou a chamar o Daniel Patrick Moynihan, que havia sido um auxiliar dos programas de combate à pobreza de John Kennedy e Lyndon Johnson, para formular uma proposta e ali se desenvolveu. E quando eu voltei dos Estados Unidos, eu interagi bastante com o economista Antônio Maria da Silveira que se tornou meu amigo, e ele foi o primeiro a escrever na Revista Brasileira de Eonomia uma proposta de garantia de renda mínima através de um imposto de renda negativo. Eu interagi muito com ele e quando eu me tornei senador pela primeira vez pelo PT. Aí, teve um episódio que acredito que você vai se lembrar, porque era no início de 91, eu ainda iria tomar posse, e teve um seminário, uma reunião, no Instituto Cajamar da CUT (Central Única trabalhadores e do PT) sobre políticas econômicas, e eis que então eu te dei uma carona em um Jeep branco que eu tinha usado na campanha e, ao longo da viagem, eu fui explicando a garantia de uma renda mínima para você e você disse: olha, é uma boa ideia, pode apresentar sim. E em abril de 1991, depois de eu ter explicado lá para a CUT e a direção do PT, e aí teve um pouco mais adiante uma das primeiras reuniões coordenadas no congresso nacional pelo pai do José Graziano, o José Gomes da Silva. Eu era o único senador pelo PT, havia oito deputados do PT e eis que eu apresentei a proposta e o Jose Gomes da Silva disse: “Isso é um Ovo de Colombo”, e daí ela recebeu o parecer favorável do Maurício Correia, que depois foi ministro do Supremo, para ser instituída ao longo de 8 anos. Toda pessoa adulta que não recebesse, na época, 45 mil cruzeiros (150 dólares) por mês. Ele deu um parecer entusiástico e o projeto foi aprovado por consenso, praticamente, somente 3 abstenções, em 16 de dezembro de 1991. Eis que, certo dia, o Walter Barelli que era o coordenador do seu programa paralelo, convidou cerca de 50 economistas simpáticos ao PT para uma reunião em Belo Horizonte. Naquela ocasião, eu e Antônio Maria explicamos a garantia de renda mínima e o professor José Marcio Camargo, da PUC do Rio de Janeiro até hoje, ponderou: Eduardo, é uma boa ideia a garantia de uma renda, mas seria importante começar pelas famílias carentes, desde que suas crianças estejam frequentando a escola, porque se não frequentarem a escola, chegam à idade adulta sem saber o necessário para uma remuneração, para um trabalho que lhes dê uma boa remuneração. Então, se provermos uma garantia de renda mínima, desde que as crianças estejam indo à escola, estaríamos contribuindo para cortar um dos principais elos do ciclo vicioso da pobreza, e aí ele escreveu na Folha sobre isso em 1991 e 1993 e então surgiram as propostas de Cristóvão Buarque, José Roberto Magalhaes Teixeira e tudo que venha a ser o Bolsa escola, o bolsa alimentação, o auxílio gás. E quando você foi eleito presidente, lançou o Fome Zero. José Graziano da Silva, eu estava lá em Acauã e Guaribas quando ele apresentou a Instituição do cartão alimentação de 50 reais para só ser gasto em alimentos. E em outubro daquele ano de 2003, você racionalizou e unificou esses 4 programas, no que veio a ser o Bolsa Família, pelo qual você tem um mérito extraordinário porque todos os relatórios da ONU e do Banco Mundial colocam o Bolsa Família como um exemplo notável de erradicação da pobreza. Porque de 3,5 milhões de família em dezembro de 2003 passou para 14 milhões em 2014, e os índices de desigualdade, de pobreza extrema foram diminuindo ano a ano. E mais e mais eu fiquei persuadido, conversando e interagindo com professores como Phippe Van Parjs e outros no mundo todo, que melhor será o dia em que tivermos a renda básica incondicional e Universal. E felizmente coube a você, em 8 de janeiro de 2004, ser o presidente que sancionou uma lei, a primeira lei aprovada por um Congresso Nacional que institui, ainda que por etapas, a critério do poder executivo, a renda básica de cidadania que um dia vai ser Universal.

LULA: - Eduardo, já que você falou tanto, só uma pergunta, você falou quase que todo o programa inteiro que eu ia te perguntar, eu queria aproveitar para ler para você uma carta de uma pessoa que você sempre admirou. Eu vou ler a carta: “Neste momento em que vossa excelência sanciona a lei de renda básica de cidadania, quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso pais coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária, na sequência, o Brasil foi referido como um dos últimos países a abolir o trabalho escravo. Agora, com esse ato, que é fruto decisivo da ampla visão social do Senador Eduardo Suplicy, o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelo representante do seu povo. Celso Furtado. Janeiro de 2004. Não sei se você está lembrado desta carta, foi lida na aprovação do projeto, ela deve estar no seu livro.

SUPLICY: -Muito bem lembrado, está no meu livro. Você me deixa muito contente de lembrar de pessoas como Celso Furtado, deixe-me lembrar também outro grande pensador brasileiro, autor de Geografia da Fome, “Geopolítica da Fome”, Josué de Castro. Eu estava com você em Recife, o prefeito João Paulo, com o qual eu estive semana passada em uma live, falando da renda básica, lembrei do episódio tão bonito de homenagem a Josué de Castro. Estava presente a filha dele, e eis que ele faria 100 anos de idade, então havia um coral de meninos e meninas dos bairros pobres de Recife e Olinda que começam a cantar e você ficou de olhos lacrimejados, “eu vendo meu burro, meu jegue, um cavalo, Nós ‘vamo' pra São Paulo viver ou morrer, pois logo aparece feliz fazendeiro por pouco dinheiro lhe compra o que tem. Ai, ai, ai, Meu Deus, faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, viver como escravo no Norte e no Sul”. E Josué de Castro em 1956, da tribuna como deputado federal, disse: “Eu defendo o direito de todos receberem o mínimo para sua sobrevivência como um direito de ser brasileiro”. Portanto, Celso Furtado e Josué de Castro, grandes pensadores brasileiros, foram entusiastas dessa proposta que foi objeto da sanção da sua assinatura, só que faz 17 anos. E, agora, há uma ótima notícia, acredito que você já saiba, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o governo federal precisa regulamentar a lei e deu o prazo de até 2022 para estar regulamentando a lei. Isso por causa da iniciativa do defensor público do Rio Grande do Sul que, em nome de um morador de rua, 51 anos, Alexandre da Silva Português, epilético, que estava recebendo só 89 reais do Bolsa Família, e o defensor público do Rio Grande do Sul disse que, conforme a lei, ele tem que ter o direito a renda básica de cidadania.

LULA: - Eu acho, Eduardo, que nós vamos viver pra fazer acontecer isso em 2022. Obviamente que o povo brasileiro vai ter que acompanhar com muito carinho porque a eleição de 2022 ela passa efetivamente pela construção do Brasil, que o povo brasileiro tanto foi e tanto almeja e que, às vezes, não consegue tornar realidade. Veja, eu tenho clareza, Eduardo, que nós conseguimos fazer a mais forte política de inclusão social que esse país já conheceu, e que parte das que já foram feitas estão desmontadas; isso significa que a gente vai ter que ter todo um trabalho. Eu acho que hoje a questão da renda básica já está consolidada na cabeça das pessoas, sabe, eu acho que será necessário menos discussão do que já foi feita até agora pra gente poder garantir, mas sinceramente, garantir de verdade o direito das pessoas poderem tomar café, almoçar e jantar todos os dias. Das pessoas poderem viver com dignidade, com dinheiro garantido pelo estado brasileiro, sabe, o estado não produz nada, o estado arrecada do próprio povo brasileiro, então é importante que a gente tenha a dimensão de que chegou a hora e a vez da gente fazer justiça neste país. Eu sinceramente estou convencido de que o PT já está maduro, eu acho que a sociedade brasileira está madura, ainda tem muito preconceito, Eduardo, mas a gente vai conseguir vencer esses preconceitos, instituir o direito de nunca mais a gente assistir uma pessoa ir dormir com fome ou uma criança levantar sem ter um copo de leite ou um pão com manteiga pra tomar. Eu tenho certeza que nós vamos chegar, eu e você, eu tenho 75 anos e você 80, nós vamos assistir esse Brasil ser um país muito mais justo, e eu acho que com a crise do Lehman Brothers em 2008, os governantes do mundo todo não mediram nenhum esforço para gastar trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, não mediram nenhum esforço para gastar trilhões de dólares. Sabe, vai custar muito menos uma política de renda básica para que as pessoas sobrevivam, muito menos do que foi utilizado para salvar o sistema financeiro. E agora com COVID 19, outra vez por toda desgraça que está passando a humanidade, eu acho que nós estamos convencidos de que está se consolidando cada vez mais a necessidade de todos os governantes do mundo botarem na cabeça que nós precisamos criar um sistema de distribuição de riqueza que garanta às pessoas uma renda para sobreviver. Obviamente que nós temos que levar em conta a situação econômica de cada país, mas quando eu deixei a presidência, Eduardo, eu visitava vários países pobres da América do Sul e da África falando da questão do bolsa família, da questão da renda, e eu dizia: não precisa ser um país que tenha todo dinheiro, se você não tem 10, coloque 5, se não tem 5 coloque 2, o que precisa, efetivamente, é que o pobre esteja colocado dentro do orçamento da União. Na hora que for fazer o orçamento, na hora que for fazer o bolo arrecadado, os pobres têm que estar na fila, e não em último lugar. Ele tem que estar em primeiro lugar, para que a gente não se esqueça deles. Então eu acho, Eduardo, que você precisa a partir de agora com 80 anos, com energia de 30, eu espero que você continue com o mesmo fogo, desculpe falar bobagem aqui, mas que você continue com o mesmo tesão pela renda básica que você sempre teve, porque você sabe que nós temos que teimar, brigar, defender, falar, repetir todo santo dia até a gente conseguir convencer os incautos de que este país tem condições de melhorar a vida do seu povo. Então, Eduardo, eu acho que o teu nome nessa história é importante, que o PT é importante pra que a sociedade brasileira que pensa de forma mais humanista leve em conta todo o trabalho que você tem feito nesses 40 anos, ou seja, eu, sinceramente, fico às vezes com inveja, sabe, como é incansável a figura humana Eduardo Suplicy para defender uma coisa que ele acredita. Se todo mundo tivesse a sua disposição de acreditar numa coisa e defender, certamente o mundo já seria muito melhor, você tem muita tarefa ainda pela frente, eu acho que você deve continuar viajando o Brasil. Eu, logo logo, vou começar a viajar o Brasil, acho que uma coisa importante é você fazer muitas viagens, a gente viajar juntos para você mostrar para as pessoas que é possível, nós temos que provar que economicamente é possível. Nós temos que parar com essa bobagem de que toda vez que a gente falar no pobre, a gente falar não pode gastar... E tudo que é para o rico é investimento, para o pobre é gasto, para o rico é investimento. Quando, na verdade, o melhor investimento que o governo faz é cuidar do seu povo para que ele possa ter acesso às coisas necessárias para a sobrevivência humana. Então, é o seguinte, eu queria que você falasse um pouco, você já viajou alguns países para discutir a questão da renda básica, em quantos países você já foi? E qual foram os melhores exemplos que você viu? Inclusive eu queria que você falasse de Maricá, da nossa Maricá, cidade do Rio de Janeiro, que você também já esteve lá.

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