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Maura Montella

Professora de Economia da UFRJ com 10 livros publicados, sendo o mais recente "Era só para envolver o Lula na Zelotes". Mestra em Economia Política, Doutora em Engenharia de Produção e Pós-doutora em Linguística

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Tribunal do gosto

"Você não é obrigado a conviver com pessoas que tenham gostos diferentes, mas você não pode determinar se está certo ou errado", diz Maura Montella

Fachada do Twitter na California (Foto: REUTERS/Stephen Lam)
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Há tempos não escrevo uma coluna, e ando meio afastada das redes sociais também. 

O principal e verdadeiro motivo é que fiz uma cirurgia de miopia. Uso (usava, o hábito ainda me pega) lentes de contato há mais de trinta anos. Minha adaptação a esses "corpos" sempre foi tão perfeita que eles nunca me pareceram "estranhos", simplesmente faziam parte de mim. Mas o tempo excessivo diante do computador e do celular, sobretudo durante a pandemia, cobrou o seu preço. Cansados de enxergar, ou talvez porque os últimos acontecimentos não tenham sido mesmo bons de se ver (tragédia no Recife; sucessivas patacoadas do Bolsonaro; farra dos cantores sertanejos com dinheiro público etc.), meus olhos acabaram clamando por mais cuidados. Minhas lentes já não se mostravam as boas companhias de outrora e a minha vista gritava avisando que estava na porta da UTI. Eu precisava encontrar uma saída, e a única alternativa foi a cirurgia. Tomada a decisão, eu ainda precisava ser aprovada nos exames médicos. Com um alto grau de miopia e com a lembrança de diversos ocultistas dizendo que a minha córnea era muito fina, deixei de dormir por vários dias, ansiosa com a possibilidade de não ter a espessura de córnea exigida para a realização do procedimento. 

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Coloquei todo mundo à minha volta pra rezar: mãe, tia, sogra e amigos. Meu coração apertava, me sentindo egoísta diante de tragédias muito maiores do que a minha (que nem tragédia era), mas logo me lembrava que Deus é onipotente e onisciente, e assim pude manter os pedidos de oração direcionadas para o meu caso. Para aliviar a minha consciência, foquei minhas preces em Santa Luzia, a protetora dos olhos, podendo liberar Deus, o Criador, para causas mais urgentes e importantes. 

Enfim, fiz a cirurgia com um oftalmologista muito atencioso e espero que tudo tenha corrido bem. Ainda não posso dar meu veredito, pois sequer completei os primeiros quinze dias de operada, mas já estou conseguindo escrever aqui para vocês, e isso muito me alivia.

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Fiz essa introdução para chegar no segundo e não menos verdadeiro motivo pelo qual me afastei das redes sociais. Vou chamá-lo de "tribunal do gosto" e já me explico. 

Que a internet é cheia de polêmicas bobinhas, todo mundo sabe, e isso não me afeta. Em determinados dias, acordo com mais paciência para ler os argumentos de quem defende se o certo é biscoito ou bolacha ou se sopa é janta ou não. Em dias de menos tolerância com esse tipo de bobeira, passo por cima e toco a vida pra frente... Normal!

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Até aqui, tudo bem, mas o que me incomoda mesmo, e desta última vez me incomodou pra valer, é o tal do certo e errado para qualificar o gosto de alguém. "Gosto", gente!? Como assim querer botar padrão em algo tão pessoal quanto gosto?? 

E aí, o primeiro e o segundo motivo para o meu afastamento das redes se convergem. É que passou pela minha timeline do Twitter, a boba polêmica sobre ver filmes dublados ou legendados. A pessoa que fez o tuíte foi implacável: ou seus amigos e seguidores assistiam a filmes legendados ou não eram dignos da sua amizade. Não sei por que cargas d'água, resolvi comentar que eu preferia filmes dublados porque não me sentia confortável lendo de longe. Em vez de só curtir ou de passar batido, ela me respondeu, e, pasmem, a autora do post me mandou procurar um oculista e usar óculos!!! Assim... desse jeito... com essas palavras! Como – na hora eu pensei – ela pode dar um veredito sobre o que eu devo ou não fazer da minha vida? Caraca!!! 

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Lembrem-se de que eu estava superansiosa na iminência de fazer uma cirurgia justamente nos olhos, os mesmos que leem as legendas dos filmes... Poxa vida, tudo bem que ela não soubesse do meu drama particular, mas pera lá! Pode parecer pouco pra tanta revolta da minha parte, mas, de verdade, achei aquela resposta muito agressiva. Agressiva, injusta e desnecessária. Me pôs pra baixo, como se eu fosse fisicamente incapaz e ela o suprassumo da lei de Darwin. Minha reação foi largar o celular em cima do sofá e surtar no melhor estilo Val Marchiori, vociferando pra mim mesma (por sorte eu estava sozinha dentro de casa): Oiiiii?? Helloooo?? Quem é ela pra dizer o que eu devo ou não fazer?!

Ah, e eu não contei pra vocês, mas o tuíte terminava com aquele "clichezão" que já foi engraçadinho, mas que hoje não faz mais nenhum sentido, que é quando o tuiteiro arremata o post com o antipático "e só a minha opinião importa". Arg, que irritação, meu Pai!

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Aquele post inquisidor tachava a mim e a qualquer ser humano que preferisse assistir a um filme dublado de ignorante, inculto e incapaz e ainda nos condenava a sermos banidos da lista de amigos dos supostos intelectuais que dominam o idioma dos filmes estrangeiros ou que são fisicamente superiores por conseguirem ler as legendas de longe.

Como não sou de bater boca em redes sociais, peguei o celular de volta somente porque queria deixar de seguir aquela versão feminina do trapaceiro Sergio Moro, ou seja, uma petulante que se achou no direito de me julgar e de me condenar pelo meu, pasmem, gosto! E, sim, antes que me perguntem, acho salutar deixar de seguir ou até bloquear pessoas que te fazem mal.

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Foi então que entrei no perfil da famigerada juíza de gosto alheio e resolvi ler os comentários feitos no tal post. Sábia decisão, pois foi exatamente na justificativa das outras pessoas que encontrei as palavras que gostaria de ter dito a ela.

Um homem comentou que sua forma de carinho com a mãe era assistir a filmes juntos, mas que a mãe não conseguia acompanhar as legendas, e ele acabou se acostumando e preferindo filmes dublados.

Uma senhora falou que nasceu no interior de Santa Catarina, numa colônia rural de alemães, e que cresceu ouvindo alemão. Embora ela fale português, não tem destreza para ler, então prefere filmes dublados.

Outro homem escreveu que se ele assistir a filmes dublados acaba dormindo e por isso prefere os legendados. Outra mulher, com menos sorte, relatou ter um marido muito egoísta e que não aceita ruídos na casa que não sejam os de sua preferência. A esposa, por sua vez, se acostumou a ver filmes com o volume muito baixo, mas tendo a legenda como suporte.

Enfim, os relatos e os motivos foram os mais interessantes e os mais diversos possíveis, o que confirmou o meu pensamento de que não existe certo e errado para preferência; não existe tribunal do gosto. 

Você não é obrigado a conviver com pessoas que tenham gostos diferentes dos seus (embora eu ache isso muito pouco para acabar com uma amizade), mas você não pode determinar se o gosto de alguém está certo ou errado, simplesmente porque não cabe, não procede, nem faz sentido esse tipo de afirmação.

Hoje, posso dizer que a minha raiva com relação à inútil polêmica dos filmes dublados ou legendados já passou, mas ficou a lição: se você, como eu, também não gosta do Bolsonaro, seu gosto está certo, mas com relação a todos os demais gostos, sinta-se à vontade para mostrar e defender os seus, porque não existe certo ou errado para preferências; não existe tribunal do gosto; ele é seu e ponto.

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