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Adhemar Mineiro

Economista e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)

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Tributação e preços dos combustíveis: diferenças entre as duas últimas gestões no país

Estratégia adotada pela Petrobras apresenta certa ambiguidade

Amostra de diesel da Petrobras (Foto: Petrobras/Divulgação)

A política tributária exerce influência significativa na formação dos preços dos combustíveis entre outros elementos. No entanto, as recentes alterações tributárias implementadas no governo Lula e as medidas adotadas durante o governo de Jair Bolsonaro apresentam impactos distintos e refletem estratégias diferenciadas de intervenção. Ambas foram aplicadas em períodos de pressão inflacionária, porém com objetivos direcionados a contextos distintos. 

Em 2021 e 2022, as medidas tributárias tiveram como objetivo reduzir os preços dos combustíveis em um ambiente pré-eleitoral marcado por alta volatilidade, decorrente de uma política de preços fundamentada exclusivamente no Preço de Paridade Internacional (PPI). No governo Lula, as mudanças tributárias estão inseridas em um processo mais amplo de reforma tributária e ocorrem em um cenário de maior estabilidade de preços, sustentado pela nova política da Petrobras, estabelecida em 2023, que considera as especificidades do mercado nacional.

Durante o governo Bolsonaro, a Petrobras manteve a política de preços adotada no governo Temer, vinculando os preços internos dos derivados às cotações internacionais do petróleo, acrescidas de custos logísticos, tributos e variação cambial. Essa estratégia assegurava previsibilidade para importadores e refinadoras privadas, mas expunha o mercado interno à volatilidade externa.

A partir de 2021, e intensificando-se em 2022, ano eleitoral, o governo Bolsonaro adotou medidas para reduzir os preços dos combustíveis, buscando mitigar impactos eleitorais negativos. As ações concentraram-se na redução de tributos para gerar quedas imediatas nos preços. Entre março e abril de 2021, o PIS/Cofins do diesel foi zerado por dois meses. Em março de 2022, a Lei Complementar 192 eliminou novamente as alíquotas do PIS/Cofins sobre diesel e GLP até dezembro daquele ano e alterou a sistemática de cobrança do ICMS sobre combustíveis.

Em junho de 2022, o governo ampliou a desoneração dos tributos federais (PIS/Cofins e Cide) para a gasolina e classificou os combustíveis como bens essenciais, limitando a alíquota de ICMS a 18%. No entanto, a redução tributária foi parcialmente absorvida pelos agentes da cadeia de combustíveis, que recompuseram suas margens. O tema seguiu em debate ao longo de 2023, e a desoneração foi prorrogada até fevereiro de 2025, quando as alíquotas foram finalmente reajustadas.

No novo governo, as medidas tributárias não foram imediatamente alteradas, uma vez que o Congresso Nacional iniciou, desde o princípio da gestão, as discussões sobre a reforma tributária, concluída apenas no final de 2024. Assim, salvo aquelas com prazo de vigência previamente estabelecido, as demais desonerações foram prorrogadas, e mudanças significativas na tributação dos derivados começaram a ocorrer apenas em 2025, alinhando-se aos novos marcos da reforma tributária. Essas alterações ocorrem em um contexto distinto do governo anterior, caracterizado por menor volatilidade de preços, devido à nova política da Petrobras.

Em maio de 2023, a Petrobras reformulou sua estratégia de precificação, fundamentando-se no fato de que o Brasil, como exportador líquido de petróleo, não precisava vincular integralmente os preços internos às cotações internacionais. A nova política reconhece a autossuficiência na produção de petróleo, mas também a dependência de importações de derivados, o que impede uma completa desvinculação dos preços internacionais. A flexibilização do vínculo com o dólar e os preços internacionais reduziu a volatilidade, permitindo, por exemplo, a manutenção dos preços do diesel em 2024, mesmo diante das flutuações do câmbio. A medida contribuiu para a contenção da inflação em 2023, com destaque para a redução de 12% nos preços do GLP no primeiro ano da nova política. 

A Petrobras manteve sua rentabilidade por meio de margens ajustáveis, sem abandonar totalmente o PPI, que segue como referência para a empresa e para os importadores. Um exemplo da continuidade dessa influência foi a redução de 4,6% no preço do diesel, no final de março, nas refinarias da Petrobras, possibilitada pela queda de cerca de 13% nos preços internacionais do combustível em fevereiro e março. Posteriormente, a partir de 18 de abril, foi aplicada uma nova redução de 3,4% nos preços do diesel nas refinarias. As sucessivas quedas no valor desse derivado podem exercer impacto relevante sobre a taxa de inflação, tanto de forma direta quanto indireta, dada a centralidade do diesel no transporte de cargas e passageiros. 

Apesar de as recentes reduções nos preços estarem alinhadas à queda do petróleo para abaixo de US$ 70 o barril e à valorização do real, a estratégia adotada pela Petrobras apresenta certa ambiguidade. Ao justificar os aumentos de preços da gasolina em 2024 e do diesel em 2025 com base na pressão cambial e, posteriormente, aplicar reduções ancoradas nas cotações internacionais e na taxa de câmbio, a empresa relativiza os fundamentos da política vigente e sinaliza a persistência da lógica praticada na política anterior.

Nos próximos meses, ainda veremos variações nos preços dos derivados em função da implementação gradual das mudanças tributárias que vão sendo adotadas, nos planos estaduais e federal. No entanto, essas alterações ocorrem em um ambiente de maior estabilidade, propiciado pela nova política de precificação da Petrobras. 

Além disso, a possível retomada das atividades de distribuição pela estatal pode ampliar sua capacidade de influência sobre os preços finais, caso ocorra. Assim, apesar das recentes elevações nos preços dos combustíveis, a estratégia adotada pela Petrobras tem assegurado maior previsibilidade ao mercado, mesmo diante dos ajustes tributários, até porque as modificações tributárias devem ser previamente anunciadas. Vale ainda destacar que, no caso do GLP, o gás de cozinha, essa política resultou em uma redução significativa dos preços, evidenciando seu impacto na contenção da inflação, e favorecendo o setor mais pobre da população.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.