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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Triplex de Paraty, ligado à família Marinho, volta aos holofotes ao ser colocado à venda por site internacional de luxo

Imóvel, que indica crimes ambietais e lavagem, ficou conhecido quando Moro, procurando provas contra Lula, encontrou papéis que comprometiam os aliados da Globo

Imagem do que ficou conhecido como "Triplex da Família Marinho", no site de imóveis de luxo à venda (Foto: Divulgação)

O imóvel conhecido como Paraty House, uma mansão triplex erguida em área de preservação na Costa Verde fluminense e que já foi tema de controvérsia na Operação Lava Jato, voltou a chamar atenção. O site internacional de imóveis de luxo Latin Exclusive colocou a propriedade à venda, descrevendo-a como “uma joia imobiliária com praia privativa” entre o Rio de Janeiro e São Paulo.

O valor de venda é de 15 milhões de dólares (cerca de R$ 80 milhões pelo câmbio oficial). O anúncio, redigido em inglês — o que revela a intenção de atrair compradores estrangeiros — descreve 215 mil metros quadrados de terreno, cinco suítes de luxo e uma série de comodidades: heliponto certificado, dois píeres particulares, uma trilha pela mata que leva a uma sala de massagem e até um tobogã natural que desemboca diretamente no mar. 

O projeto arquitetônico é assinado por Marcio Kogan, um dos mais premiados arquitetos brasileiros.

Segundo o texto, a propriedade “representa uma oportunidade única de possuir um pedaço do paraíso brasileiro” e também “um potencial incomparável de desenvolvimento hoteleiro”. O anúncio pode ser consultado clicando aqui.

Paraty House ou Triplex do Guarujá era uma propriedade conhecida apenas dos moradores de Paraty até que um um servidor público em passeio de barco tentou atracar na praia de Santa Rita, para brincar, mas foi proibido por seguranças armados.

Conversei com esse turista depois que, em 2017, localizei seu nome em uma ação civil pública que tramita desde 2010 (há 15 anos!) em Angra dos Reis. Foi ele quem fez a denúncia a um serviço de ouvidoria do sistema de justiça. 

Na mensagem, dizia ter sido informado por barqueiros de que a propriedade pertencia à família Marinho, proprietária do Grupo Globo de Comunicação.

Pelo texto postado via internet, nota-se que ele estava indignado, já que a praia é um bem público e não pode ter acesso negado a quem quer que seja. Depois que publiquei a reportagem, ele entrou em contato comigo e pediu para ocultar o seu nome, já que temia represália.

Foi o que fiz, considerando o pedido justo, embora constasse na ação civil pública. 

Antes disso, em 2012,  um site jornalístico de fora do Brasil, a Bloomberg, já havia publicado reportagem sobre milionários brasileiros que violavam a lei para construir mansões paradisíacas na região, que inclui Angra dos Reis, com acesso fechado ao público. 

O texto, no entanto, não repercutiu no País, à época.

Luciano Huck era um dos violadores da legislação ambiental, conforme descobri quando fui consultar a ação. Ele admitiu que errou, fez acordo com o Ministério Público Federal e frequentou uma ONG durante alguns meses, para aprender sobre a importância da preservação da vida marinha.

O que me levou à Vara da Justiça Federal em Angra dos Reis, em 2017, foi o encontro fortuito de documentos sobre a propriedade, em 2016. Sob a liderança de Sergio Moro, a Operação Lava Jato investigava o famoso triplex do Guarujá, em São Paulo.

Imóvel que se provaria, mais tarde, não pertencer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que, a despeito disso, levou à condenação e à prisão dele, bem como à proibição de que disputasse a eleição em 2018, o que abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro e para a ascensão da extrema direita no Brasil..

Numa das fases da Lava Jato, o então juiz Sergio Moro autorizou busca e apreensão no escritório da Mossack & Fonseca, em São Paulo — empresa panamenha especializada em abertura de offshores, também implicada nos Panama Papers.

A Polícia Federal não encontrou qualquer documento relacionado a Lula, mas apreendeu papéis que apontavam que o imóvel de Paraty pertencia à empresa Agropecuária Veine Patrimonial Ltda., controlada pela offshore Vaincre LLC, registrada em Nevada (EUA).

Entre os documentos, havia anotações manuscritas mencionando Paula Marinho, filha de João Roberto Marinho, um dos herdeiros do Grupo Globo, e o empresário Alexandre Chiappetta de Azevedo, então marido de Paula.

Esses registros indicavam pagamentos de manutenção de offshores e despesas vinculadas ao imóvel.

O silêncio que se seguiu

Após a apreensão, os funcionários da Mossack & Fonseca foram liberados e o caso desapareceu dos noticiários da imprensa corporativa. Nenhum inquérito criminal foi aberto sobre a propriedade.

Ao visitar o local, descobri que o imóvel estava em área de proteção ambiental e respondia à ação civil pública (nº 0000951-43.2010.4.02.5111) na Justiça Federal de Angra dos Reis, movida pelo Ministério Público Federal (MPF).

Conversei com o juiz Ian Legay Vermelho. “A demolição do imóvel é o objeto da ação. O que será decidido é se ele será demolido”, disse o juiz Ian Legay Vermelho, na época respondendo pela 1a. Vara Federal em Angra dos Reis. O Ministério Público Federal também pediu a recuperação da vegetação nativa por dano ambiental.

Nos autos da ação, a engenheira Angela Kuczach, então servidora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), elaborou um laudo técnico detalhando o impacto ambiental causado pela construção.

“As edificações avançam sobre vegetação de restinga e ocupam faixa de praia, que é bem público de uso comum do povo. A obstrução do acesso representa violação ao princípio do livre uso das praias garantido pela Constituição Federal”, escreveu Kuczach.⁸

A engenheira descreveu ainda que o conjunto arquitetônico “atinge área de preservação permanente e inclui a ocupação irregular de uma faixa de areia”.

Ela também observou que cercas e portões restringiam o acesso de pescadores e banhistas, o que contraria normas ambientais e o direito coletivo ao uso das praias.

À época da divulgação dos documentos, Paula Marinho afirmou, por meio de nota, que “não tem, nem nunca teve, participação em nenhuma das empresas citadas”. Segundo ela, o beneficiário das offshores seria seu então marido, Alexandre Chiappetta de Azevedo.

Procurei a Latin Exclusive, corretora responsável pelo anúncio, e fui informado do valor de venda.

Sobre a titularidade do imóvel, sempre negada pela família Marinho, embora fosse pública a presença de membros da família lá, a corretora, falando com sotaque, disse que só poderia revelar o nome se a negociação avançasse, inclusive com contatos formais.

“O que posso dizer é que são pessoas famosas”, salientou.

Fundada em Paris, a Latin Exclusive é uma corretora internacional especializada em imóveis de luxo na América Latina e no Caribe, com sedes também no Rio de Janeiro, Lisboa e Cidade do México.

Em seu material institucional, a empresa se define como “uma boutique imobiliária internacional que atende clientes que buscam privacidade e discrição”.

O site e os anúncios são predominantemente em inglês, o que indica o foco em compradores estrangeiros de alta renda.

Luxo e controvérsia cercam a Paraty House. A residência, celebrada em revistas de arquitetura como exemplo de integração entre design e natureza, hoje simboliza também o conflito entre poder econômico, impunidade e preservação ambiental.Enquanto outros imóveis erguidos em APPs de Paraty foram demolidos por ordem judicial, o triplex ligado à família mais poderosa da mídia brasileira permanece de pé — e agora, disponível para venda internacional.

“Um monumento de luxo erguido sobre um terreno de impunidade”, como defini em um dos artigos sobre a propriedade.

Nesta quarta-feira, voltei a procurar a Vara Federal em Angra dos Reis e perguntei sobre o desfecho da ação civil pública que tem por objeto a demolição do imóvel. A resposta é que houve um despacho ontem, mas que não tinha conteúdo disponibilizado ao público, pois falta a assinatura da magistrada (já não é o juiz Ian Legacy Vermelho)

Impressionante é que, quinze anos depois de seu início, o processo ainda não teve sentença. Quando vi a ação, em 2017,  ainda em papel, descobri que a procuradora da offshore, uma senhora moradora do Grajaú, Rio de Janeiro, tinha ignorado três vezes as intimações para depor. 

Era, naturalmente, uma laranja. Mas à época a Justiça não teve a iniciativa de determinar a condução coercitiva. Quando o imóvel é coloca à venda agora, surge uma pergunta que não quer calar:

A Justiça está esperando a troca de titularidade para, enfim, determinar a reparação dos danos ambientais. Quanto aos demais crimes, como sonegação e lavagem de dinheiro, haverá resposta?

Em 2012, a Bloomberg, que fez a reportagem depois da denúncia do servidor público, cravou:

“Os herdeiros de Roberto Marinho, fundador das Organizações Globo, também construíram em 2008 uma casa de 1,3 mil metros quadrados, com piscina e heliponto que desmatou uma área de mata protegida na praia de Santa Rita em Paraty. A praia pública e a área da residência são protegidas por dois guardas armados com pistolas a espantar quem tenta se banhar no local”.

A reportagem teve como título: “Os ricos do Brasil não têm vergonha de construir casas em reservas naturais”. 

Com certeza, essa notícia você não viu na Globo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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