Trump 2.0 renova o isolamento e o cerco à Cuba sufocada pelo embargo
A ilha resiste. E pode, com a participação do BRICS e a formação de novas coalizões no Sul Global, ganhar um novo fôlego
Uma data muito importante para o povo cubano passou quase despercebida no Brasil. O 26 de julho de 1953 celebra o início de um processo que culminou com a Revolução Cubana, em 1959, quando os revolucionário liderados por Fidel Castro, agrupados, não por coincidência no Movimento 26 de julho, derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista, um fantoche dos EUA em Cuba.
Três anos depois, em 1962, durante o governo John Kennedy, foi instaurado o embargo econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos que perdura por inacreditáveis 63 anos asfixiando o povo cubano. O embargo dos Estados Unidos contra Cuba é, ao lado da ocupação e do genocídio na Palestina, um dos maiores símbolos de isolamento e punição geopolítica ainda vigentes.
Apesar da quase unanimidade internacional contra o embargo (incluindo votações anuais na ONU em que mais de 180 países condenam a medida), os EUA mantêm o cerco com base no argumento de que Cuba "viola direitos humanos e não realiza reformas democráticas." O embargo sobrevive a dez presidentes americanos, com variações táticas, mas sempre sob a lógica da contenção.
Reaproximação com Obama, retrocesso com Trump
Em 2014, o mundo testemunhou um momento histórico. Barack Obama e Raúl Castro anunciaram o início da normalização das relações diplomáticas. As embaixadas foram reabertas, cidadãos americanos passaram a viajar com maior liberdade à ilha, e Obama tornou-se, em 2016, o primeiro presidente dos EUA a visitar Havana em quase um século.
Mas essa abertura durou pouco. Em 2017, Donald Trump reverteu grande parte das medidas de Obama. Ao longo de seu primeiro mandato, Trump impôs mais de 240 novas sanções a Cuba. Proibiu voos, navios de cruzeiro, remessas de dinheiro, e, em 2019, reativou o Título III da Lei Helms-Burton, gerando insegurança jurídica para investidores estrangeiros na ilha.
Em 2021, nos últimos dias do seu primeiro mandato na presidência dos EUA, Trump deu um golpe final. Recolocou Cuba na lista de países patrocinadores do "terrorismo", de onde havia sido removida por Obama. Essa medida impôs restrições ainda mais severas ao comércio e às finanças internacionais de Cuba.
Volta de Trump renova o isolamento e o cerco à Cuba
A volta de Trump à Casa Branca em 2025, num segundo mandato cercado de conflitos com o mundo, representou o retorno em dobro da política de cerco a Cuba. As primeiras medidas confirmaram o que já se esperava. Manutenção de Cuba na lista de patrocinadores do "terrorismo"; pressões sobre países latino-americanos para que cortem cooperação médica e técnica com Havana; novas sanções contra empresas europeias e asiáticas que atuem no porto de Mariel ou no turismo, entre outras.
BRICS: uma janela entre ruínas
É nesse cenário de cerco renovado que Cuba mira com esperança para o bloco BRICS. A entrada oficial de Cuba como parceiro do BRICS foi anunciada em 17 de janeiro de 2025, e acesso ao Banco de Desenvolvimento em julho, o que pode ser uma “boia de salvação” para a ilha, permitindo trocas comerciais justas e acesso a crédito. Como parceira do BRICS, Cuba tem buscado estreitar laços bilaterais com os países do grupo, especialmente China, Rússia e, mais recentemente, o Brasil de Lula.
As possibilidades são reais. A China é hoje o segundo maior parceiro comercial de Cuba, fornecendo ônibus, trens, painéis solares e equipamentos médicos. Em tempos de escassez de energia, a parceria em fontes renováveis e sistemas de pagamento alternativos ao dólar pode abrir novas frentes de sobrevivência econômica.
A Rússia anistiou parte da dívida cubana e assinou acordos de cooperação em turismo, agricultura e petróleo. Embora limitada pelas próprias sanções ocidentais, Moscou mantém Havana como base geopolítica de projeção no Atlântico.
Com o retorno de Lula, reabriu-se o canal de diálogo político do Brasil com Cuba. O apoio brasileiro ao fim do bloqueio nos fóruns multilaterais e a retomada de programas como o Mais Médicos são sinais de um novo tempo.
A ilha que resiste
Cuba não é uma economia próspera nem estável, tampouco um regime imune a críticas. Mas a persistência do embargo americano, especialmente em sua versão trumpista, tem um caráter punitivo, desumano, anacrônico, cruel. Em um mundo que caminha para a multipolaridade, manter um país bloqueado por mais de seis décadas revela, não uma preocupação com direitos humanos, e sim uma obsessão com a hegemonia unilateral do dólar, do capital e da narrativa ocidental.
A ilha resiste. E pode, com a participação do BRICS e a formação de novas coalizões no Sul Global, ganhar um novo fôlego, respirar, trocar, comercializar e reconstruir a dignidade de seu povo sem ser tratado como inimigo pelo simples fato de ter feito uma escolha política diferente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




