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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Trump, a justiça e o antissemitismo eterno

Trump não hesitou nem por um dia em culpar pelo seu indiciamento aquele que é sempre invocado pelos antissemitas: George Soros

Ex-presidente dos EUA Donald Trump chega a Trump Tower, em Nova York, EUA03/04/2023 (Foto: REUTERS/Jeenah Moon)
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Sim, é histórico o momento: o primeiro ex-presidente dos EUA indiciado na história do país. E de fato, para quem é a favor da Democracia, da Justiça Social e dos Direitos Humanos, ver Trump finalmente pagando pelos seus crimes é um presente em termos de Justiça. Trump foi o presidente mais nocivo a governar na Casa Branca – superando consideravelmente Nixon –, tendo causado a maior desestabilização social já vista em seu país, o que por pouco não culminou na derradeira disrupção do Estado de Direito do mesmo.

Mas infelizmente parece muito incerto se tal indiciamento resultará de fato em algo concreto, como uma possível condenação que, se não levar à prisão, ao menos leve à inelegibilidade de Trump. E isto provavelmente também não ocorrerá. Há antes de mais nada a questão da prescrição tanto no caso do “hush money” (o “dinheiro do silêncio” pago a Stormy Daniels) quanto dos imbróglios relativos aos pagamentos de impostos tanto pessoais quanto das campanhas eleitorais. E mesmo com mais de duas dúzias de processos contra o ex-presidente, ainda que algum escape do período de prescrição, outros truques jurídicos serão utilizados sem economia por seus experientes advogados.

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Uma vez que todo o processo deverá se arrastar por meses, o que nos cabe agora é analisar a situação real que temos no momento. E o ponto que trago a este artigo é justamente a questão do antissemitismo. Para os entendidos do assunto, que Trump e considerável parte de seus seguidores são antissemitas, não é surpresa alguma. A base de apoio do ex-presidente é conhecidamente formada por grupos de Supremacia Branca (mais notadamente os Proud Boys) e conspiracionistas (sobretudo o QAnon) e a ideologia que fundamentou seu trajeto político desde 2016 é assinada por um dos maiores representantes da Extrema-direita do planeta, Steve Bannon.  

Assim, cumprindo a cartilha do discurso de ódio e das teorias conspiratórias, Trump não hesitou nem por um dia em culpar pelo seu indiciamento aquele que é sempre invocado pelos antissemitas: George Soros. Soros é um bilionário judeu conhecido por ter doado ao longo de sua vida altas quantias ao partido Democrata, consistentemente apoiando causas progressistas, inclusive a questão da Reforma da Justiça Criminal. Esta causa especificamente é uma das que mais incomoda os republicanos mais conservadores, afinal ela aborda questões estruturais visando combater a discriminação racial, a brutalidade policial, o encarceramento em massa, entre outros.

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Desta forma, os antissemitas, se utilizando dos tropos mais tradicionais do preconceito contra judeus, elegem Soros como o “puppet master”, o marionetista que controlaria os políticos do país de acordo com os interesses da comunidade judaica. Trump, sem o menor pudor, diversas vezes trouxe à tona tal conspiração. Em recente discurso em 4 de março, ao já temer seu indiciamento, ele apontava a “máquina de dinheiro de George Soros que gasta muito dinheiro com promotores”. Outros republicanos dos mais importantes do país fazem coro ao mesmo discurso, como Kevin McCarthy, presidente da Câmara dos Deputados, que afirmou em 19 de março que Alvin Bragg, o promotor do condado de Nova Iorque à frente do caso de Trump, era o “promotor que recebeu mais de um milhão de dólares de Soros”. No dia seguinte, o governador da Flórida e candidato a representar os Republicanos na corrida eleitoral do ano que vem, Ron DeSantis, disse que “americanos comuns em todas essas diferentes jurisdições são vitimados todos os dias por causa da imprudente agenda que os promotores de Soros trazem aos seus serviços”. E em 30 de março, Matt Gaetz, deputado federal da ala mais extremista do partido (e alvo de investigações federais sobre tráfico sexual), afirmou que o caso “parece deixar a nação no precipício, enquanto testemunhamos o sufocamento de Soros do sistema de justiça criminal neste país”.

Cabe aqui um breve fact-checking: a realidade é que Soros não possui nenhuma ligação direta com Braggs, não tendo feito doação alguma para sua campanha nas eleições de 2021 em que se saiu vitorioso. O que ele fez foi doar para o Comitê de Ação Política ‘Color of Change’, que apoia a Reforma da Justiça Criminal e que, por sua vez, apoiou Braggs.

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O ponto central aqui é que mesmo que Soros tivesse doado diretamente para Braggs durante toda a sua vida política, não teria feito nada diferente de todos outros doadores dos EUA, que apoiam seus candidatos preferidos, tanto democratas quanto republicanos, em todos os possíveis estágios da hierarquia política. A questão dos acusadores e suas parolas antissemitas não é denunciar o seríssimo problema do financiamento político nos EUA, mas sim perpetuar a ideia de que existe um povo específico, liderado por um homem específico, que controla o cenário político e jurídico do país através de suas “marionetes” colocadas no poder comprado com o seu dinheiro.

O falecido professor emérito de Ciências Políticas da State University of New York, descreveu esta fantasia do controle mundial judaico como “a teoria da conspiração mais difundida e durável do século XX”. Mas vemos que mesmo no século XXI, ela permanece mais viva do que nunca. Representantes da nova Extrema-direita, que em muitos casos se irmana ao Fascismo, carregam fielmente debaixo do braço a essência ideológica de ‘Os protocolos dos Sábios de Sião’ que, publicado na Rússia czarista, popularizou tal narrativa na virada do século XIX ao XX; e a sua “versão estadunidense atualizada”, que surgiria em 1920 assinada pelo notório antissemita Henry Ford, sob o título ‘O judeu internacional’ (e o subtítulo ‘O maior problema do mundo’).

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A realidade é que muito antes do século XX as noções que fundamentam esta ideia, o “antissemitismo arcaico” ou “ur-antissemitismo”, já existiam. A imagem medieval do judeu enganador e traidor que envenenava os poços dos gentios, funciona como elemento cerne para o caráter de um povo que como um câncer se alastraria pela humanidade buscando dominá-la.

Em 2021 um estudo conduzido pela companhia Morning Consult aponta o fato de que cerca de metade das pessoas que apoiam o já mencionado grupo Qanon simplesmente crê que os judeus tramam constantemente para dominar o mundo. Este grupo oferece apoio incondicional a Donald Trump, “inspirando” dezenas de milhões de seus seguidores e eleitores.

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Umberto Eco cunhou o termo “Ur-Fascismo” e “Fascismo eterno” em seu histórico ensaio de 1995. Ele traz basicamente dois conceitos relativos ao Fascismo: suas origens/fundamentos/causas (ur) e sua perenidade/imortalidade (eterno). Em 2023, Trump escancara mais uma vez a realidade do antissemitismo eterno, apostando neste específico discurso de ódio e de inverdades para exortar seus fanáticos seguidores, na esperança de ser defendido de sua possível queda da Casa Branca à prisão, mesmo que isto custe e cause, nas palavras do próprio, “potencial morte e destruição”.

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