Trump e Bolsonaro, estrelas de um mundo caduco
"Aproximados pelo discurso sectário e arrogante, Trump e Bolsonaro deixaram a Assembléia da ONU sem oferecer qualquer perspectiva de progresso para homens e mulheres que sofrem com a desigualdade e a falta de oportunidades", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia. "Num universo ameaçado por uma recessão mundial, é possível que no futuro o evento seja descrito como um Baile da Ilha Fiscal em escala planetária"
Num universo que, para muitos economistas, enfrenta uma ameaça de recessão capaz de devorar as grandes economias do planeta a partir de 2020, é bem possível que os historiadores do futuro venham a descrever a mais recente Assembléia Geral da ONU como uma espécie de Baile da Ilha da Fiscal em escala planetária.
No Rio de Janeiro de novembro de 1889, o Baile da Ilha Fiscal tornou-se símbolo de um império tropical que viria abaixo seis dias depois, corroído pela incapacidade de seus líderes e dirigentes oferecerem uma resposta a um conjunto imenso de contradições sociais e econômicas acumuladas em décadas.
Na Nova York de setembro de 2019, assistiu-se a um encontro de notáveis de um mundo caduco -- para repetir a definição de Drummond em De Mãos Dadas, de 1985 -- com governantes incapazes de encarar problemas reais e oferecer alternativas compatíveis com a riqueza de suas economias e o progresso tecnológico dos últimos anos.
Mais influente orador da Assembléia que reune representantes de mais de 190 países, Donald Trump fez um discurso recheado de ameças terríveis contra governos e povos que não se acomodam aos planos de pilhagem e enriquecimento de Washington. No fim do dia, recebeu a notícia de que pode perder o pescoço presidencial antes de terminar o mandato, num comprometedor processo de impeachment aberto no Congresso.
Na melhor das hipóteses, o presidente da única potencia mundial passará o próximo período em movimentos defensivos, em sinais de fraqueza incompatíveis com a arrogância de quem, poucas horas antes, tentou dar lições aos povos e países do mundo. Pretendeu explicar detalhadamente a todos como cada um deve comportar -- no plano da sobrevivência, da cultura e da cidadania, até.
Primeiro a falar por benefício regimental, Jair Bolsonaro confirmou que é incapaz de representar um país de 210 milhões. Fez um discurso sectário de chefe de facção, típico das autoridades mais perigosas que a vida pública já foi capaz de inventar. Não têm compromissos com a verdade nem com a democracia. São capazes de mentir e tentar criar regimes de força sempre que se tornam incapazes de argumentar e convencer. Na viagem de volta para um país sem qualquer perspectiva de vida melhor, encontrou uma nação de luto pelo assassinato de Agatha, 8 anos, vítima da violência policial que seu governo estimula e protege desde sempre.
Separados pela posição de dominante e dominado, traduzida por uma diferença de infinitos trilhões de dólares no PIB de seus países, Trump e Bolsonaro deixaram a Assembléia da ONU igualados por um ponto comum. Confirmaram que são incapazes de oferecer uma única idéia para aliviar os grandes dramas que atingem a grande maioria dos homens e mulheres de todo o mundo. Nada tiveram a dizer sobre a desigualdade e a falta de oportunidades, o desemprego e o corte nos investimentos produtivos, causa e efeito da fraqueza das economias e dos grandes dramas sociais do planeta, aqui e agora -- e, quem sabe, pelos próximos anos à frente.
Embora nunca tenha atuado diretamente na solução de problemas econômicos, a ONU deve boa parte de sua legitimidade e prestígio às décadas de crescimento e prosperidade que a humanidade conheceu nas décadas posteriores a sua fundação, em 1947.
Foram os "Trinta Anos Gloriosos", quando os governos de países desenvolvidos lideraram três décadas de crescimento contínuo, puxados por uma taxa anual de 5% na produção industrial.
Ao encerrar-se a Assembléia de 2019, nada havia de semelhante no horizonte. Só pobreza e truculência.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

