Trump e o Brasil
Nunca foi tão atual o trecho do hino da independência: “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”
As tarifas de 50% que Trump anunciou contra o Brasil usaram como fundamento principal o seu descontentamento quanto ao julgamento dos acusados de Golpe de Estado em nosso país, especialmente no que diz respeito ao ex-presidente Jair Bolsonaro. É evidente que a pauta lhe interessa, já que ele próprio tentou realizar um golpe semelhante dois anos antes, que serviu de inspiração aos “patriotas” brasileiros. No entanto, há muito mais do que isso no seu ataque furioso contra o nosso país. As investigações determinadas por Trump, especialmente as relacionadas ao PIX e à LGPD, somadas às críticas aos BRICS e às decisões judiciais brasileiras, sobretudo aquelas referentes à tentativa de golpe e à regulação das big techs, evidenciam que o imperialismo americano alcançou um novo patamar.
Se os Estados Unidos chegaram ao posto de principal potência mundial, foi por um caminho bastante distinto, baseado na sedução, na cooperação e na oferta, quase nunca desinteressada, de financiamento aos países em desenvolvimento. Afinal, era preciso “proteger” os países aliados contra o perigo soviético. Foram os abraços de Roosevelt, o charme de Kennedy, as piadas de Reagan, a simpatia de Clinton e os afagos de Obama que pavimentaram as relações entre os EUA e o Brasil ao longo das últimas décadas. Nos diziam que o que era bom para os EUA era bom para o Brasil. Aparentavam ser amigos, ainda que nem sempre se comportassem assim nos bastidores. Mas mantinham uma agenda positiva com o nosso país — e com todo o mundo ocidental. Foi assim que suplantaram os países europeus e se tornaram o que são hoje.
Embora a Guerra Fria tenha chegado ao fim, os Estados Unidos encontram outros desafios. No entanto, a reação de Trump — alinhada à extrema-direita — se revela bastante diferente das abordagens anteriores. Já não seduz nem afaga. Ao contrário, brada aos seus parceiros históricos que devem fazer o que é bom para os Estados Unidos, ainda que em detrimento dos interesses de seus próprios países. Ele e seus assessores falam abertamente em anexar o México, o Canadá e até a Groenlândia. Referem-se à América Latina como o “quintal” dos EUA.
Apesar da virulência, essas reações parecem ser os últimos gritos de desespero de quem percebe que, rapidamente, os Estados Unidos estão perdendo a corrida para a China — que, há apenas 50 anos, era uma nação agrária e atrasada, e hoje desponta como segunda maior potência mundial, aproximando-se cada vez mais da primeira. Já a enxergam de muito perto pelo retrovisor.
E essa zurra estridente, gutural e arrogante, acaba produzindo o efeito oposto ao desejado por Trump, aproximando ainda mais os antigos parceiros dos Estados Unidos da China, e de outros “amigos” também tratados com violência por Washington. Assim, o unilateralismo de Trump termina por legitimar e incentivar a busca por um multilateralismo mais robusto por parte de todos os outros países.
Por isso, as reações radicais do presidente americano apenas reforçam que Lula está certo na forma como tem conduzido as relações internacionais do Brasil, apostando em um futuro multilateral, no qual o Sul Global tenha um papel de destaque. Afinal, trata-se de um espaço geopolítico que cresce mais e mais rápido do que o Norte.
E a ira de Trump contra o Brasil decorre justamente do fato de nosso governo ter compreendido a atual conjuntura global e assumido um papel de destaque na construção de um futuro que se mostra inexorável — marcado por uma presença cada vez menor dos EUA e do dólar no comércio internacional. Enquanto o gigante agoniza, urrando de dor e ódio, os países emergentes se organizam para construir uma nova ordem internacional.
A proposta de criação de um meio alternativo ao dólar para as transações comerciais entre os países dos BRICS é uma consequência natural desse processo irreversível. E mais cedo ou mais tarde será adotada, independentemente da vontade dos americanos. Vale lembrar que essa iniciativa não implica o abandono das moedas nacionais nas transações internas, tampouco a flexibilização da soberania monetária dos países envolvidos. Nenhum deles parece estar disposto a isso. Trata-se, unicamente, de afastar a necessidade de adquirir dólares para comercializar com parceiros que utilizam outras moedas.
Assim como criamos o PIX, podemos, com o apoio dos demais membros do bloco, desenvolver um novo mecanismo de pagamento para as transações comerciais entre os países dos BRICS e seus parceiros, que tendem a se tornar cada vez mais numerosos. E esse é um assunto que não pertence à esfera de decisão do governo dos Estados Unidos e que só ganha força devido à decadência de sua economia e de sua moeda. Nenhuma divisa se impõe pela força fora dos limites da soberania nacional.
Assim, embora os empresários e técnicos do governo brasileiro, liderados pela competente e discreta atuação do vice-presidente Geraldo Alckmin, estejam se empenhando, junto com os empresários e técnicos americanos, na busca por uma solução negociada para a crise, etapa da qual o Brasil não pode se furtar, as chances de acordo são reduzidas. Isso, a menos que Trump recue diante da pressão dos próprios empresários dos Estados Unidos, prejudicados por medidas econômicas que lhes são claramente desfavoráveis.
O que dificulta um eventual acordo, no entanto, é o fato de que a crise não é meramente comercial. Se fosse, as chances de entendimento seriam amplas, considerando a disposição do governo brasileiro e dos empresários americanos para o diálogo. A questão, porém, é geopolítica e envolve diretamente a soberania nacional.
Pelo lado de cá, o governo brasileiro já deixou claro que a soberania é inegociável — e não poderia ser diferente. Caso Trump insista teimosamente em seus objetivos geopolíticos, o Brasil terá de se preparar para enfrentar tanto o aumento tarifário quanto eventuais sanções adicionais. Quanto às tarifas, já se sabe que o país será capaz de superá-las e, no médio prazo, poderá até sair em vantagem com a abertura de novos caminhos comerciais. O que não falta é mercado para os nossos produtos. Em relação às demais sanções, ainda é cedo para saber se virão, quais serão e que efeitos poderão ter sobre a economia nacional.
Duas coisas, porém, já são certas. A primeira é que, se queremos continuar a ser uma nação independente, não há alternativa senão a defesa intransigente da nossa soberania e da independência de nossas instituições. A segunda é que a opinião pública internacional está, em grande medida, ao nosso lado, apoio esse que cresce a cada dia, inclusive entre os próprios americanos. Nesse cenário, a liderança internacional de Lula vai se consolidando com firmeza.
Por isso, não há outro caminho para o Brasil que não passe pela defesa intransigente das instituições democráticas e pelo apoio ao governo brasileiro contra o autoritarismo americano. E isso não tem nada a ver com ser de direita ou de esquerda, mas sim em ser brasileiro. Nunca foi tão atual o trecho do hino da independência: “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




