Trump está se posicionando para um “não-acordo” com a Rússia ou não?
A ‘guerra real’ é a doméstica — não contra a Rússia, a China ou o Irã, que poderiam se tornar distrações da batalha principal
Originalmente publicado por Strategic-Culture em 28 de janeiro de 2025
A ideia de infligir “derrotas estratégicas” à Rússia tem sido uma pedra angular da política dos EUA há tanto tempo que transcende as linhas partidárias.
A retórica de Trump sobre a Rússia ter perdido 1 milhão de homens no conflito na Ucrânia não é apenas um disparate (o número real nem chega a 100.000), mas o seu uso dessa narrativa sublinha que o meme usual de que Trump é apenas terrivelmente desinformado está se tornando cada vez menos plausível.
Após divulgar a ideia de 1 milhão de mortes russas, Trump então sugere que Putin está destruindo a Rússia por não fazer um acordo. Acrescenta (aparentemente como uma observação casual) que Putin pode já ter decidido “não fazer um acordo”.
Em vez disso, de forma curiosamente desinteressada, Trump observa que as negociações dependeriam inteiramente de se Putin está interessado ou não. Ele ainda afirma que a economia da Rússia está em ruínas e, mais notavelmente, diz que consideraria sancionar ou tarifar a Rússia caso Putin não faça um acordo. Em uma postagem subsequente no [seu podcast] Truth Social, Trump escreve: “Vou fazer à Rússia, cuja economia está falhando, e ao presidente Putin, um grande FAVOR”.
Isso – dito de forma clara – é uma narrativa de uma ordem completamente diferente: Não é mais o seu enviado Kellogg ou outro membro da sua equipe dizendo isso; são as próprias palavras de Trump como presidente. Trump responde à pergunta de um jornalista sobre se ele sancionaria a Rússia caso Putin não vá à mesa de negociações. Ele responde: “isso parece provável”.
Qual é, podemos perguntar, a estratégia de Trump? Parece mais que é Trump que está se preparando para um “não-acordo”. Ele deve estar ciente de que Putin repetidamente deixou claro que está interessado e aberto a conversar com Trump. Não há dúvida quanto a isso.
No entanto, Trump subsequentemente contradiz a narrativa de “perdedor” em mais um aparente pensamento posterior: “Quero dizer... é uma grande máquina, então, eventualmente as coisas vão acontecer...”.
Aqui ele parece estar dizendo que a “grande máquina” russa, no final das contas, vencerá. A Rússia será vencedora – e não perdedora.
Talvez Trump esteja simplesmente pensando em deixar a dinâmica do “teste de força” militar seguir o seu curso. (Se esse for o seu pensamento, ele não pode expressar tal sentimento explicitamente – pois as elites europeias cairiam ainda mais em uma espiral patológica).
Alternativamente, se Trump estivesse realmente buscando negociações produtivas com Putin, certamente não é uma boa forma de começar sendo profundamente desrespeitoso com o povo russo – retratando-os e ao presidente Putin como “perdedores” que desesperadamente precisam de um acordo. A realidade é que foi Trump quem anteriormente havia prometido fechar um acordo em 24 horas. Seu desrespeito será sentido – não apenas por Putin – mas pela maioria dos russos.
A narrativa do “perdedor” simplesmente endurecerá a oposição russa a um compromisso sobre a Ucrânia.
O pano de fundo é que a Rússia, em qualquer caso, rejeita coletivamente a ideia de qualquer compromisso que “se resuma a congelar o conflito ao longo da linha de engajamento: isso daria tempo para rearmar os remanescentes do exército ucraniano e, então, iniciar uma nova rodada de hostilidades. Assim, teríamos que lutar novamente, mas desta vez de posições políticas menos vantajosas”, como o professor Sergei Karaganov observou.
Além disso, “a administração Trump não tem razão para negociar conosco nos termos que estabelecemos. A guerra é economicamente benéfica para os EUA... e possivelmente também para remover a Rússia como o poderoso suporte estratégico do principal concorrente dos EUA – a China”.
O professor Dmitri Trenin prevê de forma semelhante que:
“A tentativa de Trump de garantir um cessar-fogo ao longo das linhas de batalha na Ucrânia falhará. O plano estadunidense ignora as preocupações de segurança da Rússia e desconsidera as causas profundas do conflito. Enquanto isso, as condições de Moscou permanecerão inaceitáveis para Washington, pois efetivamente significariam a capitulação de Kiev e a derrota estratégica do Ocidente. Em resposta, Trump imporá sanções adicionais a Moscou. Apesar da forte retórica anti-Rússia, a ajuda dos EUA à Ucrânia diminuirá, transferindo grande parte do ônus para as nações da Europa Ocidental”.
Então, por que retratar a Rússia como “perdedores desprezíveis”, a menos que isso faça parte da estratégia de Trump para se afastar da questão da Ucrânia? Se uma narrativa clara de “vitória dos EUA” parece inalcançável, então por que não inverter a narrativa? “Missão cumprida” sendo obstruída unicamente pelo “instinto perdedor” da Rússia.
Isso inevitavelmente leva à questão: qual é o significado exato do retorno do “réu criminal mais famoso dos EUA à Casa Branca” e a sua promessa de uma “revolução do bom senso”?
“Não há dúvida de que é revolucionário”, argumenta Matt Taibbi:“Trump galvanizou o ressentimento causado pela má distribuição de renda, criando uma marcha política que deixou as instituições estadunidenses em cinzas. A imprensa corporativa está morta. O Partido Democrata está em cisão. A academia está prestes a engolir uma grande dose de amargas pílulas, e, após as ordens executivas assinadas na segunda-feira, muitos instrutores de DEI terão que aprender programação [ou seja, ficarão desempregados]”.
Sim, Taibbi observa:
“me deixa nervoso ver um grupo de CEOs censores (particularmente Bezos, Pinchai e o repulsivo Cook) sentados em frente a Trump, junto com outros luminares de Wall Street... mesmo assim, se o acordo fosse apoiar Trump em troca de plataformas voltando a ser meramente devoradoras de lucros, eu aceitaria em vez da cabala anterior. O Wall Street Journal provavelmente capturou a essência disso com o título de ontem: ‘A Nova Oligarquia é uma Grande Melhoria em Relação à Antiga’”.
No entanto, para muitos russos, a impressão deixada pela narrativa de “perdedor” de Trump é que “nada muda” – a ideia de infligir “derrotas estratégicas” à Rússia tem sido uma pedra angular da política dos EUA por tanto tempo que é implementada independentemente de qual governo ocupa a Casa Branca.
Hoje, um novo ímpeto é aparente – como Nikolai Patrushev alerta, Moscou espera que Washington fomente artificialmente atritos entre Rússia e China.
Steve Bannon, no entanto, com sua linguagem florida, vai em parte ao encontro da explicação desse paradoxo de um Trump revolucionário e sua decepcionante narrativa de “perdedor”.
Bannon alerta que a Ucrânia corre o risco de se tornar o 'Vietnã de Trump', caso Trump não consiga fazer um 'rompimento limpo' e permita ser sugado ainda mais para dentro da guerra na Ucrânia. “Foi o que aconteceu com Richard Nixon. Ele acabou assumindo a guerra, e ela foi registrada como a guerra dele – não de Lyndon Johnson”, observou Bannon.
Bannon “defende o fim da importante ajuda militar dos Estados Unidos a Kyiv, mas teme que seu antigo chefe caia em uma armadilha montada por uma aliança improvável entre a indústria de defesa dos EUA, os europeus e até mesmo alguns amigos de Bannon, que, segundo ele, estão agora equivocados”.
O pressuposto subjacente de Bannon ficou claro durante a sua conversa no Zoom com Alex Krainer. Ele confirmou que Trump e sua equipe partiriam para o ataque desde o primeiro dia no cargo: “Os dias de trovão começam na segunda-feira”. No entanto, Bannon não estava falando de Trump indo ao ataque contra chineses, iranianos ou russos. Trump e sua equipe estão se preparando para enfrentar o “eles”.
“Eles”, nas palavras de Bannon, “são as pessoas que controlam o império mais poderoso do mundo e, com ou sem eleições, com ou sem democracia, eles não irão voluntariamente abrir mão de seus privilégios e do controle: haverá uma luta”.
Sim, a ‘guerra real’ é a doméstica — não contra a Rússia, a China ou o Irã, que poderiam se tornar distrações da batalha principal.
Para fins comparativos, se o objetivo de Trump fosse realmente chegar a um ‘compromisso’ negociado sobre a Ucrânia, precisamos contrastar a sua retórica desafiadora de ‘perdedor’ com a tentativa de John F. Kennedy, 59 anos atrás, de romper o ciclo de antipatia mútua que congelava as relações entre Oriente e Ocidente desde 1945. Impactado pela Crise dos Mísseis Cubanos em 1962, Kennedy queria romper um paradigma ossificado. Kennedy – assim como Trump – buscava ‘acabar com guerras’; queria ser registrado na história como um ‘pacificador’.
Em um discurso na American University, em Washington, em 10 de junho de 1963, JFK elogiou os russos. Ele falou de suas conquistas na ciência, nas artes e na indústria; saudou os seus sacrifícios na Segunda Guerra Mundial, na qual perderam 25 milhões de pessoas, um terço do seu território e dois terços da sua economia.
Não foi um exercício de retórica vazia. Kennedy propôs o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares – o primeiro dos acordos de controle de armas das décadas de 1960 e 1970.
Bem, pode haver indícios de um início tímido de ‘rompimento limpo’ inspirado por Bannon – conforme observa Larry Johnson:
“O Pentágono, segundo relatos, demitiu ou suspendeu todo o pessoal diretamente responsável pela gestão da assistência militar à Ucrânia. Todos enfrentarão investigações sobre o uso do dinheiro do orçamento dos EUA.“Laura Cooper, secretária-assistente adjunta do Pentágono para Rússia, Ucrânia e Eurásia, já renunciou, marcando o início do que alguns veem como um pivô estratégico. Cooper foi uma figura-chave na supervisão de US$ 126 bilhões em ajuda militar à Ucrânia. Sua saída, juntamente com o que parece ser uma limpeza de pessoal do Pentágono ligado ao esforço de guerra de Kiev, lança dúvidas sobre se a Ucrânia continuará desfrutando do fluxo contínuo de armas e financiamento dos EUA recebido sob Biden.“A reestruturação também lança uma sombra sobre o Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia, que, sob Lloyd Austin, havia se expandido para uma coalizão de 50 nações apoiando Kiev”.
Os EUA, segundo relatos, retiraram todas as solicitações a contratantes para logística por meio de Rzeszow, Constanta e Varna. Em bases da OTAN na Europa, todos os envios para a Ucrânia foram suspensos e encerrados. Isso ocorre sob a Ordem Executiva de Trump, que suspende a assistência global dos EUA por 90 dias – enquanto aguarda uma auditoria e análise de custo-benefício.
Enquanto isso, Moscou e China estão devidamente se preparando para a perspectiva de reengajamento diplomático com o agora presidente Trump. Xi e Putin realizaram uma videoconferência de 95 minutos algumas horas após a entrevista coletiva improvisada de Trump no Salão Oval – Xi deu a Putin os detalhes de sua conversa com Trump (que não foi cronometrada para coincidir com a posse de Trump, mas sim havia sido agendada em dezembro).
Ambos os líderes parecem estar enviando uma mensagem comum a Trump — ou seja, a aliança entre China e Rússia não é efêmera. Eles estão unidos em uma causa comum para trabalhar conjuntamente na defesa de seus respectivos interesses nacionais. Estão dispostos a conversar com Trump e engajar-se em negociações sérias. No entanto, recusam-se a ser intimidados ou ameaçados.
Nikolai Patrushev, conselheiro de Putin e membro do Conselho de Segurança da Rússia, deu o contexto russo para esta videoconferência entre os dois líderes:
“Para o governo Biden, a Ucrânia era uma prioridade incondicional. Está claro, [diz Patrushev], que a relação entre Trump e Biden é antagônica. Portanto, a Ucrânia não estará entre as prioridades de Trump. Ele se preocupa mais com a China”.
De forma enfática, Patrushev alertou:
“Acho que as divergências de Washington com Pequim vão piorar, e os estadunidenses vão inflá-las, inclusive artificialmente. Para nós, a China tem sido e continua sendo o parceiro mais importante com quem estamos conectados por relações de cooperação estratégica privilegiada”.“No que diz respeito à linha russa em relação à Ucrânia, ela permanece inalterada. É importante para nós que as tarefas da Operação Especial sejam resolvidas. Elas são conhecidas e não mudaram. Acredito que as negociações sobre a Ucrânia devem ser conduzidas entre Rússia e Estados Unidos, sem a participação de outros países ocidentais”.“Quero enfatizar mais uma vez que o povo ucraniano continua próximo de nós: fraternal e ligado por laços de séculos com a Rússia, não importa o quanto os propagandistas de Kiev obcecados com a ‘ucranianidade’ afirmem o contrário. Nos preocupamos com o que está acontecendo na Ucrânia. É especialmente preocupante [portanto] que a coerção violenta à ideologia neonazista e à ardente russofobia esteja destruindo as outrora prósperas cidades da Ucrânia, incluindo Kharkiv, Odessa, Nikolaev e Dnipropetrovsk”.“É possível que, no próximo ano, a Ucrânia deixe de existir por completo”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




