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Luis Mauro Filho

Luis Mauro Filho é jornalista, formado em Estudos de Mídia pela Universidade do Wisconsin, e é editor do Brasil 247.

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Trump isola os EUA ao atacar aliados, universidades e a liberdade acadêmica

Em menos de três meses, os EUA mergulharam em crises diplomáticas e institucionais provocadas por decisões do próprio presidente e de sua cúpula.

Presidente dos EUA, Donald Trump, fala enquanto assina decretos no Salão Oval da Casa Branca, em Washington - 09/04/2025 (Foto: REUTERS/Nathan Howard)

O segundo mandato de Donald Trump começou com sinais gritantes de autoritarismo. Em menos de três meses, os EUA mergulharam em crises diplomáticas e institucionais provocadas por decisões do próprio presidente e de sua cúpula. 

O episódio mais grave até agora envolve a África do Sul: em março, o embaixador sul-africano Ebrahim Rasool foi expulso dos EUA sob a acusação de “ódio” ao país e ao presidente. A alegação surgiu após Rasool criticar o movimento MAGA e sua conotação supremacista.

A retaliação foi acompanhada de um decreto que cortou a ajuda americana ao governo sul-africano, sob alegações infundadas de que Pretória estaria promovendo expropriações violentas de terras de agricultores brancos. O governo sul-africano classificou as acusações como “desinformação”. 

A ofensiva americana pareceu motivada, em parte, por irritação com o apoio da África do Sul à denúncia de genocídio contra Israel no Tribunal de Haia. A diplomacia sul-africana reagiu reafirmando laços com China e Rússia, sinalizando uma possível mudança de eixo geopolítico.

Na América Latina, o governo Trump reacendeu a retórica da Doutrina Monroe. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, causou indignação ao declarar que os EUA precisavam “recuperar o quintal” das mãos da China. A afirmação gerou críticas em toda a região, inclusive de governos aliados. A chancelaria chinesa respondeu com dureza, afirmando que “a América Latina não é quintal de ninguém”.

As ações não se limitaram às palavras. O Panamá, pressionado por Washington, rompeu acordos com a China e passou a aceitar deportações de imigrantes. Trump também sugeriu intervenção no Canal do Panamá, alarmando países vizinhos. 

Em paralelo, impôs tarifas sobre nações que compram petróleo da Venezuela, mirando a China, principal parceira comercial de Caracas. O resultado é o aumento da desconfiança regional e o fortalecimento de alternativas ao domínio americano.

Internamente, Trump iniciou uma cruzada contra universidades de elite como Harvard e Columbia. Acusando-as de tolerar protestos “anti-Israel”, sua administração congelou bilhões de dólares em repasses e impôs exigências como o fim de programas de diversidade e o controle sobre currículos. 

Harvard rejeitou as condições, chamando-as de ataque à autonomia acadêmica. Em resposta, perdeu acesso a contratos federais. Columbia, pressionada a limitar manifestações, também sofreu cortes e entrou em colapso institucional: duas reitoras renunciaram em menos de um mês.

A situação se agravou com o caso de Mahmoud Khalil, estudante palestino da Universidade de Columbia, detido e deportado por participar de protestos contra a ofensiva israelense em Gaza. Khalil era residente legal, sem histórico criminal, e sua prisão foi baseada em “declarações prejudiciais à política externa dos EUA”. 

A justificativa gerou críticas de organizações de direitos civis e acadêmicos, que acusam o governo de violar a Primeira Emenda da Constituição americana, que protege a liberdade de expressão.

O caso é visto como um perigoso precedente de perseguição política a estrangeiros por suas opiniões. Khalil pode ser deportado a qualquer momento, mesmo sem qualquer prova de ameaça ou vínculo com extremismo. A Casa Branca já admitiu que outros estudantes estrangeiros críticos a Israel também estão sendo monitorados e podem ser expulsos.

Todas essas ações, tanto no exterior quanto no plano doméstico, vêm alimentando avaliações pessimistas sobre o papel global dos EUA. Países aliados evitam confrontos públicos, mas nos bastidores demonstram preocupação com a escalada autoritária.

A política externa trumpista, baseada em confronto e imposição, isola os EUA justamente no momento em que potências como China e Índia expandem sua influência global.

No campo científico, o ataque às universidades prejudica a produção de conhecimento e afasta talentos estrangeiros. A China já ultrapassou os EUA em publicações científicas e patentes em áreas estratégicas. O corte de verbas e a ingerência ideológica nos centros acadêmicos norte-americanos aceleram essa tendência.

Trump parece disposto a minar os próprios pilares da hegemonia americana: a ciência, a diplomacia multilateral e o soft power da democracia. Em vez de reconquistar aliados e reafirmar liderança, escolheu o caminho do isolamento. A combinação de autoritarismo doméstico e agressividade externa coloca os EUA em rota de colisão com o mundo. E seu governo ainda está apenas começando.

Caso consiga reeleger um sucessor – ou ele mesmo for além da Constituição – Trump poderá permanecer no poder por quase uma década. Tempo suficiente para redesenhar, de forma duradoura, a posição dos Estados Unidos no cenário internacional. Para pior.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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