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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Trump, os Bolsonaros e o Brasil que não se curva

O Brasil de Lula é diferente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva - 26/10/2025 (Foto: Reuters)

As tensões entre os governos dos Estados Unidos de Trump e do Brasil de Lula, apesar de amenizadas após o encontro entre os dois presidentes na Malásia, ainda causam preocupação. 

O presidente norte-americano, desde seu retorno à Casa Branca, tenta reconfigurar a geopolítica hemisférica sob o velho lema do “America First” — agora travestido de cruzada moral contra o socialismo e os governos progressistas. No centro de sua mira estão a América Latina e o Brasil, que sob a liderança de Lula se tornou símbolo de soberania, inclusão social e protagonismo internacional. O atrito não é casual: é político, ideológico, econômico e eleitoral.

Trump 2.0 tem se esforçado para minar as experiências progressistas da América Latina. Reacendeu sanções e atacou a Venezuela de Maduro — sob a desculpa de combate ao narcotráfico —insultou o governo mexicano, ironizou a Colômbia e lançou ameaças comerciais contra o Brasil. 

O caso brasileiro é especial. Lula representa o oposto de tudo o que o trumpismo simboliza: solidariedade internacional, defesa do meio ambiente, multilateralismo e inclusão social. Não se trata apenas de divergência diplomática, mas de um embate entre dois modelos de civilização — um baseado no medo e na força, outro na cooperação e na democracia.

Em outubro de 2025, Donald Trump confirmou que havia autorizado a Central Intelligence Agency (CIA) a conduzir operações secretas dentro da Venezuela, bem como considerar possibilidade de ataques em território venezuelano — um sinal claro de que os Estados Unidos não hesitam em usar instrumentos de intervenção hemisférica para pressionar governos que fogem ao alinhamento tradicional. 

Essa escalada reforça o padrão de investidas que não visam apenas o controle econômico ou comercial, mas a desestabilização de governos progressistas por meio de ameaça militar ou operativa — o que oferece o pano de fundo lógico para compreender por que a retórica de “invasão da Baía da Guanabara”, proposta pelo senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do ex-presidente Jair Messias  que foi condenado a 27 anos e três meses de prisão, ganha contornos mais que retóricos: ela insere-se numa lógica hemisférica de intimidação.

A retórica golpista dos Bolsonaros

Foi nesse cenário que a extrema direita brasileira voltou à cena com uma mistura de delírio e cálculo. O sem noção do  01 declarou nas redes sociais que “Trump deveria mandar seus navios para a Baía da Guanabara”, num gesto de provocação explícita ao governo Lula. O absurdo, que à primeira vista pareceria uma piada, tornou-se símbolo do desespero de uma direita órfã de poder e carente de relevância. Ao evocar uma “invasão” do território brasileiro, o senador tenta resgatar o velho discurso de tutela estrangeira, como se o destino do país devesse ser decidido em Washington.

A declaração seria apenas grotesca se não estivesse inserida num contexto mais amplo. O filho 03, Eduardo Bolsonaro, que vive nos Estados Unidos, tem sido o principal elo entre o trumpismo e o bolsonarismo. Participa de conferências da extrema direita, mantém relações próximas com assessores de Trump e repete, com sotaque tropical, a retórica da conspiração. De lá, difunde ataques a Lula, propaga mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro e posa de soldado de uma cruzada ideológica que tenta unificar as direitas autoritárias do continente. O clã Bolsonaro age como extensão simbólica da campanha de Trump na América Latina.

A sombra de 2026

O pano de fundo é evidente: as eleições presidenciais de 2026. Com Lula consolidado como favorito em todas as pesquisas, o bolsonarismo busca desestabilizar o processo antes mesmo do início oficial da disputa. A tática é conhecida. Trump, em 2021, tentou deslegitimar as urnas americanas, estimulando seus seguidores à invasão do Capitólio. O roteiro se repetiu, agora tropicalizado, no Brasil, em 8 de janeiro de 2023, com a tomada e vandalização  da Praça dos Três Poderes pelos “patriotas brasileiros” inconformados com a vitória de Lula, nas urnas, em 2022. 

A narrativa de fraude, o apelo à força e o culto à desordem compõem a estratégia de quem sabe que não venceu pelo voto, o que levou à condenação dos desordeiros, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

Nos bastidores, assessores de Trump alimentam a ideia de que o Brasil se afastou “do Ocidente” ao fortalecer laços com China, Rússia e o BRICS. Para o trumpismo, Lula é o rosto do desafio à hegemonia norte-americana. O Brasil, com Lula, ao recuperar protagonismo internacional, passou a ser visto como um país “indisciplinado” — expressão usada em relatórios recentes do Departamento de Estado dos Estados Unidos. 

Da Baía dos Porcos à Baía da Guanabara

A “invasão da Baía da Guanabara” pelos Estados Unidos proposta pelo senador Flávio Bolsonaro em 23 de outubro é tão absurda quanto simbólica. A imagem evoca, ainda que de forma grotesca, a lembrança de outra baía latino-americana: a Baía dos Porcos, em Cuba, onde, em 1961, a CIA tentou derrubar o governo revolucionário de Fidel Castro. Naquele episódio, os Estados Unidos treinaram e financiaram exilados cubanos de Miami para executar uma invasão militar disfarçada — uma operação que fracassou em apenas três dias, mas deixou registrada para sempre a arrogância de um império incapaz de aceitar a autodeterminação de um povo.

Flávio Bolsonaro parece querer reeditar, em versão tropical e farsesca, o mesmo enredo: apelar ao poder estrangeiro para intervir contra um governo legítimo e popular. A diferença é que, desta vez, não há exilados em Miami dispostos a desembarcar com armas, mas há um discurso envenenado que tenta transformar o medo em arma. Se a Baía dos Porcos foi a tragédia do imperialismo, a Baía da Guanabara é a sua comédia tardia — uma fantasia colonial que só revela o desprezo de uma extrema direita que se diz “patriota” por sua própria soberania.

E o Brasil de 2025 não é a Cuba sitiada de 1961. É uma nação que lidera o BRICS, preside o G20 e prepara-se para sediar a COP-30. Nenhuma frota estrangeira, real ou imaginária, poderá deter o curso de um país que aprendeu a andar com os próprios pés. O gesto de Flávio Bolsonaro, ao invocar uma invasão, é um insulto à história brasileira — e um eco melancólico do passado em que generais pediam benção à CIA.

O Brasil que não se curva

O Brasil de hoje é diferente. Retomou o crescimento, reergueu suas políticas sociais e voltou a falar com o mundo. No G20, Lula é respeitado como voz dos emergentes; na ONU, defende uma governança mais justa; no BRICS, lidera a discussão sobre um novo sistema financeiro global. 

Na Malásia, o presidente Lula acabou de receber o título de doutor “honoris causa” concedido pela Universidade Nacional da Malásia. Essa postura altiva e soberana incomoda as elites dependentes e os herdeiros do colonialismo, que veem na subordinação a única forma de existir.

Trump e os Bolsonaros representam o passado — o da guerra fria ideológica, da obediência cega e do medo. O Brasil de hoje é o da Amazônia defendida, da inclusão social e do protagonismo global. Nenhum delírio de “invasão” ou ameaça de “retaliação” será capaz de apagar isso.

O que os Bolsonaros chamam de patriotismo é, na verdade, servilismo travestido de bravata. E o que Trump chama de liderança é a nostalgia de um império que já não comanda o mundo. 

Entre o grotesco e o perigoso

A suposta “invasão da Baía da Guanabara” pode parecer uma anedota, mas é um sintoma. Sintoma da degradação política de uma extrema direita que, incapaz de vencer nas urnas, apela ao escândalo e à ameaça. Sintoma também da dependência mental de uma elite que ainda vê no estrangeiro a fonte da legitimidade.

Lula governa um país que busca se reencontrar consigo mesmo. A democracia brasileira, embora atacada, resistiu. E é justamente por isso que provoca tanto ódio em seus adversários. Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro, ao cortejarem Trump, revelam não apenas sua falta de senso histórico, mas seu medo do futuro. Um futuro em que o Brasil fala por si — e não em voz alheia.

Enquanto Trump tenta reerguer as ruínas de um império em declínio, o Brasil avança como nação soberana, plural e democrática. A Baía da Guanabara, símbolo da liberdade e da coragem, continuará de pé — e jamais se curvará a qualquer armada estrangeira, seja real ou imaginária. O tempo dos Porcos acabou. O tempo é do povo brasileiro.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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