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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Trump vira as costas ao clima, e os Estados Unidos assumem a pauta em Belém

Para o Brasil, a COP30 é mais do que vitrine: é oportunidade

Carimbo de passaporte em alusão à COP30 (Foto: Divulgação)

Neste novembro Donald Trump não pisa no Brasil. Mas os Estados Unidos chegam de avião lotado, mala cheia e agenda própria à COP30. Mais de cem governadores, prefeitos e secretários estaduais americanos desembarcam na COP30, em novembro de 2025, para dizer ao mundo: “Nós somos o PIB, a população e as emissões. O resto é detalhe.”

Dois terços dos 330 milhões de americanos vivem sob suas administrações. Três quartos do trilhão de dólares que move a economia do país passam por suas mãos. E mais da metade do CO₂ que aquece o planeta sai das suas chaminés. São números que Gina McCarthy – ex-chefe da Agência de Proteção Ambiental dos EUA e cérebro verde dos governos Obama e Biden – gosta de repetir com a naturalidade de quem serve café forte: “Trump pode sair do Acordo de Paris. Nós entramos na sala.”

A frase é curta, mas tem história. Quando Trump rasgou o tratado em 2017, prefeitos de Nova York a Los Angeles colaram nas fachadas de seus prédios um cartaz que dizia: We Are Still In. Oito anos depois, o cartaz virou passagem aérea. A U.S. Climate Alliance – bloco de 24 estados e centenas de cidades – já reduziu 25% das emissões desde 2005 e cresceu economicamente. A Califórnia, sozinha, tem PIB maior que o da França e chega a Belém com metas próprias, sem pedir bênção à Casa Branca.

Belém, então, torna-se palco de uma diplomacia de calçada. Enquanto diplomatas federais se encontram de smoking em Nova York, prefeitos de camiseta suada negociam créditos de carbono com governadores do Amazonas. É o federalismo virando climate power.

“O poder subiu do porão”, ironiza Gina McCarthy. “Washington pode fechar a porta; nós abrimos a janela.”

E a janela aberta dá vista para um planeta febril. Dos 198 países signatários da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, 79 já confirmaram presença física em Belém, com outros 60 a 70 em fase final de negociação. O número deve ultrapassar 130 delegações nacionais, segundo diplomatas brasileiros ligados à presidência da COP30. O site oficial já registra 79 confirmações formais de hospedagem e 53 mil leitos reservados na capital paraense. É o maior movimento logístico da história do Norte do Brasil.

Belém: o coração verde da diplomacia

O Hangar Convention Center, em Belém, será o epicentro do evento, entre 10 e 21 de novembro de 2025. A cidade deve receber entre 40 mil e 50 mil participantes, conforme previsões da organização, podendo chegar a 55 mil, caso se confirmem as adesões de última hora de países africanos e asiáticos. O número fica ligeiramente abaixo da COP29, em Baku, que reuniu entre 54 mil e 70 mil participantes – segundo relatórios da Carbon Brief e da Eco-Business.

Mas a diferença é apenas geográfica: se Baku foi uma vitrine de petróleo tentando se reciclar em verde, Belém promete ser o contrário – uma floresta tentando resistir ao cinza. “Menos não é menos ambição”, diz um membro do Itamaraty. “Menos é foco e impacto.”

As estimativas da ONU apontam para delegações de 130 a 150 países, incluindo todos os membros do G20, União Europeia, Nações Africanas Unidas e blocos como ASEAN e Mercosul. A COP30 já é, portanto, um marco de retomada da diplomacia climática em território latino-americano, 13 anos depois da COP20 de Lima e 10 anos após o Acordo de Paris.

Os eixos da esperança

O plano de trabalho apresentado em Nova Iorque, durante a Assembleia Geral da ONU, resume a agenda em seis eixos centrais:

1. Energia, Indústria e Transporte – acelerar a transição e triplicar as fontes renováveis até 2030.

2. Florestas, Oceanos e Biodiversidade – ampliar áreas protegidas e frear o desmatamento.

3. Agricultura e Sistemas Alimentares – impulsionar modelos regenerativos e cortar metano.

4. Cidades, Infraestrutura e Água – reduzir emissões urbanas e tornar cidades resilientes.

5. Desenvolvimento Humano e Social – integrar combate à pobreza com adaptação climática.

6. Questões Transversais – financiamento, governança e justiça climática.

O foco será manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, atualizar as NDCs 3.0, implementar o Global Stocktake de Dubai e operacionalizar o Global Goal on Adaptation (GGA), com indicadores mensuráveis. O financiamento climático ocupa o centro das negociações: cobrar os US$ 300 bilhões anuais prometidos em Baku e projetar o salto até US$ 1,3 trilhão anuais em 2035.

Com Belém na porta da Amazônia, o simbolismo é inevitável. Pela primeira vez, uma COP acontece em plena floresta tropical. “É a COP da Natureza”, define Thelma Krug, vice-presidente do IPCC. “Não há futuro climático sem a integridade dos ecossistemas amazônicos.”

Astrid Caldas, da Union of Concerned Scientists, complementa: “Na Amazônia, falamos de sumidouros de carbono, direitos indígenas e tipping points. COP30 é sobre clima e biodiversidade entrelaçados.”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, reforça o tom de urgência:

“Os impactos climáticos aceleram, mas o financiamento de adaptação não acompanha. A lacuna deixa vulneráveis expostos a mares subindo, tempestades mortais e calor escaldante. Líderes em Belém: deem recursos aos países em desenvolvimento!”

E Simon Stiell, chefe da UNFCCC, resume:

“2025 é o ano das NDCs 3.0 ambiciosas, baseadas em ciência e equidade. A COP30 precisa transformar compromissos em sistemas de verificação e financiamento real.”

Os prefeitos que substituem presidentes

Para o Brasil, a COP30 é mais do que vitrine: é oportunidade. Receber prefeitos que decidem onde plantar florestas, onde instalar painéis solares e onde banir o carvão é mais útil que selfie com chefes de Estado. “Eles trazem cheque, tecnologia e voto”, admite um diplomata brasileiro que prefere o anonimato – porque dizer a verdade ainda é risco de carreira.

Entre os norte-americanos confirmados, estão representantes de Nova York, Los Angeles, Miami, Seattle, Chicago e Austin, além de governadores da Califórnia, Michigan, Illinois e Massachusetts. Todos aliados na America Is All In, iniciativa que hoje representa dois terços do PIB e da população dos EUA.

“Trump pode ser presidente, mas não é o país inteiro”, diz Collin Rees, da Oil Change International. “A ação climática é popular, pragmática e inevitável.”

O reencontro entre floresta e cidade

Belém, cidade-porto onde o rio encontra o mar, será também o ponto onde a floresta reencontra a política. Com avenidas alagadas, mangues invadindo calçadas e chuvas equatoriais que parecem trombetas, o cenário é perfeito para lembrar que a natureza não negocia com planilhas.

Será uma COP de suor e calor, mais parecida com a vida real do que com os salões refrigerados de Baku. A logística é um desafio: a capital paraense, com 1,5 milhão de habitantes, terá de abrigar delegações de mais de 130 países e cerca de 50 mil participantes. O governo federal estima injetar R$ 3,8 bilhões em infraestrutura e serviços para garantir que o evento funcione – de saneamento a energia limpa.

Enquanto Baku foi vitrine de transição energética patrocinada pelo gás, Belém promete ser palco de transição ética patrocinada pela natureza. No Azerbaijão, os salões da COP29 estavam cercados por oleodutos e refinarias; no Pará, o entorno será de castanheiras e igarapés.

A COP29 registrou números exuberantes: 65 mil delegados, 2 mil empresas, 120 chefes de Estado e centenas de ONGs. Mas saiu de lá com pouco avanço no fundo de perdas e danos. Belém carrega o peso de corrigir isso.

“A Amazônia é a nova sede do multilateralismo climático”, resume André Corrêa do Lago, presidente da COP30. “O desafio é definir como avançar sem os EUA oficiais, mas com a América real.”

Em Belém, os acordos não se assinarão apenas com caneta, mas com vento, sol e chuva. Será a primeira conferência em que prefeitos e governadores dos EUA – sem Trump – terão status de atores globais. E a última antes do ponto de não-retorno das emissões planetárias.

Trump pode tuítar o quanto quiser. O clima, esse, já mudou de endereço – e Belém é o novo QG.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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